Esta manhã já estive a nadar. Nadei só… 66 piscinas [risos]!». É com humor aguçado que João Barbosa se apresenta, logo aos primeiros minutos de conversa.
Aos 52 anos, o jornalista, natural de Lisboa, não perde uma oportunidade para rir e fazer rir quem o rodeia. «Se eu puder ajudar alguém a dar uma gargalhada, ótimo!».
Não é, nem nunca foi, um homem sombrio.«Sempre fui aquele que animava as festas, o que não impedia que me sentisse miserável por dentro».
O desassossego interior arrasta-se há 39 anos por culpa de um fardo que carrega: sofre de depressão crónica, desde os 13. «Alegria e felicidade não são a mesma coisa…», explica. A depressão é uma «fera» que não fecha os olhos.
«O humor é o bicho que vive em mim e faz o favor de me pôr um sorriso nos lábios, enquanto um outro [a depressão] me morde e afeta o ânimo».
Conta que, ao vasculhar textos do passado, escritos quando teria cerca de 14 anos, se deparou com palavras demasiado pesadas. «Foi possível identificar, já naquela idade, muita densidade e uma ideação da morte».Decidiu não recuar mais nas leituras.
A propensão genética também pesou. «Tenho casos de depressão na família, dos lados da minha mãe e do meu pai… A minha família não era inteiramente serena e funcional».
Mas João foi levando a vida em frente. É já na idade adulta que tem consciência da gravidade do seu estado de saúde. Num dia de maior azáfama, a fechar uma edição do jornal Diário Económico, teve um burnout. Contava 29 anos.
«Estávamos a fechar o jornal, e eu perguntei a um colega se, dentro de cinco minutos, tinha o texto pronto a entregar-me, ao que ele me respondeu negativamente. Ao ouvi-lo, e diante daquela contrariedade, fugi para a casa de banho e desatei a chorar. Foi um sinal de que as coisas não estavam bem».
No final de 2003, o fim de uma amizade, que acreditava ser para a vida, exponenciou aquele que já era um quadro de doença psiquiátrica. «Tinha essa pessoa como um irmão e, de repente, ele saiu da minha vida. Foi um grande choque emocional».
Fragmentado, e amarrado como numa teia, João tentou pôr fim à vida. «O depressivo não foge da vida, foge da dor».
Porém, ainda que os pensamentos suicidas não lhe dessem descanso, fez a mais importante das escolhas: salvar-se. «Aceitar o diagnóstico é fundamental, e eu aceitei».
Desde cedo, João recusou isolar-se. Gosta de passear pelas ruas de Lisboa e conviver com amigos
Começou a fazer psicanálise e, desde então, cumpre sessões regulares, que reconhece serem fundamentais para o seu bem-estar. A psicanálise ensinou-o a renascer. Hoje, tem oscilações de humor, momentos de tristeza, mas a depressão está controlada.
A depressão não é um estado de alma ou uma escolha estouvada. É «uma doença invisível», afiança o jornalista. «Combater a depressão é uma superação permanente. Há intervalos, mas é uma questão permanente».
Com o apoio de medicação e acompanhado por um psiquiatra, fez conquistas que lhe pareciam inatingíveis: hoje consegue gerir melhor as emoções e as contrariedades, e, acima de tudo, distanciar-se do negrume em que outrora vivia.
«Atualmente, o meu estado é de tranquilidade. O bicho está cá... se falho a medicação, ele morde. É uma doença como as outras, também tem uma dinâmica que se esbate com a medicação, e isso é positivo».
Tem recusado o isolamento e a inércia ao longo do percurso. Duas a três vezes por semana, desloca-se às instalações da INATEL, em Alvalade, para praticar natação. «Comecei a nadar aos cinco anos. Antes de ter noção de que tinha uma depressão, já nadava», revela, indicando que pratica o desporto para se sentir bem.
«O depressivo que se fecha em casa, às escuras, não representa a maioria dos doentes»
Nas diferentes etapas da doença, umas mais críticas do que outras, nunca caiu em sedentarismo. Licenciou-se em História, mas foi no jornalismo que veio a distinguir-se em jornais de referência nacional. Passou pelas redações do “Diário Económico”, de “O Jornal”, de “A Capital”, e por uma produtora televisiva.
O gosto pela escrita, embora prefira televisão, continua a marcar o seu dia a dia: trabalha, agora, em regime freelancer. «Gosto de trabalhar em casa, permite-me estar concentrado… Sou dono e senhor do meu tempo».
João assume-se como alguém multifacetado: é autor do blogue “infotocopiavel.blog- spot.com”, apaixonado por poesia, e conhecedor de vinhos, tendo inclusive publicado um livro sobre o tema, em 2011, intitulado “Grande Reserva”.
«Existe a ideia de que o depressivo é aquele que está fechado em casa, sem capacidade para trabalhar. Isso é um mito. Haverá depressivos que são funcionais e os que não o são».
Com o objetivo de desmistificar este e tantos outros mitos associados à depressão, João Barbosa escreveu, em outubro de 2021, “A Esperança É Mesmo o Farol", um livro em que conta, na primeira pessoa, como é viver e conviver com a depressão. «O meu editor desafiou-me a dar o meu testemunho. Diria que este não é um livro de autoajuda, embora espere ― assumo ― que possa ajudar alguém!», diz, a rir, revelando mais uma vez o humor que lhe é característico.
Na sua história de trevas, confessa que a esperança é a luz que sempre o manteve vivo. Foi a semente certa. «Todos os dias ia dizendo para mim: «Hei de vencer este bicho! Fui vivendo na esperança de, um dia, poder voltar a ter esperança. Tenho uma mulher, um filho e amigos fantásticos, que têm sabido transmitir-me essa tranquilidade, e aí, também aí, há uma renovação deste sentimento».
Por agora, João Barbosa tem um só desejo: «quero continuar a apreciar o sentimento de esperança».