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30 novembro 2023
Texto de Maria Jorge Costa Texto de Maria Jorge Costa Fotografia de D. R. Fotografia de D. R.

Ofereça Natal todos os dias

Aos 34 anos, Carolina esconde um passado repleto de memórias e um segredo: dividir dá muito mais que multiplicar.​

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Muito por influência da família e dos valores transmitidos, Carolina começou o percurso como voluntária numa creche social em Viseu, aos 15 anos. Nunca mais parou. Nem mesmo quando se viu numa cidade nova, o Porto, aos 17 anos (corria 2007) para estudar Engenharia Biomédica. Entre queimas e noitadas, livros e papeladas, Carolina sentia que não lhe sobrava tempo para mais nada. Os dias eram noites, as noites eram dias e os fins de semanas… esses dividiam-se entre estudo, regresso a casa e à família, viagens que não trocava por nada. Além da comida da mãe e dos serões no sofá em frente à lareira a ver filmes com o pai e a irmã, era em Viseu que revia os amigos. Domingo era o dia da saudade! Saudade no adeus através do vidro do autocarro que se agravava ao atravessar a cidade de regresso ao Porto. É que no percurso passava pelos diferentes lugares onde fez voluntariado e lembrava-se dos momentos que passou. Todos, sem exceção, traziam-lhe memórias felizes e, curiosamente, em todos o tempo não era um problema. Existia tempo e este parecia nunca acabar…

Num dos dias normais de correria na faculdade, Carolina ia a entrar no auditório quando reparou num cartaz onde se lia VO.U – Voluntariado Universitário. Tantos anos depois, Carolina não se lembra de nada do que o professor falou na aula. A única coisa que reteve foi a determinação em regressar ao voluntariado.

No Porto participou em diferentes iniciativas, desde apoiar o estudo acompanhado de crianças num bairro social, ajudar uma mãe idosa a levar o filho com deficiência motora profunda a passear no parque da cidade do Porto, até dar aulas de dança de salão com as colegas de casa a pessoas em processo de reinserção na sociedade. Quando regressava a Viseu, nas férias de verão, ajudava crianças com transtornos do especto do autismo nas aulas de natação.
 
Concluído o mestrado, Carolina conseguiu o primeiro emprego e mudou-se para Lisboa em 2013. «Lisboa é uma cidade cheia de oportunidades, fazer voluntariado é tão simples… por exemplo ceder o lugar a uma senhora idosa no Metro ou comprar uma garrafa de água e deixar ao lado do senhor que dorme duas ruas abaixo numa caixa de cartão»! A sua paixão pelo trabalho foi roubando tempo, mas havia sempre um dia em que recordava o que já tinha feito e que dividir o tempo com alguém era a forma mais simples e pura de o multiplicar.

Coordenadora do projeto de responsabilidade social de uma das empresas onde participou, foi voluntária na Casa das Cores e pertenceu à Comunidade Vida e Paz, onde durante vários anos saiu à quarta-feira à noite para entregar sorrisos e algo  para  comer. Foi numa dessas quarta-feiras que conheceu o senhor José, uma pessoa em situação de sem-abrigo que amava ler. Juntos partilhavam histórias, Caro​​​lina levava livros e José prometia que na próxima visita lhe contava o resumo. Fossem que horas fossem, Carolina encontrava sempre tempo para ouvir José. Porque tinha de trabalhar no dia 26 de dezembro, houve um ano em que teve de deixar as festas e regressar a Lisboa a 25. Não podendo evitar este facto pensou, e partilhou com os pais, a possibilidade de terminar o dia 25 de uma forma feliz. Juntaram um pedaço de cada doce de Natal, o pai deu um casaco, a irmã um livro policial. E assim foi: fez a viagem em direção a Lisboa mas não em direção a casa… ia em direção a Santa Apolónia, onde se encontrava sempre com o José.

Nesse dia, infelizmente, o José não estava. Apenas o seu cobertor e o amigo do “quarto”, que a informou que o José tinha sido internado de urgência com uma pneumonia.

Sem conseguir dizer nada, Carolina ape- nas desejou um bom Natal, deixou os doces e regressou a casa. Lembra-se de ter chorado e que nessa noite dormiu muito pouco.  No dia seguinte, foi trabalhar e, de cada vez que olhava para o relógio, desejava que já fosse a hora de saída. Às 18h em ponto saiu porta fora: tinha uma missão por acabar.
 
Entrou no último horário das visitas. E quando ambos se olharam foi um misto de risa- das com choro. Carolina entregou o presente de Natal e perderam-se entre conversas. Antes de ela se vir embora, José disse-lhe que ela tinha sido a sua única visita, mas que a sua vinda tinha sido o melhor presente… abraçaram-se, num abraço sem tempo que criou uma nova bonita memória de Natal.

Como estamos na época de Natal fica o registo de uma das muitas histórias em que Carolina foi atrás do Natal.

Ser voluntário não é para todos: exige compromisso, assiduidade, conseguir levar alegria, esperança, conforto emocional. Mas é também perceber quando se tem de sair. «Quando percebemos que já não acrescentamos, nem conseguimos cumprir o que nos é pedido», revela a jovem, acrescentando que «há sempre novos projetos».

Carolina garante que, para si, ser voluntária é uma forma de estar na vida. E podemos ser todos os dias: com um sorriso a quem está triste, um abraço a um colega ou conhecido fragilizado, dar o lugar no autocarro ou no Metro.

Neste Natal ofereça de si todos os dias, ligue o radar de atenção ao outro.

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