Fragatas, varinos e botes repousam à beira de água. Beijam o rio Tejo, como se ali estivessem pela primeira vez. A quietude envolve a paisagem. Só o som das máquinas de soldar traz à lembrança a azáfama do passado: enfrentando ventos e marés, embarcações iguais levaram pão a Lisboa.
«Mandavam-se produtos agrícolas, madeiras e tudo o que era comercializado», evoca o mestre Jaime Costa, 66 anos, proprietário do Estaleiro Naval de Sarilhos Pequenos, um dos últimos a funcionar no país, e a reparar e construir barcos tradicionais de madeira.
Na tranquila vila de Sarilhos Pequenos, concelho da Moita, o estaleiro é paragem obrigatória em dia de passeio pela margem Sul do estuário do rio Tejo.
«É uma oportunidade de perceber como se fabricavam os barcos», sugere a farmacêutica Laura Cardoso, frisando que «é preciso dar continuidade à arte».
Proprietária da Farmácia Tágide, em Alhos Vedros, é filha da terra há seis gerações, «da parte da mãe e do pai».
Conhece bem a margem Sul do Tejo. «É preciso desmistificar. A margem Sul não é um deserto, é um oásis! Aqui há de tudo».
Laura Cardoso vive em Sarilhos Pequenos desde criança
A viver, desde criança, em Sarilhos Pequenos, a profissional afiança que há muito para ver e descobrir nos nove concelhos da área metropolitana de Lisboa Sul. «A margem Sul não é um dormitório. Nesta margem saboreia-se a vida! É como estar numa cidade, mas vivendo fora dela – o que ainda é melhor»!
No estaleiro – que, por estes dias, atrai gente de todo o mundo – o deleite é certo. «Quando a maré está cheia, fica tudo tão bonito… Aqui o nascer do sol é lindo, já dizia o meu pai».
Organizada pela Câmara Municipal da Moita, a visita não se resume à observação de barcos coloridos e madeiras maciças. Quem por aqui passe pode deliciar-se com uma refeição bem portuguesa: caldeirada à fragateira. «Encaminhamos os visitantes para restaurantes da zona e asseguro-vos que se come muito bem!», ressalva o mestre, homem de porte e mãos robustas.
Da Lisnave (Estaleiros Navais de Lisboa) até Alcochete existiram 42 estaleiros. Resta um. Nas décadas de 1940 a 1970, a indústria naval foi destino de centenas de homens e mulheres. No final do ano de 1966, trabalhavam na Lisnave 3.918 pessoas.
«Havia milhares de estaleiros e carpinteiros navais no nosso país. Só na terra do meu pai, Pardilhó, perto de Aveiro, eram uns duzentos!».
A viagem aos recantos da margem Sul prossegue, com paragem no Barreiro. A praia fluvial de Alburrica é para conhecer com tempo.
«Esta praia era muito frequentada e recomendada para fins terapêuticos por causa do iodo. A coqueluche de Lisboa deslocava-se à margem Sul para vir a banhos», conta o historiador António Camarão.
Moinho de vento, na praia fluvial de Alburrica, no Barreiro
Nesta língua de terra, três moinhos de vento, mandados construir em 1852, – o Gigante, o Poente e o Nascente, este último aberto para visitas – roubam as atenções. E não por acaso. «Estes moinhos produziam essencialmente farinha. Portugal sempre teve crises cerealíferas e, em virtude da última, foi necessário fazer mais unidades moageiras», explica o guia do espaço Moinho de Maré Pequeno – Centro Interpretativo.
Marcada por um passado ligado às salinas, pesca e indústria, com o complexo CUF (Companhia União Fabril), e pela diversidade cultural da população, que originou forte movimento associativo, a cidade do Barreiro soube reinventar-se. A frente ribeirinha revitalizada, os passadiços atractivos, e os museus cheios de saber e arte, de que se destaca o Espaço Memória e a Casa Museu Alfredo da Silva, são pontos a explorar.
A Tasca da Galega, no Barreiro
A hora de almoço aproxima-se, o entra e sai n'A Tasca da Galega intensifica-se. Enche-se o copo e sai mais um brinde, que a vida pede festa. «Esta ginjinha é muito boa! Saúde!», celebra a farmacêutica.
Produzida em Óbidos, a icónica bebida é símbolo da casa e da cidade. Todos os dias aqui chega gente nova. E na véspera de Natal «até têm de fechar as ruas à volta», explica.
Pimentos, maçã e gambas, tudo junto em lume alto. O cheiro é irresistível. «É tudo feito com muito, muito amor. Quem aqui vem gosta e sente-se em casa», solta Alice Cruz, sem tirar os olhos do fogão.
«Aqui na Moita cada casa tem uma cor diferente. Sabem porquê? Os pescadores pintavam-nas com os restos da tinta que sobrava dos barcos», revela Laura Cardoso, de 56 anos.
Vista de Lisboa no Santuário Nacional de Cristo Rei
Também de emoções fortes se faz a margem Sul do Tejo. Ainda que o medo de alturas possa desassossegar o espírito, subir ao Cristo Rei, em Almada, é uma experiência a não perder de dia ou de noite. A 113 metros de altura do nível do chão, Lisboa revela-se ainda mais bela e encantadora. «É um local bonito e que vai além da religião. Aqui tem-se uma perspectiva completamente diferente do Tejo», sublinha a farmacêutica.
Praia da Fonte da Telha, na Costa da Caparica
Ainda no concelho de Almada e a menos de 25 minutos de carro, a Mata Nacional dos Medos, na Charneca de Caparica, impressiona pela sua pureza. É um autêntico pulmão verde, em frente ao mar. Inserida na Paisagem Protegida da Arrábida Fóssil da Costa da Caparica, lembra-nos como devemos sentir o mundo: respirar o ar puro, sentir o vento na cara e ouvir o som do mar.
Terra de salineiros, marítimos e forcados, a vila de Alcochete é ideal para fazer turismo de natureza: pode visitar as Salinas do Samouco, andar por trilhos, fazer canoagem, observar flamingos ou as estrelas, à noite. Com cerca de 90 por centro de território classificado como área protegida, aqui se encontra um dos mais ricos patrimónios naturais do país.
A Norte da vila, Amália Rodrigues dá nome ao miradouro que lhe faz homenagem. Com o Tejo aos pés, a diva do fado ali está. Sorri a quem chega, sorri a quem parte.