Política de utilização de Cookies em Revista Saúda Este website utiliza cookies que asseguram funcionalidades para uma melhor navegação.
Ao continuar a navegar, está a concordar com a utilização de cookies e com os novos termos e condições de privacidade.
Aceitar
9 julho 2021
Texto de Maria Jorge Costa Texto de Maria Jorge Costa Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro Vídeo de André Oleirinha Vídeo de André Oleirinha

«Neste momento, representar é um superpoder»

Da estudante que nunca iria ser actriz, até ao pisar dos palcos com Isabelle Huppert.

Tags
Tem um ar franzino, frágil, mas não é nada frágil.  
​Tenho um ar frágil? Eu imagino sempre o contrário. Sei que tenho um ar franzino, mas acho que tenho um ar muito duro. Quando me vejo em imagem vejo sempre dureza, até na expressão.  

_26A5099.jpeg
Isabel Abreu assume-se como uma mulher forte. De frágil só tem o corpo, diz

Regressou aos palcos em Abril, com a peça “Catarina e a Beleza de Matar Fascistas”. No ano da pandemia promoveu várias iniciativas para ajudar pessoas da área cultural. É uma mulher de causas? 
Cada vez mais. O projecto #Todas Merecemos é o exemplo mais recente.  

De onde vem essa energia que põe na vida? 
Não sei... eu gosto muito de viver, mas gosto mesmo! Gosto imenso do que faço. Tenho uma paixão enorme por representar. Gosto muito de pessoas. E é essa energia que me alimenta. Eu saio para fazer qualquer coisa, onde quer que seja, e não é só ir fazer essa coisa, é o tempo que eu ganho a encontrar pessoas na rua. Foi isso que me fez pensar no #Todas Merecemos. Começou com a minha conversa com uma mulher, uma pessoa que está numa situação sem abrigo há um ano e se tornou minha amiga, por que eu não consigo pensar em não ver e em não falar. Foi assim que nasceu o movimento para sensibilizar e dar acesso a produtos de higiene íntima a todas as mulheres que por razões económicas não conseguem pagar.  

Aos oito ou nove anos já sabia que queria ser actriz. Foi um choque chegar a Lisboa, habituada a Arronches, uma pequena vila alentejana? 
Era muito novinha, tinha 17 anos quando entrei no Conservatório e logo no primeiro período entrei para a lista negra. Fui aconselhada a sair e foi-me dito que eu nunca iria ser actriz, nem aqui nem na China.  

Não desistiu, porque acreditou que ia conseguir?  
Tinha essa insegurança muito presente em mim, mas dei a volta não sei bem como. Se calhar, agarrada a essa força de que falámos no início da conversa. Tenho uma força a que me agarro para sobreviver. Acho que há em mim dois lados: um mais triste, negro, duro; e outro uma luz, uma vontade gigantesca de lutar, de continuar. Aliada a alguma fragilidade, eu tive sempre uma certeza: «Eu entrei, ninguém tem o direito de me pôr na rua. Chumbem-me os anos que quiserem, façam o que quiserem à vontade, vão ter de levar comigo até ao fim». Temos de lutar por aquilo em que acreditamos. Com muito trabalho, sacrifícios, mas vontade de vencer.  

Precisa de pessoas. Como conseguiu manter o optimismo durante este ano e meio fechada? 
Eu tive imensa sorte, fui para o Alentejo [para Arronches, vila onde cresceu] tive ar livre, estive com a minha família, as pessoas que eu amo, na minha casa e a comer bem. Há duas realidades: esta é a do privilégio, depois há a realidade de perceber tudo o que está a acontecer, a ansiedade de saber «quando é que vai haver espectáculo», não saber quando voltamos. Estava desde Dezembro sem estar em cena, porque foi tudo cancelado.   

Faz confusão estar em palco e ver público de máscara? 
A mim já não me faz confusão. A primeira vez senti «ai, que horror!», não se percebe nada, se as pessoas estão a gostar, só se vê os olhos, não há reacção. Habituamo-nos a tudo. A sensação de neste momento voltar a um palco é muito poderosa.   

_26A5126.jpeg
«É uma bolha de felicidade [estar em palco], partilhar com todos e esquecer por momentos a COVID-19»​

Poderosa? 
É. É quase um superpoder, como se nos dessem uma bolha de felicidade por podermos estar ali a partilhar com todos o mesmo momento, tirarmos as máscaras, abraçarmo-nos e gritar «muita m:::», esquecer por um momento que existe pandemia, COVID-19, e sentir a liberdade de abraçar. É muito, muito forte, é muito forte.  

Em Julho vai estrear-se ao lado de Isabelle Huppert, em França. Qual é a sensação? 
É um privilégio enorme trabalhar com uma equipa de actores franceses e suíços, com o Tiago Rodrigues a encenar “O Cerejal”, de Anton Tchékhov, com criadores portugueses que eu adoro: o José António Tenente, o Nuno Meira, o Pedro Costa. E depois acompanhada também pelos incríveis Manuela Azevedo e o Hélder Gonçalves... Isabelle Huppert é uma das actrizes que mais admiro, e agora vou subir ao palco com ela.  

Tem de se beliscar? 
Sim, é um bocadinho irreal.  

Foi protagonista num papel forte na novela “Rainha das Flores”. Tem saudades de fazer televisão? 
A televisão é muito importante em Portugal, muitas das vezes ainda ocupa a mesa de jantar, está ligada em todos os cafés, faz parte da vida de toda a gente. A televisão tem um poder grande de educação e de cultura. Julgo que é tanto mais importante quanto melhor for. Preparei-me como para o teatro e gostei muito da minha personagem, gostei muito de a fazer.  

_26A5029.jpeg
«Tenho duas farmácias: a de Arronches, onde me conhecem desde que nasci, e a de Lisboa»

A maioria das pessoas costuma dizer que tem a sua farmácia. 
Eu tenho a minha farmácia, aliás tenho duas. A farmácia em Arronches, onde me conhecem desde que nasci, ainda por cima os meus pais eram médicos lá. Em Lisboa, tenho outra farmácia, na minha rua, como o café, a loja não sei do quê, tenho o senhor da lavandaria, mesmo que eu não vá lá lavar roupa, mas eu passo e digo «Olá, tudo bem? Está bom? Tudo bem?». Esta minha farmácia também é isso, é o sítio onde eu tenho liberdade para tirar dúvidas.  

Vamos sair melhores da pandemia? Nós pessoas, nós mundo, nós no sentido do outro? 
Se isto acabasse hoje, agora, garanto que eu partia muito melhor pessoa do que nasci, sem dúvida nenhuma. Não tenho nada uma descrença, antes pelo contrário.  

Se agora eu lhe dissesse que a pandemia está erradicada, o que lhe ocorreria fazer imediatamente? 
Sou uma pessoa de toque, de afectos e garanto que tinha entrado aqui e tinha dado um beijo a toda a gente. A primeira coisa que eu faria era abraçar e agarrar toda a gente. Especialmente a minha mãe, a quem para aí há um ano e tal não dou um abraço como deve ser. Se calhar levava um ‘ganda’ beijo na boca.

 
​​

Notícias relacionadas