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2 agosto 2019
Texto de Sónia Balasteiro Texto de Sónia Balasteiro Fotografia de Paulo Duarte Fotografia de Paulo Duarte

O sorriso nos olhos de Beatriz

​​​​A farmácia oferece-lhe autonomia e novos horizontes.
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Farmácia Rocha Barros – Eiriz​, Baião

Esta tarde, o senhor Joaquim Dias veio à farmácia buscar medicamentos. Sentia-se mal, com tonturas, o que alarmou a farmacêutica Maria Miguel Correia, que decidiu medir-lhe a tensão arterial. Uma colaboradora, alegre e bastante jovem, acompanha-os pelo espaço amplo e moderno da farmácia.


«A Beatriz é uma óptima assistente», avaliou Joaquim Dias, 68 anos, depois da farmacêutica Maria Miguel Correia lhe medir a tensão arterial 

Ajuda o utente a arregaçar as mangas e encaminha-o para o aparelho. «É uma óptima assistente», elogia o senhor Joaquim, 68 anos cumpridos com bom humor. 

Fala de Beatriz Moreira da Silva, autista. Aos 16 anos, é a mais jovem funcionária da Farmácia Rocha Barros, em Eiriz. Todas as quintas-feiras troca os livros da escola por medicamentos, outros produtos de saúde e a simpatia dos utentes que ajuda a atender. 

Eiriz é uma aldeia pequena da antiga freguesia de Ancede, ainda bastante rural. Todos se conhecem. A maioria dos habitantes é idosa mas esta terra de serrania do interior do distrito do Porto acolhe também muitos jovens casais, entre os 20 e os 35 anos. A relação entre utentes e profissionais da farmácia é bastante próxima, familiar. Não admira, portanto, que todos conheçam a rapariga das quintas-feiras, com o seu sorriso permanente emoldurado por longos cabelos castanhos escuros e confirmado pelo olhar honesto. 

Na farmácia, desempenha múltiplas tarefas: ajuda a confirmar encomendas, coloca os medicamentos no saco dos utentes, arruma o que faz falta. Mais importante: recebe toda a gente ao balcão com alegria e um modo de falar carinhoso. 

O objectivo das quintas-feiras na farmácia é tornar Beatriz mais autónoma e ampliar os seus horizontes para lá da esfera familiar. Chegou neste ano lectivo, mas a farmácia já aderiu há cinco anos ao Plano de Integração no Trabalho (PIT) da Escola EB 2, 3 de Ancede, criado para integrar no mundo do trabalho alunos entre o 5.º e o 9.º ano com necessidades especiais. O PIT permite que estes jovens experimentem trabalhar em locais como a farmácia, a padaria ou um restaurante. 

Na Farmácia Rocha Barros, Catarina, com microcefalia, distúrbio neurológico no qual o cérebro não se desenvolve completamente, foi a pioneira do projecto. Durante três anos, ajudou a equipa, de sete colaboradores, a atender os utentes, a arrumar e a confirmar encomendas. Todos gostaram tanto da experiência que, no último ano, Catarina já vinha duas vezes por semana. No final, «foi difícil vê-la partir», recorda a farmacêutica Maria Miguel.

Catarina também sente saudades. A tal ponto que, «quando for grande, quero trabalhar nesta farmácia», conta ela, despachada e conversadora. 

Já Beatriz gosta das pessoas da farmácia, mas prefere fazer bolos. «Pasteleira» é a resposta na ponta língua, quando lhe perguntamos o que quer fazer na vida. Não tarda muito a abraçar as visitas em reportagem, feliz. Gosta do contacto, de estar perto de quem a rodeia. 

P​​assou a manhã a conferir uma encomenda de chupetas. Adora bebés e tudo o que lhes está associado. As farmacêuticas perceberam esta paixão mal ela chegou: ficou encantada com a exposição de puericultura pesada, na cave da farmácia. «Passava a vida a ir para lá, a pedir para ver tudo», recorda Maria Emília Correia, a bem-disposta directora-técnica da farmácia. 

Quando entra uma bebé de colo, percebe-se esta tremenda paixão. Não parecia possível, mas o sorriso de Beatriz ilumina-se ainda mais. Vai de imediato ter com ela. A criança devolve-lhe o sorriso e abre os braços. 


A estagiária especial ajuda a confirmar encomendas e coloca os medicamentos no saco dos utentes

Está perfeitamente integrada no dia-a-dia da farmácia. «Todos os utentes a conhecem e gostam dela», diz Maria Miguel. No início, houve os cuidados necessários para que tudo corresse bem. Devido ao autismo, precisa de cumprir rotinas, o que lhe dá estabilidade. «É muito difícil para ela quando alguma coisa muda no seu quotidiano», descreve a farmacêutica.

Para entender a melhor forma de a integrar, o cruzamento de informação entre a equipa e a professora de ensino especial foi – e continua a ser – fundamental. Iracema Moura visita frequentemente a farmácia, dá sugestões e corrige pequenos detalhes com grande importância. Por exemplo, no início, as colaboradoras ajudavam a nova colega a vestir a bata. Aquela especialista recomendou que deixassem de o fazer, para lhe permitir tornar-se mais independente. «Realmente não temos de os mimar demasiado», comenta Maria Miguel. 

Estar na farmácia ajudou Catarina a ser mais independente e, sobretudo, a interagir com pessoas fora do seu contexto familiar. Essa convivência durante três anos deu-lhe mais autoconfiança. Beatriz beneficia agora do mesmo. «Permite-lhes ter mais responsabilidade e melhorar os relacionamentos com os outros. Esta é uma medida para a educação inclusiva», assevera a professora de ensino especial. ​



A farmácia também ganha. «E muito», alegra-se Maria Miguel. «Engrandece-nos, traz desafios. Temos de adaptar-nos», acrescenta Cátia Valente, farmacêutica que integrou a equipa há dois anos e meio. «Ela requer muita atenção, mas vale bastante a pena. Quando entramos, já está a chamar por nós com um sorriso», alegra-se. 

Os utentes também gostam de ver esta colaboradora especial atrás do balcão, sempre com a mesma alegria. «Ficam agradecidos por nós participarmos neste projecto da escola», sorri a farmacêutica. «Todos devemos contribuir para melhorar. Ver uma criança diferente a evoluir e não termos complexos de nada», diz Ana Lurdes Pereira, de 45 anos. «Antigamente, estas pessoas ficavam pior porque não iam para lado nenhum. Até a nós, se não formos, nos acontece o mesmo. Parar é morrer!», sentencia esta cliente fiel da farmácia. 

Atrás do balcão, Beatriz continua a sorrir com os olhos a quem entra pela porta da farmácia. Gosta de lá estar. Tem a felicidade estampada no rosto. E um modo meigo de falar. Pode pedir-se mais quando se entra numa farmácia?​​
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