Farmácia Central: Acompanhamento diário
Dificilmente o senhor Álvaro sairia mais satisfeito da visita desta tarde à Farmácia Central, no Cacém. No gabinete de atendimento personalizado, de sorriso aberto, a doutora Anita só lhe deu boas notícias. «A sua glicémia está óptima», indicou-lhe a farmacêutica. Os restantes parâmetros bioquímicos tiveram semelhantes resultados: os triglicéridos, o colesterol. «Está a melhorar, não está, doutora?», perguntou, bem-disposto, para confirmar.
As boas notícias não ficaram por aqui: a massa gorda diminuiu, aumentou a muscular. Aos 70 anos, estas indicações são preciosas para Álvaro Figueiredo. «Sou diabético e é muito importante ir controlando tudo, pelo menos, uma vez por mês», confidencia.
Não é que seja um paciente difícil. Toma toda a medicação indicada, faz caminhadas e ginástica, em dias alternados, como lhe indicaram na farmácia. «Aqui sou muito bem informado e aconselhado sobre os cuidados que devo ter». Incluindo no que diz respeito à alimentação. Aprendeu a fazer seis refeições por dia, a beber bastante água. E, além da diabetes, é importante controlar a ansiedade e a pressão arterial elevada. Mazelas que lhe ficaram dos tempos em que chegava a fumar «80 cigarros por dia». «E já deixei o tabaco há 31 anos!», orgulha-se.
A verdade é que, hoje, o senhor Álvaro sente-se bastante melhor que na sua primeira visita, há vários meses. É esse, precisamente, o objectivo do projecto de Implementação de Cuidados Farmacêuticos em que o septuagenário participou, que arrancou em Janeiro de 2015 na Farmácia Central, estendendo-se, para avaliação, até final de Junho do mesmo ano.
Utente desta farmácia há 30 anos, cumpria todos os requisitos para participar no projecto: tinha pelo menos três patologias, tomava vários tipos de medicamentos e visitava a farmácia com frequência. Quando o convidaram, sentiu toda a confiança para aceitar. Tornava-se um dos 105 “embaixadores” dos cuidados farmacêuticos personalizados do Cacém, como lhes chama Luís Lourenço, o director técnico da farmácia a implementar o projecto, e um dos 70 a ter completado já o programa de três visitas previsto. «Continuei porque gostei. É importante para a minha saúde», explica.
A média de idades dos participantes está acima dos 65 anos; e a diabetes é uma das doenças mais reportadas pelos participantes, a par da pressão arterial elevada, da dislipidemia, a doença pulmonar obstrutiva crónica e a asma.
Logo na primeira visita, em que os pacientes são atendidos em dois gabinetes personalizados, os farmacêuticos conseguiram dados surpreendentes: 56% doentes asmáticos assumiram não aderir à terapêutica. «Muitas vezes, as pessoas não sabem exactamente como utilizar os dispositivos, os inaladores, os nebulizadores», explica Luís Lourenço, que coordenou o estudo.
Pessoas com outras patologias também não aderiam à terapêutica. Aliás, 27 dos utentes revelaram, pura e simplesmente, não continuar a tomar a medicação – e alterar esta realidade foi um dos melhores resultados obtidos pelo projecto de cuidados personalizados. No final das três visitas, e após aconselhamento, a adesão era já de 81%.
Também os resultados dos parâmetros bioquímicos e fisiológicos melhoram. «A obesidade era um problema», comenta a farmacêutica Anita Silva, uma dos cinco profissionais da Farmácia Central a realizar este trabalho, referindo-se aos triglicéridos. «Tínhamos pessoas que apenas faziam duas refeições por dia». Estes hábitos mudaram com a intervenção dos farmacêuticos. E os benefícios na saúde sentidos pelos utentes fizeram com que mantivessem as visitas.
«Agora, venho em Março», anuncia, antes de se despedir, com ar satisfeito o senhor Álvaro, saindo pela porta do gabinete branco, com um design clean e simples, e contornando os bonsais expostos em pequenos escaparates na Farmácia Central.
