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27 maio 2021
Texto de Paulo Martins Texto de Paulo Martins Vídeo de André Torrinha Vídeo de André Torrinha

O pirata das rádios

​​​​​Ao falar do seu papel no movimento de legalização das rádios livres, António Colaço puxa pelos galões.​

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Um Presidente da República entrevistado por uma rádio não é, à partida, nada de surpreendente. Já será, porém, se a entrevista tiver sido concedida a uma rádio clandestina. Foi exactamente isso que se passou em 1985. Tendo como protagonistas Ramalho Eanes, a Rádio Antena Livre – de Abrantes – e António Colaço. 

Empreste-se um pouco de contexto histórico, para que melhor se perceba o inestimável valor das palavras presidenciais na circunstância. Na década de 1980, começaram a espalhar-se como vírus rádios locais que emitiam sem cobertura legal, as chamadas rádios livres. Quando António Colaço avançou para o terreno, aproveitando uma visita do chefe de Estado a Vila de Rei, sabia que poderia arrancar um trunfo. Quatro horas de “perseguição” foram premiadas. A entrevista, em que Eanes deu o carimbo de credibilidade ao movimento defensor da legalização, fez manchete em jornais. «Foi importante ele afirmar que apoiava a causa. Foi uma espécie de empurrão», salienta António Colaço, que ainda não perdeu a esperança de levar o antigo inquilino de Belém aos AAAnimados Almoços, evento em que deixa correr o fio das palavras sob a batuta da troca de ideias. 

António Colaço já se metera em ousadias do mesmo género, tão imerso estava na causa. Radialista de ânimo firme, jornalista não encartado que participou na fundação de órgãos de comunicação regionais e colaborou em rádios nacionais, como a Antena 1, conseguiu entrevistar dois ministros do Governo PS/PSD (1983-1985) – José Augusto Seabra, da Educação, e Coimbra Martins, da Cultura. No meio de uma gargalhada, recorda o que disse em directo Coimbra Martins, na emissão clandestina da Rádio Antena Livre, enquadrada nas comemorações do Dia Mundial da Música em 1984, quando questionado acerca da eventualidade de a polícia irromper pelo estúdio dentro: «limitar-me-ia a cumprir o que me mandassem». 

A legalização das rádios-piratas só seria concretizada em 1989. No decurso de uma luta de anos, António Colaço conquistou outros aliados, como Maria de Lourdes Pintasilgo e Mário Soares, na campanha para as eleições presidenciais de 1986. «Sem deslumbramentos bacocos», afirma que «Abrantes foi a capital das rádios livres» – até porque acolheu os três grandes encontros nacionais de rádios que forçaram a mudança, sob o slogan “Em Abril, rádios mil”, e foi o berço da primeira emissão em cadeia da TSF, na qual várias participaram. 

Como vê o cenário actual? Reconhece que algumas rádios se mantiveram «fieis à sua matriz», enquanto outras quiseram «imitar o pior das rádios ditas nacionais», privilegiando programas que nada têm a ver com o quotidiano das suas regiões. «Quando o deslumbramento significou esquecer-se de olhar para a realidade – a fome na MDF, do Tramagal, os incêndios, as cheias… aí eu tive pena». Ainda assim, preserva o optimismo: a rádio «permanecerá sempre e será tanto mais atractiva quanto mais as pessoas sentirem que está ligada à sua realidade». Porque, sublinha, «é um meio, não um fim». Por mais fantásticas que se revelem as novas tecnologias – de que é utilizador voraz – «o papel da rádio é insubstituível».​

 

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