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9 novembro 2021
Texto de Nuno Esteves Texto de Nuno Esteves Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro Vídeo de André Oleirinha Vídeo de André Oleirinha

No centro do Interior

​​​Na Farmácia Mendes Dordio, os utentes vêem as suas aflições cuidadas por quem as conhece de cor.​

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Cano fica no interior do Interior de Portugal. «Estamos no meio de tudo», considera a proprietária e directora-técnica da Farmácia Mendes Dordio. A freguesia fica no centro, mas distante de tudo. Portalegre, a capital de distrito, tem hospital, mas situa-se 50 km a Norte; tal como Évora, 60 km a Sul. Até Sousel, onde se encontram o centro de saúde e a farmácia mais próximos, ainda são 8 km. Estremoz também tem centro de saúde, mas está a 22 km de distância. A 4 km existe um posto farmacêutico. Até isso é longe, para os idosos sem carta de condução nem carro próprio que aqui vivem.


A farmacêutica conhece os utentes todos e as suas doenças

Durante a pandemia, a extensão do centro de saúde de Cano fechou as portas. A população perdeu o acesso à médica cubana que lá dá consultas três meios-dias por semana. Os 1.058 habitantes de Cano ficaram aos cuidados da farmacêutica e da técnica de farmácia que constituem a equipa da Farmácia Mendes Dordio. Rosa Carreiro e Ana Paula conhecem toda a gente. Sabem de cor o nome e as doenças crónicas que afligem cerca de duzentas pessoas da freguesia.

A farmacêutica, de 60 anos, veio de Sacavém há 11 anos para abrir o serviço no novelo de casas baixas, caiadas de branco, porque aqui já é Alentejo. Ainda tem raízes às portas de Lisboa, mas só lá vai aos fins-de-semana, depois de fechar a farmácia às 13 horas de Sábado. Para qualquer urgência ainda lá fica Ana Paula, que é natural de Cano.  Tem 63 anos e já leva 40 a ajudar na farmácia todos os dias, até às duas da tarde. Quando apareceram na freguesia os primeiros casos de COVID-19, em Novembro de 2020, foram elas a esclarecer as dúvidas e a acalmar o pânico da população.


«Quando apanhei COVID, o que me valeu foi a doutora da nossa farmácia», afirma Miguel Rebelo

Em Janeiro, o dono do café Jardim, no largo da igreja matriz, apanhou a temida doença. Ficou em casa três semanas, para recuperar e cumprir a quarentena obrigatória determinada pelas autoridades de saúde. «O que me valeu foi a doutora da nossa farmácia», afirma Miguel Jorge Rebelo enquanto serve as bicas do dia. Recebeu em casa os medicamentos de que precisava. «Só os paguei quando pude sair», conta Miguel, 56 anos, que recorda como foi difícil ter o negócio encerrado com contas para pagar. «A doutora é impecável, esteve sempre ao nosso dispor quando mais precisámos», reconhece.


Quando ficou 22 dias fechada, Elisabete recebeu medicamentos em casa duas vezes por semana

Elisabete Cardoso, 49 anos, é cuidadora de idosos. Quando contraiu COVID-19, teve de ficar fechada em casa 22 dias. Naquela altura, era difícil falar com o centro de saúde e obter receitas médicas. A solução foi telefonar para a farmácia. Duas vezes por semana, Ana Paula ia a pé levar-lhe os medicamentos para a insuficiência venosa crónica, que não podia deixar de tomar. A técnica tocava à campainha e deixava-os à porta. Elisabete Cardoso recolhia-os sem se preocupar de imediato com a conta. Ainda hoje se diz «agradecida» pelo serviço e por lhe dispensarem os medicamentos a crédito.

Primeiro havia que tratar as pessoas, as contas só foram acertadas depois dos confinamentos. Dispensas a crédito e entregas ao domicílio foram tábuas de salvação para as pessoas com doenças crónicas e para quem foi apanhado pelo vírus. Rosa Carreiro chegou a levar Ibuprofeno e paracetamol a um casal da Malarranha, concelho de Mora.

A pandemia não trouxe só coisas más. Muitos doentes de risco passaram a poder levantar na sua farmácia – e até a receber ao domicílio – os medicamentos que antes eram de exclusiva dispensa hospitalar. As farmácias comunitárias começaram a prestar esse serviço, gratuitamente, no quadro da Operação Luz Verde, criada no período de emergência.


Rosa ia todos os meses de ambulância levantar medicamentos ao IPO

Para muitas pessoas, o acesso à terapêutica era um castigo. Maria Rosa Romão, de 78 anos, ia todos os meses de ambulância, do Cano ao IPO de Lisboa, a acompanhar o marido, só para levantar os medicamentos. Duas horas de viagem para cada lado, mais de 160 quilómetros, para um doente com cancro na garganta e nos intestinos. A doença levou-o em Maio. A partir de Abril de 2020, a Farmácia Mendes Dordio passou a dispensar-lhe esses medicamentos. «Foi um alívio, tornou o último ano de vida dele um pouco menos difícil», conta a viúva.


João passou a receber na farmácia os medicamentos hospitalares para as nevralgias
João Manuel Ariano, de 67 anos, reformado da GNR, sofre de nevralgias na cabeça desde 2013. As crises dão-lhe «dores horríveis», explica a custo. Antes da pandemia, a medicação vinha do Hospital dos Capuchos, com a ajuda dos bombeiros. Enviava um e-mail a pedir para a entregarem na farmácia. Desde Junho de 2020, basta lá ir directamente. A farmácia até avisa quando é preciso nova receita. «São muito atenciosas», diz a esposa, antiga costureira e agora cuidadora informal «sem ordenado». «Estamos contentes. Este sistema está a correr bem», afirma Rosária Ariano.


Feliciano, 93 anos, agora é vacinado em casa pela farmacêutica


«Esta farmácia é a salvação de muita gente, sobretudo dos idosos», afirma Gaspar Grilo

A farmacêutica faz testes à COVID-19 num gabinete privado. No ano passado, começou a administrar a vacina da gripe ao domicílio, sem custos acrescidos. João Feliciano Baltazar, de 93 anos, e a esposa, de 96, só se deslocam de andarilho e cadeira-de-rodas, vigiados por uma cuidadora. Vacinam-se na farmácia há já 11 anos. O ano passado, foi a farmacêutica a ir ter com eles. Também Gaspar Grilo, viúvo de 84 anos, que se movimenta apoiado numa bengala, foi vacinado em casa. «Esta farmácia é a salvação de muita gente, sobretudo dos idosos. Acompanha o nosso estado de saúde. É um descanso», exclama o antigo latifundiário de olival em Sousel, que mostra duas hérnias na barriga antes de admitir que abusava da comida e do tabaco. «É gente simpática, é gente boa», repete duas vezes.


Ana Maria Boto recebe os medicamentos do marido já organizados pelas tomas diárias

A preparação individualizada da medicação é outro dos serviços da Farmácia Mendes Dordio. Veríssimo Boto, de 87 anos, é um dos beneficiários. Aparece à janela do primeiro andar, mas não desce. Custa-lhe a andar. Quem abre a porta à farmacêutica é a esposa, Ana Maria. Diz-se «muito satisfeita» com o serviço, de que Veríssimo usufrui semanalmente há dois anos, pois «assim nada falha» na medicação. O custo do blister para organizar os medicamentos (0,60€) é suportado pela farmácia, que também não cobra o tempo despendido e a deslocação. «Há aqui pessoas que precisam…», justifica Rosa Carreiro.

 

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