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19 março 2018
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa Fotografia de Pedro Loureiro, Luís Silva Campos e Miguel Ribeiro Fernandes Fotografia de Pedro Loureiro, Luís Silva Campos e Miguel Ribeiro Fernandes

Grávidas e doentes de risco sob stress

​​​​​​​​​​​​​​​Devido às falhas de medicamentos, os médicos têm de duplicar consultas. Mas o que os preocupa é a interrupção da terapêutica.

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Há um ano que Rute Oliveira é responsável por administrar o injectável Lovenox ao filho de três anos, doente oncológico. Tem  sentido muita dificuldade em encontrar este medicamento biológico anticoagulante, muito receitado pelos médicos para prevenir ou tratar a trombose venosa profunda e a embolia  pulmonar.  Em Março de 2017, o Gonçalo teve um trombo na veia cava e durante quase quatro meses recorreu ao Lovenox.  Em Dezembro teve outra trombose venosa. Das duas  vezes, a aquisição do Lovenox foi feita «a conta-gotas».

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Rute Oliveira denuncia que só consegue adquirir «a conta-gotas» um medicamento vital para o filho de três anos, doente oncológico

«Da primeira vez, sempre que tinha receitas, eu telefonava para a farmácia a pedir que me providenciassem embalagens que chegassem até à próxima consulta. Num dia conseguia duas, passado um ou dois dias levantava outras duas, uma coisa incrível…  Em Dezembro, a situação voltou-se a repetir.  A médica passou-me uma receita de dez embalagens e tive de estar   à espera três ou quatro dias até conseguirem reuni-las», descreve a mãe do doente. Quando vai às consultas, Rute Oliveira traz do hospital duas ou três embalagens que lhe servem de reserva para, pelo menos, dois dias. «Tenho de garantir que o Gonçalo não corre o risco de ficar sem medicação um dia que seja, porque este é um medicamento vital».

O Lovenox é ainda utilizado pelas grávidas com diagnóstico de trombofilia, ou seja, com propensão para a formação de coágulos de sangue. Esta condição aumenta o risco, já referido, de embolia pulmonar, mas também de pré-eclampsia, crise hipertensiva durante a gravidez. A trombofilia não controlada aumenta substancialmente o risco de redução do crescimento fetal, de parto prematuro e de aborto.

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As grávidas a quem é receitado Lovenox têm de fazer injecções ao longo de todo o período de gestação e no pós-parto. O coordenador de Obstetrícia e da Unidade de Alto Risco Obstétrico do Hospital CUF Descobertas, em Lisboa, Jorge Lima, confirma que o Lovenox é o medicamento mais prescrito nesta área e que as suas pacientes têm alguma dificuldade em encontrar o medicamento nas farmácias. Em 2017, faltaram 402 mil embalagens do Lovenox, que esteve oito meses no top 20 dos medicamentos com maiores problemas de abastecimento às farmácias. Aquele obstetra, contudo, nunca teve conhecimento de que alguma doente tenha chegado ao ponto de suspender a terapêutica. A substituição do medicamento é contra-indicada. O folheto informativo do Lovenox, aprovado pelo Infarmed em 28 de Abril de 2017, esclarece que «não deve ser utilizado alternadamente com outros medicamentos que pertencem ao grupo das heparinas de baixo peso molecular, devido aos medicamentos não serem exactamente iguais e não terem a mesma actividade e instruções de utilização».

A falta do Pradaxa também se tem feito sentir. Este medicamento, usado para prevenir a formação de coágulos sanguíneos, não tem nenhum genérico. As dosagens do Lovenox e do Pradaxa referidas na infografia fazem parte da lista de medicamentos cuja exportação depende de notificação prévia obrigatória ao Infarmed.

O coordenador de Cardiologia Clínica no Centro Cardiovascular do Hospital da Luz Lisboa, Daniel Ferreira, sabe que alguns doentes têm de percorrer várias farmácias até conseguir comprar o Pradaxa, mas está satisfeito por nenhum dos seus doentes ter interrompido a terapêutica. «Na medicação anticoagulante, qualquer suspensão pode ser potencialmente grave, fazendo aumentar muito os riscos de um fenómeno embólico ou trombo-embólico. Uma interrupção de um ou dois dias já pode ser grave», diz o também vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia.

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​«O Pradaxa, como outros anticoagulantes, é uma medicação crónica que tem de ser tomada diariamente, sem esquecimentos nem interrupções, ou as consequências podem ser graves», confirma José Ferreira Santos.  O director clínico do Hospital da Luz Setúbal reconhece que a ruptura de stocks ou a não disponibilidade na farmácia pode provocar que o doente interrompa a medicação. Da sua experiência, são comuns duas situações: os doentes mais preocupados antecipam a consulta, pedindo ajuda ao médico para resolver o problema; os doentes mais relaxados podem interromper a medicação até à próxima consulta. «Só nessa altura nos apercebemos que estiveram um determinado período sem fazer a medicação. Obviamente que isso nos preocupa», diz o médico, que é também secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Cardiologia.

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José Ferreira Santos, director clínico do Hospital da Luz Setúbal

A preocupação é o maior problema, mais do que o acréscimo de trabalho, os telefonemas ou a necessidade de outras consultas, clarifica Miguel Silva Mendes, director do Departamento de Cardiologia do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, que reúne os hospitais de Santa Cruz, de Egas Moniz e de S. Francisco Xavier. «A interrupção da antiagregação ou da anticoagulação por falta de medicação pode provocar acidentes graves e severos para aqueles doentes. É uma grande preocupação pessoal».

Embora o Pradaxa não tenha genérico, existem alternativas, quer para o Pradaxa, quer para o Lovenox, garante Daniel Ferreira. Não são exactamente a mesma molécula, mas são medicamentos que atingem o mesmo espectro terapêutico e fazem a prevenção do tromboembolismo.
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