Durante a sua infância e adolescência, o futuro farmacêutico Mário Leitão passou horas e horas no laboratório da Pharmácia Brito, localizada no andar inferior da casa para onde foi viver com a família aos sete anos de idade. Lembrando esses tempos do final de 1950 e início de1960, uma época em que a produção da maior parte dos medicamentos ainda era artesanal nas farmácias, recorda também a sua relação ambivalente com o laboratório.
Sentia-se um verdadeiro alquimista quando preparava algumas das «10 ou 12 pomadas» que estavam a seu cargo. «Pomada de óxido de zinco, pomada mercurocromo, pomada fénica, com fenol, pomada vermelha de iodo», elenca algumas delas. «Dava-me algum prazer ter a vaselina ou a lanolina, fosse lá a massa que fosse, e deitar ali uma coisa que rolava, fugia e dali a dez minutos aquele líquido era incorporado», relembra. «Para mim, era um mistério».
O prazer vinha tanto da feitura quanto do resultado do seu trabalho. Contemplar os boiões e saber que as pomadas tinham saído das suas mãos enchia-o de satisfação e orgulho: «Depois [de fazê-las] olhar para o boião cheio com 100 gramas, 200 gramas. Fui eu que fiz!». Pelo contrário, era com repulsa que realizava outras tarefas como pesar e embalar o inseticida DDT, o «pó para as pulgas», esclarece, ou o borato de sódio para «gargarejo, para a higiene oral e para infeções da pele».
Se estas tarefas eram semanais, fazer a pomada, pelo contrário, só acontecia de três em três meses. «Era uma festa, estar ali "trac, trac, trac"...», conta, simulando o movimento de misturar as pomadas. O contrário acontecia quando pesava, embrulhava, carimbava e arrumava os ‘pós’ « 30 gramas de um lado, 15 gramas [do outro]... ah, era muito enfadonho».
Quando foi para a Faculdade de Farmácia a prática no laboratório deu-lhe alguma vantagem em relação aos colegas, num tempo em que a manufatura começava a dar lugar à indústria farmacêutica. Lembra, por exemplo, a disciplina de Botânica e o seu conhecimento das plantas mais vulgares na farmácia – «as folhas de sene, as cabeças de papoila, as malvas... até urtigas vendíamos».
Além de as conhecer, e aos seus usos, recorda os tempos em que as aldeãs vinham vender cestos destas flores e plantas a Ponte de Lima, que depois o seu pai secava para uso medicinal. «É engraçado como havia pessoas na aldeia que cultivavam pimenta», relembra, espantado com o engenho de quem compreendeu como cultivar esta especiaria que originalmente vinha da Índia. «Alguns lavradores percebiam que valia a pena fazer um quilo de pimenta para vender na farmácia. Provavelmente dava-lhe para comprar os remédios todos».