Três fotografias resumem o destino da antiga aldeia da Luz, no museu criado na nova aldeia. Na primeira vê-se o casario branco, na segunda não há vestígios humanos, a terceira apresenta um lago azul. Um pequeno conjunto de árvores no topo de um cerro é a única prova de que se trata do mesmo espaço físico.
No dia 8 de fevereiro de 2002, a aldeia da Luz viu o destino selado, quando as comportas da barragem do Alqueva foram encerradas. Entre a primavera e o verão a população mudou-se, contrariada, para a nova aldeia, construída de raiz a apenas dois quilómetros. Primeiro os mortos, com a transladação dos corpos, depois os vivos. De seguida desmantelaram-se as casas, retirou-se a telha e os xistos das ombreiras das portas, «tudo o que tivesse valor material e sentimental», nas palavras de Dimas Ferro. Por fim, a aldeia foi demolida até não restarem vestígios. «Assim acabou, ficou a memória», resume o técnico da Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA), que acompanhou todo o processo.
Painéis fotográficos no Museu da Luz documentam o desmantelamento da antiga aldeia da Luz
A decomposição das construções de taipa na água era inevitável com o tempo, mas o principal motivo da destruição foi outro: «Os psicólogos recomendaram a demolição como um processo que facilitaria o luto. Seria mais doloroso o avistamento da aldeia, caso o nível das águas baixasse». O solo nu inundou-se de água no inverno seguinte ao encerramento das comportas. Vinte anos depois, um lago substitui a paisagem que um dia foi uma aldeia.
Os vários painéis fotográficos no Museu da Luz mostram a vida, cultura e tradições da antiga aldeia e o posterior processo de desmantelamento e destruição. Junto à albufeira, na nova aldeia, o museu «foi construído para preservar a memória e transmiti-la às novas gerações», diz Dimas Ferro.
Sara Correia, residente na aldeia da Luz e presidente da Junta de Freguesia da Luz
Vinte anos depois, a memória permanece fresca. «Foi um processo doloroso. Para todos, miúdos e graúdos, e eu enfrentei-o com muita dor e revolta, a revolta típica dos 18 anos que não me permitia aceitar que isto era uma necessidade», conta Sara Correia. A presidente da Junta de Freguesia da Luz, desde 2013, critica a forma como o processo foi conduzido: «a população da Luz foi pouco ouvida e envolvida, foi quem mais sofreu, mas menos beneficiou. Essa barragem só foi possível com o sacrifício da Luz». Anima-a pensar que a nova geração, «que não sentiu a dor», possa contribuir para que a Luz volte a ser a aldeia ativa que sempre foi. «A minha esperança, e de todos, é voltar a ter a vida como na antiga aldeia, que era muito boa. De unidade, de coletivo, de querermos estar juntos e nos divertirmos com isso».