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5 abril 2021
Texto de Vera Pimenta Texto de Vera Pimenta Fotografia de José Pedro Tomaz Fotografia de José Pedro Tomaz

O coleccionador de sonhos

​No dia em que venceu o cancro, Rui aprendeu a viver a vida.​

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Bancário desde os 16 anos, Rui Vieira nunca perdeu demasiado tempo a pensar na reforma. O trabalho era uma paixão que lhe ocupava grande parte dos dias, na correria da Invicta, onde passou toda a vida. Em escassas horas, dedicava-se à colecção inacabada de selos, que guardava no armário desde os tempos de criança. Uma vez por ano, as viagens pelo mundo permitiam uma pausa da rotina agitada. 

Em 2007, Rui viria a descobrir que sessenta anos de responsabilidades não preparam ninguém para o derradeiro momento em que a vida ameaça não ser eterna. As primeiras gotas de sangue na roupa interior não levantaram suspeitas ao médico, que associou o sintoma a uma possível hemorróida. Quatro meses depois, quando o problema voltou a surgir sem motivo aparente, decidiu pedir uma segunda opinião. 

Na colonoscopia, que incluiu uma biópsia, foram detectados dois pólipos malignos. Rui era assim diagnosticado com cancro colo-rectal. «A partir daí as coisas aconteceram muito rápido», recorda o ex-bancário de 72 anos. 

Em Julho de 2008, deu entrada no Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto. Perante o estadio avançado do cancro intestinal, o médico deu-lhe duas opções: remover apenas a parte do cólon afectada pela doença, sob o risco de precisar de retirar a restante mais tarde, ou partir para a colectomia total, que implicava a remoção quase completa do intestino grosso. «Em consciência, optei pela definitiva». 

A cirurgia, que inicialmente se esperava demorar duas horas, pareceu interminável. «Tive duas paragens cardíacas». Apesar dos médicos terem receado uma recuperação difícil, ao fim de uma semana Rui começou a sentir melhorias e teve alta. No entanto, devido a uma bactéria hospitalar, viu-se obrigado a regressar, ficando internado durante dois meses. 

Em Setembro voltou, finalmente, a casa, consciente da necessidade de adaptação à ostomia, com a qual aprendeu a viver sem dramas. Pela frente, um desafio que nunca lhe tinha cruzado os pensamentos: o que fazer com tanto tempo livre. 

«Fui apanhado de surpresa», confessa. Embora na altura já se pudesse reformar, parar de trabalhar não fazia parte dos planos. «Isso contribuiu para alguma mágoa». 

Durante o período que se seguiu à operação, fez três meses de radioterapia e mais alguns de quimioterapia. Apesar do optimismo impossível de abalar, confessa que, de todas, essa é a experiência mais difícil de viver. «Dizia-se que se conseguirmos dar um salto neste abismo, sobrevivemos». Assim o fez. E, aos poucos, a vida ia voltando ao normal. 

Na nova rotina, os médicos aconselharam-no a encontrar uma forma de exercitar a mente. «Mas como é que eu vou exercitar a mente?», pensava. A solução foi inscrever-se num curso de japonês. Nos seis anos que se seguiram, começou por aprender a escrever e, depois, a falar. «Foi uma boa escolha, que me ocupou algum tempo». 


Apaixonado pela descoberta de novas culturas, Rui visitou o Museu da Farmácia no Porto

Aos 60 anos pôde, por fim, dedicar-se à colecção de selos. Nas horas que sobravam, teve a ideia de criar um blogue focado na história de Nevogilde, a localidade onde nasceu. «Comecei a ir diariamente a bibliotecas, fazer buscas em arquivos». No cartão de requisições, coleccionou dezenas de livros com menção à antiga freguesia portuense. 

Em 2011, quatro anos depois do diagnóstico de cancro, o corpo começou a dar novos sinais de alerta. Nas urgências do IPO, descobriu que a obstipação que sentia era mais grave do que imaginava. «Explicaram-me que o intestino estava em risco de rebentar». 

 O calendário marcava 15 de Janeiro, a véspera do aniversário da sua esposa. «Perguntei à médica se podia resolver o problema rapidamente, para poder voltar a tempo de celebrar». Mas a cirurgia era urgente e exigia algum tempo de recuperação no hospital. 

Uma semana depois, de regresso a casa e livre do susto, soube que não era tempo de adiar mais sonhos – e marcou a viagem a Marrocos. «Era um desejo que acalentava há muito tempo, ir lá acima ao Atlas. E fi-lo», diz a sorrir. 

Na subida até ao topo, o caminho era sinuoso e cheio de obstáculos. Entre pontes de madeira e caminhos de cabras, seguiu na frente de um grupo de trinta turistas, sempre pronto a ser o primeiro a aventurar-se a cada sugestão do guia. Nos trilhos mais estreitos, a fila dividia-se e metade dos visitantes aguardavam que a outra atravessasse até uma zona mais larga. «E ao lado era quase um abismo». A aventura culminou com a chegada ao cimo da montanha, onde a vista fez tudo valer a pena. 

Desde então, nenhuma viagem ficou por fazer. No Japão pôs à prova o seu japonês e no Reino Unido matou as saudades do filho e do neto, a quem faz uma visita pelo menos duas vezes por ano. Índia, Patagónia, Chile, Argentina, Uruguai, Islândia e China são mais alguns dos carimbos que hoje decoram o passaporte de Rui. 

Aos poucos aprendeu a esquecer as responsabilidades, os horários e o trabalho, e a viver uma vida de lazer. «Francamente, posso dizer que a reforma até tem bastante piada», brinca. 

Na grande aventura que é a vida, tem do seu lado uma companheira à altura, que é também a sua maior força. «O apoio familiar é imprescindível», afirma. «A cada conversa ganhamos uma vida». 


Na associação de doentes, Europacolon Portugal, o testemunho de Rui serve de inspiração a outros doentes com cancro digestivo

Na associação Europacolon Portugal, onde é voluntário desde 2011, encontrou um porto de abrigo e um meio de fazer a diferença na vida de outros doentes. «O nosso trabalho vai sempre no sentido de prevenir estas doenças», explica, lembrando a importância de fazer o rastreio a partir dos 50 anos. 

A quem possa passar pelo mesmo, deixa uma palavra amiga: «É preciso força, muita força para não nos sentirmos desgastados ao tropeçar aqui e acolá». O importante, garante, é não baixar os braços. E nunca assumir o cancro como uma sentença. «Não pensem que é o último dia da vossa vida. Vivam» 

 


Campanha de detecção precoce do cancro colo-rectal 

De 15 de Março a 14 de Abril, decorre a campanha de sensibilização para a detecção precoce do cancro colo-rectal, dirigida às pessoas entre os 50 e os 74 anos. Promovida pela Fundação Ageas, pela Médis e pelas Farmácias Portuguesas, a campanha estará disponível nas farmácias parceiras, aderentes à rede de prestadores da Médis (excepto nas ilhas). 

Caso se enquadre no grupo de risco, fale com o seu farmacêutico, que lhe vai entregar um kit para recolha de uma amostra de fezes, juntamente com um livro de banda desenhada dedicado a este tema. O kit tem o custo simbólico de 5€, sendo que os primeiros 4.000 kits serão oferecidos pela Fundação Ageas. Se o resultado da análise for positivo, é recomendada a marcação de consulta com o médico assistente. ​

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