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2 agosto 2019
Texto de Patrícia Fernandes Texto de Patrícia Fernandes Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

Maria Beatriz dos sete ofícios

​​Atende telefones, ajuda ao balcão e detecta as faltas de medicamentos.

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Farmácia Salgado ​ Ferreira do Alentejo

O calor e a pronúncia denunciam o local onde se encontra a Farmácia Salgado. Nasceu em Ferreira do Alentejo nos anos 40, ainda como Farmácia Moreira. Mudou de nome há 23 anos, depois de ter passado para as mãos do farmacêutico José Salgado.

O estabelecimento tem a idade e o prestígio que a terra dedica aos mais velhos. «É a minha farmácia preferida. Aqui é que eu me sinto bem. Já conheço o doutor há muito», confidencia Maria Susana, de 64 anos.

Maria Beatriz Salgado, de 22 anos, filha do proprietário, faz parte das paredes da farmácia. O cromossoma a mais, característico da trissomia 21, não a torna menos capaz do que os outros. Destaca-se pelo empenho e boa-disposição, que não deixa ninguém indiferente. Os utentes já estranham quando está ausente, questionando de imediato: «A menina hoje não está cá?».​​



Ela é a rapariga dos sete ofícios. Atende telefones e ajuda ao balcão. Arruma os medicamentos por ordem alfabética, identifica as faltas e repõe os stocks melhor do que toda a gente. Usa os dois bolsos da bata para recolher das banheiras as embalagens para as gavetas e prateleiras. Para os utentes, tanta desenvoltura chega a ser um espectáculo. «Medicamento dentro do bolso, já é da praxe», ouve-se ao fundo da farmácia. «É para não perder tempo», completa Maria Susana. A rapidez e a facilidade com que executa as suas tarefas fazem de Beatriz uma mais-valia para a farmácia. «Tem memória fotográfica. Vai ver a caixa e sabe onde está. Tivemos agora uma encomenda e ela já arrumou quase tudo», relata José Salgado.


Beatriz ensina à irmã Pilar as rotinas da farmácia

Maria Beatriz chega a passar facturas. Só no que toca a dinheiro pede auxílio. É ainda uma formadora qualificada nas tarefas que domina. Enquanto arruma os medicamentos, ensina a irmã mais nova, Ana Pilar, de oito anos. «Qual é a primeira letra?», questiona. «É a letra “A”. Onde está o “A”? Está aqui!», explica-lhe, com cuidado e entusiasmo.

O ambiente familiar estende-se a toda a equipa. As técnicas de farmácia coincidem nesse sentimento. «Nós aqui somos praticamente uma família. Aliás, a Beatriz trata-nos por tias», contam. «Todos os dias há coisas novas. Ficamos surpreendidas porque ela, muitas vezes, dá o primeiro passo sem lhe dizermos nada», revela Célia Rato, colaboradora há quase 30 anos, com carinho patente no rosto. «Faz o mesmo serviço que nós, naturalmente com as suas limitações», concorda Maria Fragoso, também com 29 anos de casa. Trabalhar com Beatriz é «gratificante» para ela.

A presença de Beatriz ajudou a unir gerações. «Valores materiais para ela não há, só há sentimentais. As pessoas sabem disso, por isso é que vêm aqui, porque gostam do ambiente», declara Salete Silva, a mais nova da equipa. «Dedica-se a 100 por cento em qualquer qualquer situação e é muito desenrascada. Ela quer é trabalhar», diz Luísa Torres, que se reformou no ano passado depois de uma vida dedicada à farmácia. Já sente saudades. A jovem com trissomia 21 conquistou o direito a ser encarada como uma mais-valia no dia-a-dia, por ser muito empenhada e ter sempre vontade de aprender. «Se calhar, qualquer outra pessoa sem dificuldades não teria o mesmo amor e entrega total», considera Luísa. A experiência leva as técnicas de farmácia a recomendar vivamente a inclusão de trabalhadores com necessidades especiais nas empresas. «As pessoas nem sabem a capacidade que estas pessoas têm», assegura Célia.


​Maria Beatriz está sempre disponível para ajudar, até aos fins-de-semana. Atende o telefone, entrega um saco, conversa com os clientes à espera. Acaba por aliviar as colegas em momentos de azáfama. Integrou a equipa através de um estágio curricular da Cercibeja, cooperativa sem fins lucrativos que se dedica à educação e integração socioprofissional de pessoas com necessidades especiais. Concluiu o 12.º ano. Nunca teve dúvidas de que o seu caminho seria a farmácia. No dia 1 de Maio, Dia do Trabalhador, iniciou um estágio de inserção profissional de nível três.

Fora da farmácia, tem outros sete ofícios: aulas de pilates, teatro, guitarra, escrita, voluntariado…. E guarda sempre tempo para conviver com as amigas da terra. «Costumamos ir todas ao café. Eu adoro-a e ela sabe. É muito minha amiga», refere Vitória Santana. Para Beatriz, o amor é o mais importante. «Desde que nasci nunca fui rejeitada, fui e ainda sou muito amada», declara. Aprecia o trabalho e tem afecto pelas colegas, por estarem «sempre» com ela, mesmo nos momentos mais difíceis. Para o futuro, o desejo de Maria Beatriz é só um:

«Quero continuar aqui para sempre».​​​
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