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3 julho 2023
Texto de Paulo Martins Texto de Paulo Martins

O bem-humorado organizador

​​​Admitia ser demasiado organizado, mas acreditava que só assim conseguiria servir um pensamento estruturado.​​​​

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Quando se procura um denominador comum às recordações de quem privou com Vítor Segurado, duas palavras despontam: homem bom. Bastam para descrever um conjunto de qualidades: disponibilidade para os outros, lealdade, queda para a brincadeira, modéstia e uma irreprimível tendência para tudo organizar ao milímetro – nas viagens as pistas de esqui, como na ANF, em cuja Direção assegurou durante duas décadas os pelouros da informática e da gestão.

Alfacinha por nascimento, sadino por opção, o farmacêutico que partiu em abril passado conservava um ritual que em vida lhe granjeou respeito e na morte saudade: a visita aos departamentos com os quais lidava, antes de cada reunião semanal. O tratamento dos funcionários por um petit nom quebrava eventuais barreiras. Que o digam Alda Guerrinha, “menina Guerrinha”, ou Alexandra Gomes, “Madame Gomes”. A razão de ser da atitude registou-a o próprio, em 2012, na Revista Farmácia Portuguesa: «Colaboro há muito tempo com as mesmas pessoas, conheço-as bem e construímos uma relação de confiança mútua, com processos muito rotinados, e isso traz-me paz».
 

No 13.º Congresso das Farmácias, em 2018

Nascido em 1959, Vítor Manuel Lopes Segurado assumiu, mal acabou o curso, em 1987, o leme da Farmácia Nova, em Setúbal, cujo pessoal acolheu como extensão da família. A prática de voleibol – virá daí o gosto pelo jogo de equipa? – retardou a entrada no associativismo. Quando finalmente avançou, fê-lo em duas frentes. No setor cooperativo, esteve “em todas” – nos corpos gerentes da Codifar, Udifar e União dos Farmacêuticos. Na ANF, cujo pulso tomou como delegado de zona, entrou para a Direção, pegando de estaca, em 1998. Passou, entretanto, pela administração de empresas como a Finanfarma, a Alliance Healthcare, a hmR e a Glintt.

Na citada entrevista, admitiu ser «demasiado organizado», mas acrescentou que só assim poderia servir um pensamento estruturado. Sendo a sua praia a parte administrativa, de que muitos farmacêuticos fogem como o Diabo da cruz, confiava nos outros para cuidarem da vertente política. «Com facilidade e naturalidade assumia a liderança dos processos, aos quais dedicava tempo de planeamento para garantir uma experiência ou produto satisfatórios para todos», assinala a atual presidente da ANF. Segundo Ema Paulino, com ele «o itinerário estava bem estudado e nunca deixava ninguém para trás».


Num Conselho Nacional, em 2019, sob Direção de Paulo Cleto Duarte

Vice-presidente de dois líderes – João Cordeiro e Paulo Cleto Duarte – manteve intacto o low profile. «Um lugar sombra, o papel de bom conselheiro, humilde e sensato», era adequado à sua personalidade, no juízo de Abel Mesquita, da Associação. «Leal, incapaz de uma patifaria, procurava a unidade sem radicalismos», garante. «Confiávamos um no outro sem limites», afirma Cordeiro, habituado a ouvir do colega, em momentos de crise, uma frase tranquilizadora: «Calma João, que isto vai resolver-se!». O dirigente histórico da ANF não poupa elogios à pessoa com quem trabalhou mais de 30 anos – «leal, competente, rigoroso e organizado». Paulo Cleto Duarte dedica a Vítor Segurado uma frase de Saint-Exupéry: «Aqueles que passam por nós, não vão sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós». O antigo presidente sente-se inspirado pelo seu exemplo de «humildade, simplicidade, rigor e dedicação à causa da saúde dos portugueses».


Em 2012, na ação Farmácia de Luto, na Direção liderada por João Cordeiro

«Um facilitador. Nunca intervinha para agudizar, mas para apaziguar»: eis a imagem mais impressiva que guardou Maria da Luz Sequeira. Lembra um companheiro de funções diretivas «bastante perfecionista», que podia até não se pronunciar na fase prévia à tomada de decisões, mas apenas por sentir necessidade de maior ponderação. Quando falavam de contas, sendo Maria da Luz responsável pela estrutura associativa, sabia que contava com ele para «garantir que as coisas fossem mais clarividentes e se evitassem abusos».

Entre dois amores, a informática e o esqui, nunca abdicou de nenhum. Uma mensagem dirigida em dezembro passado a Miguel Lança, responsável pela Direção de Sistemas de Informação e Transformação Digital, revela que nem os duros tratamentos a que já estava a ser submetido lhe roubaram a paixão pela tecnologia: «Sabe se estamos a ter problemas com o e-mail da Farmalink?». Conheceram-se nos anos 1990, ainda antes de o amigo de quem fala com voz embargada entrar para a Direção da Infarma – Cooperativa de Informática das Farmácias. Lança sustenta que «não tendo sido o iniciador, foi a alma da informatização das farmácias».


Numa das viagens à neve com a Tribo ComDor, cujo logotipo enverga estampado no casaco

Em setembro de 2022, a hospitalização apanhou de surpresa, em cima das comemorações do 25.º aniversário,  a “Tribo C​omDor”, grupo de companheiros do esqui, de que era o «líder natural», de acordo com Rui Novo. «O mundo farmacêutico vai ter muita dificuldade em encontrar alguém com o seu perfil», garante o amigo de longa data, recordando a passagem de ambos pela Direção da ANF. «Simples – por vezes demasiado; até o criticava por isso –, nada ambicioso, amigo do seu amigo, honestíssimo e competentíssimo», diz Rui Novo, abrindo a janela para vivências mais privadas. Na casa de férias, em Tróia, tratava do jantar para todos – «bom cozinheiro, não deixava entrar ninguém na cozinha» – e no final oferecia a cada conviva uma garrafa da sua bebida preferida. Rui Novo partilhou com o farmacêutico, que media a temperatura das águas de termómetro na mão, várias viagens ao estrangeiro, atrás da neve. Vítor Segurado programava tudo, até o dia-a-dia nas pistas de esqui. «Tínhamos de cumprir rigorosamente, se não ele zangava-se». Sol de pouca dura, claro, porque depressa recuperava a proverbial boa disposição.

 


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