Política de utilização de Cookies em Revista Saúda Este website utiliza cookies que asseguram funcionalidades para uma melhor navegação.
Ao continuar a navegar, está a concordar com a utilização de cookies e com os novos termos e condições de privacidade.
Aceitar
25 março 2021
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro Vídeo de Hugo Costa Vídeo de Hugo Costa

História da mina de São Domingos

​​​​Entre as ruínas vislumbra-se um século de vida duríssima de milhares de mineiros e operários.​

Tags
O minério é, sempre foi, um bem apetecido na história das civilizações. O ouro, prata, estanho e cobre da mina de São Domingos atraíram fenícios, cartagineses, romanos e árabes. Entre 1864 e 1968, a mina foi explorada pela empresa Mason & Barry e tornou-se o grande motor de desenvolvimento da vila de Mértola. Na mina que faz parte da faixa piritosa ibérica que vem desde Grândola/Canal Caveira até Rio Tinto, em Espanha, a companhia inglesa explorava pirite de cobre e enxofre.  

Foi a exploração da mina pelos ingleses que fez nascer a aldeia de São Domingos. Veio gente dos montes em redor, de Alcoutim, do Algarve, e ali fizeram vida, até porque «não havia trabalho em mais lado nenhum», confirma António Evangelista, que viu o pai, o avô e o tio servirem a comunidade mineira. A empresa contratava mineiros, serralheiros, fundidores, caldeireiros, torneiros, fresadores, electricistas, carpinteiros. «Havia de tudo!». Chegou a empregar 3.500 operários. Na aldeia viviam 8.700 pessoas, hoje são cerca de 600.  

Ao longo de um século, aquele pedaço de terra alentejana viveu ao ritmo das eficientes regras britânicas. A empresa criou todas as infra-estruturas necessárias à exploração do minério e ao quotidiano dos operários. Foi construída uma central eléctrica que alimentava a mina e o bairro inglês, e que fez de São Domingos uma das primeiras aldeias electrificadas de Portugal. Os trabalhadores usufruíam de escola, hospital com assistência gratuita, cooperativa para se abastecerem de géneros alimentícios e habitação gratuita. Filas de casas brancas, todas iguais, uma por família. Dezasseis metros quadrados de espaço onde cabiam pai, mãe e filhos, fossem três, quatro ou quinze. «Uns dormiam de cabeça aos pés, outros aos pés, outros à cabeça, era assim», desfia António Evangelista.  

Na Casa do Mineiro, que pertence à Fundação Serrão Martins, encontra-se a reprodução fiel das casas de então. A lareira onde se cozinhava, as botas de mineiro sujas à beira da cama, os utensílios de todos os dias. Sara Ribeiro, técnica da fundação, conta que «era uma vida muito dura, mas normalmente as pessoas recordam esse tempo com saudade porque tinham tudo». Havia banda de música, cinema três vezes por semana e foi fundado o São Domingos Futebol Clube, com equipamentos que vinham de Londres, «iguais aos do Arsenal de Londres».   

Os operários trabalhavam em turnos de oito horas na mina, que laborava sem interrupção. Os ordenados eram parcos. «Vinte e tal escudos por dia, podia chegar aos 28 quando enchiam mais uns vagões de minério». Pelo Natal, a empresa oferecia 25 escudos de broas de Natal e uma arroba de farinha, para cozer o pão. Para alimentar as famílias, muitos homens dedicavam-se ao contrabando, à pesca ou à caça. Também trabalhavam na horta, quando saíam da mina ou das oficinas. À noite esqueciam as misérias na taberna, onde se «cantava a moda». Os fins-de-semana eram passados no pinhal, quando o tempo estava bom, o almoço transportado na lancheira. «Viveu-se assim muitos anos», conta António Evangelista, que se lembra de jogar à bola, ir aos pássaros e à pesca para a tapada. «Assim que saíamos da escola, era só paródia».  

A comunidade inglesa, que chegou a ter duas centenas de pessoas, vivia num bairro próprio, abaixo do cineteatro, onde sobressaía o palácio da administração, no espaço em que funciona hoje o Hotel São Domingos. Tinham campo de ténis, críquete e golfe, e um cemitério próprio, em que, dizem alguns, até a terra onde eram sepultados vinha de Inglaterra. A distinção de classes era clara. «Os mineiros eram os mineiros; eles eram os patrões, os engenheiros», conta António Evangelista. 

O minério era transportado ao longo de 17 quilómetros de linha de caminho-de-ferro construída para o efeito, até à aldeia do Pomarão, onde seguia por barco para a CUF, no Barreiro, para Inglaterra e outros países. No sentido inverso, chegavam produtos como carvão coque, da CUF, ou madeira de riga, da Noruega e Dinamarca, úteis à produção industrial. No Pomarão, a estrutura de madeira negra, semiarruinada, do antigo cais, é o único vestígio da actividade mineira que por lá passou. Quando a mina fechou, na sequência da queda dos preços do minério, foi tudo «desmantelado e vendido ao desbarato».  

Hoje, restam ruínas. Da entrada da mina, das oficinas, da central eléctrica, dos poços de água em ferro que extraíam a água da mina, das fábricas de enxofre, construídas a três quilómetros, que fazem lembrar uma paisagem lunar. Se as pedras ficaram, os homens partiram. Emigraram, palavra que se ajusta como uma luva ao Portugal dos anos 60. Foram para França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Canadá. Outros ficaram pela zona de Lisboa, Almada, Sacavém, Amadora. Foi o caso de António Evangelista, então miúdo de 15 anos, que trocou o Alentejo pela Damaia. Quis a vida que a mina entrasse em declínio antes de ele perfazer os 18 anos obrigatórios para ser admitido como operário nas oficinas ou os 21 para descer ao fundo da terra. Era «a lei dos ingleses». Regressou a São Domingos em 2000, quando os pais faleceram. Vive da reforma. «Uma vida de malandro!».​

 

Notícias relacionadas