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12 outubro 2020
Texto de Vera Pimenta Texto de Vera Pimenta Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

Cidade de açúcar e sal

​​​​Aveiro das salinas, dos moliceiros e dos ovos moles.
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De pés descalços, cobertos de sal, o marnoto manuseia com engenho a alfaia de madeira. Serenamente, com a passada de quem não conhece pressa que abale a sua arte, avança de tabuleiro em tabuleiro. Remexe as águas, quebra e puxa o sal. O sol vai alto. E um dia típico de Verão na Marina da Troncalhada. A pele bronzeada do tempo traça o percurso de gerações e gerações de homens que à cabeça carregaram a canastra da história de Aveiro e, lá dentro, o sal.

Vista da ria, a paisagem geométrica das salinas, salpicada de branco, tem outro encanto. Mais ainda embalada por uma viagem de moliceiro com passagem por alguns dos imperdíveis pontos da cidade. Nos canais onde a água doce do rio Vouga encontra a salgada água do mar, serpenteiam barcos de todas as cores carregados de turistas, ávidos de ouvir os contos escondidos nas margens da ria.


Os moliceiros eram barcos familiares, usados para a apanha do moliço

Noutros tempos, os moliceiros eram barcos familiares, usados para a apanha do moliço. O “Marnoto”, operado pela empresa Cale do Oiro, e um deles. Uma embarcação com mais de 25 anos, que mantém as decorações originais. Durante o passeio, os operadores explicam como as ilustrações floridas que o adornam substituíam as flores reais, pouco resistentes para serem usadas como ornamento.

«Os city boats são como autocarros que permitem movimentar-se pelos canais urbanos» descreve o vereador Luís Miguel Filipe, ao som da familiar buzina que anuncia a aproximação de mais um barco. E recorda ainda que Aveiro foi a primeira cidade portuguesa a disponibilizar dezenas de bicicletas gratuitas pela cidade. Hoje, é com recurso a essas BUGA que aveirenses e turistas passeiam pelas planas avenidas e ruelas que ladeiam a ria.


O enfermeiro Ricardo Correia de Matos é um aveirense apaixonado pela sua cidade

Na margem esquerda do rio, distintas fachadas dos edifícios de Arte Nova decoram as ruas do típico bairro da Beira-Mar, berço do clube de futebol com o mesmo nome. O enfermeiro Ricardo Correia de Matos, aveirense orgulhoso e um eterno apaixonado pela cidade, confessa que esta é uma das suas zonas favoritas.


Aveiro tem dezenas de fachadas de Arte Nova espalhadas pela cidade

Hoje repleto de pequeno comércio, restaurantes e bares, a antiguidade e a modernidade cruzam-se nas vibrantes ruas de casas coloridas, daquele que é um dos bairros mais emblemáticos da cidade. A visita é obrigatória, a começar pelo mercado do peixe e pelos famosos palheiros, onde antigamente se armazenavam o sal e os instrumentos de pesca.

Num dos recantos do Beira-Mar, esconde-se um segredo guardado pelos locais, que Ricardo conhece bem. Há cerca de 130 anos, numa anónima garagem da Rua Dom Jorge de Lencastre, caixas de ovos moles feitas por simpáticas senhoras começaram a estar disponíveis ao toque da campainha. Ovos, água e açúcar, cozinhados em tachos de cobre que vão a fornos de lenha, e trabalhados manualmente ao longo de três dias, renasciam, cobertos de hóstia, na forma do mais famoso doce conventual da região.


A M1882 é a produtora de ovos moles mais antiga da cidade

A “garagem das velhinhas”, hoje conhecida como M1882, é a produtora mais antiga de Aveiro. A receita, nascida pelas mãos das freiras do Convento de Jesus, é a mesma há mais de 500 anos. O produto é certificado e o gosto pela tradição é o único ingrediente impossível de imitar.

«Ainda hoje temos pessoas a tocar a mesma campainha», garante Andreia Felizardo. E as preces são atendidas. Aos que provam pela primeira vez, a doceira de 36 anos aconselha juntar o ovo mole ao café. E esclarece: «As gemas não estão cruas, como alguns pensam. O ovo mole está cozinhado e tem o ponto de açúcar, que deixa um toquezinho agradável a caramelo no paladar».

Mas os encantos de Aveiro não ficam por aqui. «Temos a Capela de São Gonçalinho, que para além de ser muito bonita, tem uma história engraçada», destaca Ricardo. A cada ano, milhares de pessoas enchem as ruas para participar na caricata Festa das Cavacas. «A tradição é subir a igreja, atirar uma cavaca para o chão e pedir um desejo». Do céu caem pequenos bolos secos abençoados, que são então recolhidos pelos devotos e guardados em casa. «No ano seguinte, voltamos a atirar a cavaca e esperamos que o desejo se realize», remata o enfermeiro de 38 anos.

Actualmente a exercer funções enquanto presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros, foi na freguesia de Águeda que Ricardo passou grande parte da sua vida. «Já vi muitas cidades e esta continua a ser a minha favorita», conta o enfermeiro, afirmando que Aveiro oferece uma excelente qualidade de vida não só pelo clima, mas também pelas pessoas, a cultura e a gastronomia.


Os aveirenses aproveitam os passadiços da cidade para praticar desporto e passear

«A quem nos visite pela primeira vez, recomendo a experiência de viver como um verdadeiro aveirense», convida Ricardo. A começar pela história, tão bem concentrada na margem direita da ria, no antigo Convento de Jesus, transformado no intemporal Museu de Aveiro.


O túmulo de Santa Joana Princesa, instalado no Museu de Aveiro, é local de devoção

«Este é um museu centenário, que definiu o que é Aveiro e o que somos como aveirenses, desde o seculo XV», explica o director, José António Cristo. Um labirinto de cultura, onde os visitantes se perdem em esculturas, quadros, talhas e azulejos que, em conjunto, pintam a história da cidade. Além da exposição permanente, é de não perder a área monumental, com o imponente túmulo de Santa Joana Princesa, que, até hoje, é lugar de devoção e admiração pela padroeira da cidade.


Os coloridos antigos palheiros da Costa Nova são paragem obrigatória para quem visita a região

Para os fãs do pé na areia, da ria ao mar são dois passos. Na praia da Barra, o Farol de Aveiro ergue-se orgulhosamente com a distinção de maior da Península Ibérica. A seu lado, as casas listradas de todas as cores desfilam na Costa Nova, guardiãs da memória dos seus antepassados.

Ao pôr-do-sol, as esplanadas perdem-se em conversas com vista para a ria. Ao som do buzinar dos moliceiros, comem-se ovos moles recheados de história. Na cidade dos belos canais, ser aveirense é ser português, com um toque de açúcar e sal.

 

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