Rosa, a farmácia dos afectos
Esta história começa em 1958, ano em que o doutor Correia Rosa, farmacêutico amado nas Caldas da Rainha, decidiu criar o seu segundo projecto na periferia da cidade. Nascia a Farmácia Rosa, que se tornaria a única nas Caldas da Rainha a produzir medicamentos manipulados. «Quando alguém queria um remédio, e não encontrava, era sempre aconselhado a vir aqui. “A Farmácia Rosa deve ter”, diziam», conta Ana Catarina Afonso, a directora técnica.
Passaram 92 anos. A cidade cresceu, rodeou a Rosa, e os serviços de que a farmácia dispõe cresceram também. Continua a dispor de manipulados, que manda fazer numa farmácia do Porto, para responder às expectativas dos pacientes. E passou a responder a outras necessidades: todas as quartas, há osteopatia, pelas mãos de Paulo, o «senhor dos milagres» que chegou há quase dois anos. De duas em duas semanas, também às quartas, há aconselhamento de podologia e, às quintas-feiras, de nutrição.
Pelo meio, a Farmácia Rosa viveu a sua história, sempre à frente do seu tempo. Em 1991, tornava-se uma das primeiras do país ter sistema informático e, em 2008, um robô para sistematizar a dispensa farmacêutica.
O “Zézinho”, como é ainda chamado por quem acorre à farmácia em busca dos seus conselhos, o senhor “Zé” Manel, como o tratam os colegas, conhece bem esta história. Tinha apenas 13 anos, um de trabalho árduo «a acartar móveis» quando o doutor Rosa acedeu ao pedido da sua tia para lhe dar ocupação. «Disse-lhe que eu era muito fraquinho para carregar os móveis e, assim que houve oportunidade, ele chamou-me», recorda.
Demoraria anos a chegar ao balcão da farmácia. Começou a «lavar dez frascos por dia», que vinham do «esterqueiro da câmara». «Tínhamos de os pôr a brilhar. E não usávamos produtos, eram muito bem batidos com areia e água», lembra. Passou a fazer «paulatinamente, os pacotes com burato de sódio, tintura de iodo». Depois, manipulados. As contas, todas à mão. Chegou a informatização, o robô, os novos serviços. «Pesei muitos miúdos. E agora peso os filhos», orgulha-se, aos 61 anos.
Mas há outras contas. «Fiar quando as pessoas não podiam comprar os medicamentos e tinham de pagar ao mês ou ao ano». «Hoje», sente, é essa confiança que continua a trazer os antigos utentes à Farmácia Rosa.

Zé Loureiro, de 54 anos, entrou na história da farmácia de forma semelhante, tinha então apenas 14 anos. Lavou frascos, preparou pacotes, fez recados. Lembra-se de quando tudo era «avulso e os medicamentos eram pesados». Apenas cinco anos depois começou a servir ao balcão. Desde então, assevera, «mudou tudo na farmácia» menos uma coisa: «Além da confiança, a amizade».
Catarina Tacanho, neta do doutor Rosa, comanda hoje o destino deste espaço de saúde. E terá herdado do avô o espírito «visionário». Implementou os serviços de aconselhamento: há o aconselhamento farmacêutico, de dermocosmética e de audiologia; investe em actividades de promoção da saúde, como o Mês dos Afectos, em parceria com a Administração Regional de Saúde; caminhadas em Maio, que chegam a juntar em convívio 300 pessoas, e cuja receita reverte para uma instituição de solidariedade social, as entregas ao domicílio. A lista de serviços é quase interminável.
E inclui um serviço público tão importante como a presença na comunidade. Frequentemente, os profissionais da farmácia deslocam-se às escolas do primeiro ciclo da região para dar formação para a saúde. «Vamos falar sobre piolhos», conta Ana Catarina Afonso. «Ensinamos que nem tudo é para partilhar», descreve.
Também se organizam formações sobre obesidade, vacinação ou diabetes infantil.
A ideia é servir a população. Como acontece com o senhor Francisco, que vem à Rosa desde 2013. Entrega os pés «à doutora Ana Carolina», com toda a confiança. Outro paciente espreita pela porta, antes do tratamento. E brinca: «Isso é que é vida, hein?». Pergunta pelo senhor Zé Manel. Quer ser atendido pelo Zézinho da Farmácia Rosa.