Política de utilização de Cookies em Revista Saúda Este website utiliza cookies que asseguram funcionalidades para uma melhor navegação.
Ao continuar a navegar, está a concordar com a utilização de cookies e com os novos termos e condições de privacidade.
Aceitar
4 julho 2024
Texto de Teresa Oliveira | WL Partners Texto de Teresa Oliveira | WL Partners Fotografia de Ricardo Castelo Fotografia de Ricardo Castelo Vídeo de Nuno Santos Vídeo de Nuno Santos

Continuar a comunicar

​​​​​​​​Aos 39 anos, um AVC deixou Mónica sem falar. Passados 15 anos, a afasia não lhe retirou a capacidade de comunicar bem.​

Tags
Mónica Barroso sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) aos 39 anos. Sobreviveu à doença que, segundo os dados mais recentes, é a principal causa de morte em Portugal, mas ficou com sequelas graves. Quando saiu do hospital, não conseguia falar, controlar a mão direita e tinha dificuldade em movimentar a perna do mesmo lado do corpo. A vida acabara de pregar uma terrível rasteira à mãe de uma menina com cinco anos e professora universitária.

​O objetivo de Mónica é preservar a sua autonomia

Passados 15 anos, caminha com a ajuda de uma bengala e continua a não poder contar com a mão direita, mas já consegue comunicar por palavras. O AVC deixou-a com afasia (uma perturbação que afeta a linguagem falada e escrita), mas a sua progressão foi notável porque a doença deixou-a com «zero vírgula zero» de capacidade de falar, repete. Para quem não a conhece, Mónica, alta e de olhos azuis, pode passar por uma mulher estrangeira que está a aprender português.


«Faço tudo sozinha, tudo, tudo», diz Mónica

«Foi horrível. Não sabe o que é. Eu era professora!», recorda. Para a filha «foi, também, um choque», apesar de a menina ter reagido mais tranquilamente. Ficou «muito calma», conta. «Ela percebeu, “a mamã não fala”, acabou». Nos primeiros três anos a seguir ao AVC o pilar de Mónica foram os pais, diz. A filha também teve um papel muito importante, pois o esforço que fazia a tentar comunicar com a menina foi um grande estímulo para a progressão na fala. «Ela começou a escrever na escola e não era fácil porque eu queria ajudar. Mas eu não conseguia falar, não é? Eu sabia os erros, mas não era fácil falar», lembra. Foram tempos importantes «porque crescemos em equipa».

À medida que o tempo ia passando, a filha compreendia cada vez melhor o que a mãe queria dizer, muitas vezes sem ser preciso falar. «Filha e mãe é diferente», observa. Muitas vezes a filha fez de intérprete da mãe, quando Mónica estava à procura de uma palavra. «Muitas vezes eu estava…», diz, fazendo um gesto de quem está a hesitar, seguido de um estalar de dedos: «A palavra. Ela sabia [a que queria dizer]».


É muito realista em relação às suas capacidades e foca-se no que consegue fazer

Ao fim três anos e de melhorias muito significativas na comunicação, os pais de Mónica regressaram à casa deles. Hoje, vive sozinha. É muito pragmática em relação ao que consegue fazer, não se flagela com as dificuldades ou mesmo o impossível de alcançar. Tornou-se mestra em arranjar truques para ultrapassar obstáculos. «Eu sei que não posso, mas não estou a pensar [nisso]», afirma. Foca-se no que consegue fazer. «Andar não é fácil, mas ando de carro sozinha, faço tudo sozinha, tudo, tudo!». Passa a roupa a ferro, faz as compras da casa, veste-se só com uma mão e realiza outras atividades do dia a dia, como tratar de assuntos nas Finanças. Calçada com sapatilhas, mostra a forma como consegue segurar os atacadores no sítio. Usa uma peça com uma mola, que os prende, e dá um laço com a mão – só olhando diretamente para os atacadores se percebe que não tem os sapatos atados com os laços habituais. A rir, só assume uma dificuldade: descascar laranjas, porque gosta muito de laranjas. «Corto assim», explica – fazendo ao mesmo tempo o gesto de as partir e comer como se fossem melancia – «e já está!». A boa-disposição é permanente.

Reunião de grupo no Instituto Português da Afasia. Todos aprendem com todos


Oito anos depois do AVC, a mãe de Mónica descobriu o Instituto Português da Afasia (IPA), na Internet. Mónica faz o sinal de uma explosão e exclama «abriu!». Uma ótima novidade tinha entrado na sua vida. No IPA teve, finalmente, a felicidade de encontrar um local onde a sua condição não era estranha. «É tudo diferente. E porquê? Nós todos somos pessoas com afasia», explica «o barco é um só» e cada um ajuda outros com as capacidades que tem, porque a afasia não é igual para todos. «Um não sabe escrever, literalmente, mas sabe falar. Ou outra mais ou menos», mas em grupo progridem todos. «É giro porque nunca fomos amigos», reflete, mas «há uma coisa [a afasia] que nos une». Foi o IPA que os juntou. Mónica é hoje a embaixadora deste instituto e passa a mensagem mais importante: o que interessa «não é falar bem, é comunicar bem. Comunicar é a chave», realça.
 ​
A esmagadora maioria das pessoas com quem se cruza percebe as suas necessidades. Em «duas, três vezes em 15 anos» passou por situações desagradáveis, com pessoas que não perceberam o que queria dizer e reagiram mal. Estes incómodos não a travam, pelo contrário, incentivam-na a trabalhar para que a afasia seja uma condição mais conhecida. Junho é o mês da consciencialização da afasia. Se uma das pessoas que a marcou, por ser desagradável, soubesse o que era a afasia teria agido de forma diferente, acredita. Além do trabalho que faz no IPA – e para o IPA – Mónica vai construindo a sua própria divulgação. «Vou às Finanças e explico “tive AVC não [me] é fácil falar”». Usa estratégias que antes não tinha e aprendeu no IPA. «Coisas pequeninas, que já usei muitas vezes», por exemplo, contar com a ajuda das pessoas com que está a falar para decifrarem a palavra que lhe está a escapar ou escrevendo o que lhe está a ser difícil pronunciar. O telemóvel, onde tem uma lista das palavras mais difíceis, «ajuda muito».


É Mónica quem faz o desenho da newsletter do Instituto Português da Afasia

Como tem dificuldade em falar quando há muito barulho, aprendeu a pedir para «baixar o volume». Mónica diz que fala «mais ou menos», mas lembra que há pessoas com afasia que falam «zero. É “sim, não, olá”». Para estes casos, a comunicação faz-se através de cartões com palavras ou desenhos. «Adoro», exclama, realçando a importância de associações como o IPA, que não existiam quando sofreu o AVC, para dar um acompanhamento mais completo às pessoas com afasia.

No seu caso, o Instituto Português da Afasia foi o terreno que lhe permitiu desenvolver as capacidades para alcançar o seu objetivo. «Queria, e quero, fazer tudo sozinha», diz, determinada. Apesar de saber que precisa de ajuda para realizar determinadas atividades, não gosta de pensar «não posso», tenta não depender dos outros. E afirma que nunca teve receio de se exprimir como foi podendo, porque a afasia «não é vergonha» nenhuma. Por isso, passa um recado às pessoas que passam pelo que passou. «[Digo-lhes] para não desistir» porque «vale a pena, a sério. É diferente, mas vale a pena. Tudo».

 
Notícias relacionadas