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13 janeiro 2020
Texto de Irina Fernandes Texto de Irina Fernandes Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

Oásis entre estaleiros

​​​​Viagem aos recantos da Margem Sul.

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​Fragatas, varinos e botes repousam à beira de água. Beijam o rio Tejo, como se ali estivessem pela primeira vez. A quietude envolve a paisagem. Só o som das máquinas de soldar traz à lembrança a azáfama do passado: enfrentando ventos e marés, embarcações iguais levaram pão a Lisboa.

«Mandavam-se produtos agrícolas, madeiras e tudo o que era comercializado», evoca o mestre Jaime Costa, 66 anos, proprietário do Estaleiro Naval de Sarilhos Pequenos, um dos últimos a funcionar no país, e a reparar e construir barcos tradicionais de madeira. 

Na tranquila vila de Sarilhos Pequenos, concelho da Moita, o estaleiro é paragem obrigatória em dia de passeio pela margem Sul do estuário do rio Tejo.

«É uma oportunidade de perceber como se fabricavam os barcos», sugere a farmacêutica Laura Cardoso, frisando que «é preciso dar continuidade à arte». 

Proprietária da Farmácia Tágide, em Alhos Vedros, é filha da terra há seis gerações, «da parte da mãe e do pai».

Conhece bem a margem Sul do Tejo. «É preciso desmistificar. A margem Sul não é um deserto, é um oásis! Aqui há de tudo». 


Laura Cardoso vive em Sarilhos Pequenos desde criança

A viver, desde criança, em Sarilhos Pequenos, a profissional afiança que há muito para ver e descobrir nos nove concelhos da área metropolitana de Lisboa Sul. «A margem Sul não é um dormitório. Nesta margem saboreia-se a vida! É como estar numa cidade, mas vivendo fora dela – o que ainda é melhor»!

No estaleiro – que, por estes dias, atrai gente de todo o mundo – o deleite é certo. «Quando a maré está cheia, fica tudo tão bonito… Aqui o nascer do sol é lindo, já dizia o meu pai».

​Organizada pela Câmara Municipal da Moita, a visita não se resume à observação de barcos coloridos e madeiras maciças. Quem por aqui passe pode deliciar-se com uma refeição bem portuguesa: caldeirada à fragateira. «Encaminhamos os visitantes para restaurantes da zona e asseguro-vos que se come muito bem!», ressalva o mestre, homem de porte e mãos robustas.

Da Lisnave (Estaleiros Navais de Lisboa) até Alcochete existiram 42 estaleiros. Resta um. Nas décadas de 1940 a 1970, a indústria naval foi destino de centenas de homens e mulheres. No final do ano de 1966, trabalhavam na Lisnave 3.918 pessoas.

«Havia milhares de estaleiros e carpinteiros navais no nosso país. Só na terra do meu pai, Pardilhó, perto de Aveiro, eram uns duzentos!».

A viagem aos recantos da margem Sul prossegue, com paragem no Barreiro. A praia fluvial de Alburrica é para conhecer com tempo. 

«Esta praia era muito frequentada e recomendada para fins terapêuticos por causa do iodo. A coqueluche de Lisboa deslocava-se à margem Sul para vir a banhos», conta o historiador António Camarão.


Moinho de vento, na praia fluvial de Alburrica, no Barreiro

Nesta língua de terra, três moinhos de vento, mandados construir em 1852, – o Gigante, o Poente e o Nascente, este último aberto para visitas – roubam as atenções. E não por acaso. «Estes moinhos produziam essencialmente farinha. Portugal sempre teve crises cerealíferas e, em virtude da última, foi necessário fazer mais unidades moageiras», explica o guia do espaço Moinho de Maré Pequeno – Centro Interpretativo. 

Marcada por um passado ligado às salinas, pesca e indústria, com o complexo CUF (Companhia União Fabril), e pela diversidade cultural da população, que originou forte movimento associativo, a cidade do Barreiro soube reinventar-se. A frente ribeirinha revitalizada, os passadiços atractivos, e os museus cheios de saber e arte, de que se destaca o Espaço Memória e a Casa Museu Alfredo da Silva, são pontos a explorar.


A Tasca da Galega, no Barreiro

A hora de almoço aproxima-se, o entra e sai n'A Tasca da Galega intensifica-se. Enche-se o copo e sai mais um brinde, que a vida pede festa. «Esta ginjinha é muito boa! Saúde!», celebra a farmacêutica.

Produzida em Óbidos, a icónica bebida é símbolo da casa e da cidade. Todos os dias aqui chega gente nova. E na véspera de Natal «até têm de fechar as ruas à volta», explica.

​Pimentos, maçã e gambas, tudo junto em lume alto. O cheiro é irresistível. «É tudo feito com muito, muito amor. Quem aqui vem gosta e sente-​se em casa», solta Alice Cruz, sem tirar os olhos do fogão. 

«Aqui na Moita cada casa tem uma cor diferente. Sabem porquê? Os pescadores pintavam-nas com os restos da tinta que sobrava dos barcos», revela Laura Cardoso, de 56 anos.


Vista de Lisboa no Santuário Nacional de Cristo Rei

​Também de emoções fortes se faz a margem Sul do Tejo. Ainda que o medo de alturas possa desassossegar o espírito, subir ao Cristo Rei, em Almada, é uma experiência a não perder de dia ou de noite. A 113 metros de altura do nível do chão, Lisboa revela-se ainda mais bela e encantadora. «É um local bonito e que vai além da religião. Aqui tem-se uma perspectiva completamente diferente do Tejo», sublinha a farmacêutica. 


Praia da Fonte da Telha, na Costa da Caparica

Ainda no concelho de Almada e a menos de 25 minutos de carro, a Mata Nacional dos Medos, na Charneca de Caparica, impressiona pela sua pureza. É um autêntico pulmão verde, em frente ao mar. Inserida na Paisagem Protegida da Arrábida Fóssil da Costa da Caparica, lembra-nos como devemos sentir o mundo: respirar o ar puro, sentir o vento na cara e ouvir o som do mar. 
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​Terra de salineiros, marítimos e forcados, a vila de Alcochete é ideal para fazer turismo de natureza: pode visitar as Salinas do Samouco, andar por trilhos, fazer canoagem, observar flamingos ou as estrelas, à noite. Com cerca de 90 por centro de território classificado como área protegida, aqui se encontra um dos mais ricos patrimónios naturais do país.

A Norte da vila, Amália Rodrigues dá nome ao miradouro que lhe faz homenagem. Com o Tejo aos pés, a diva do fado ali está. Sorri a quem chega, sorri a quem parte.

 

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