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1 agosto 2025
Texto de Teresa Oliveira | WL Partners Texto de Teresa Oliveira | WL Partners Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

A força de um legado

A Farmácia Carapeta & Irmão faz parte da vida de Estremoz vai para 130 anos. Mais do que um negócio, ergueu-se um legado familiar, feito de dedicação, proximidade e serviço à comunidade.

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​​Há 127 anos que a Farmácia Carapeta & Irmão acompanha gerações no Rossio Marquês de Pombal, em Estremoz, considerada a maior praça de Portugal, zona onde decorre o mercado tradicional e uma conhecida feira de antiguidades e velharias, rodeada por comércio e história. Fundada por João Silveira Carapeta, que mais tarde se associaria ao irmão Wenceslau Silveira Carapeta, a farmácia abriu portas a 1 de janeiro de 1898, num espaço que anteriormente fora uma adega, segundo vestígios descobertos durante obras de remodelação nos anos 90. A instalação não foi isenta de desafios: «Foi preciso baixar o chão porque os móveis não cabiam», conta Maria Leopoldina Carapeta, antiga diretora técnica. Esses mesmos móveis imponentes ainda podem ser vistos numa sala anexa, junto de muitos objetos utilizados na prática diária da farmácia ao longo de décadas.

Cliente da farmácia, a relação de Hernâni Matos com os Carapeta é longa. Destas décadas em comum, considera que tem «um certo orgulho» por a farmácia se ter mantido sempre na propriedade da família. Sobre o amigo Vítor Carapeta, sobrinho-neto do fundador e marido de Maria Leopoldina, já falecido, recorda-o como «uma pessoa muito respeitável, impecavelmente vestido, exigente, às vezes um pouco austero», com quem sempre manteve uma boa relação. «Respeitávamos as diferenças um do outro, mesmo no campo ideológico».

Paula Carapeta e Sá, atual diretora técnica e representante da quarta geração da família (filha de Vítor e Maria Leopoldina), partilha o esse mesmo sentimento de orgulho no legado familiar. Embora inicialmente inclinada para a genética, a sucessão à frente deste património da família impôs-se naturalmente. «Sou a mais nova de três irmãos, mas nem o meu irmão nem a minha irmã quiseram seguir Ciências Farmacêuticas», conta, «e acabei por tomar essa decisão». Hoje, sente que fez a escolha certa: «Valeu a pena. É um legado, essa é a componente mais forte».


A farmácia tem-se modernizado e brevemente terá um robô para apoiar a dispensa de medicamentos

«Vim para aqui com oito dias de vida, passar as semanas inteiras de serviço com os meus pais e fiquei com eles até ter um ou dois aninhos». Para que a bebé não acordasse, abafavam a campainha da porta com algodão. Da infância, lembra as brincadeiras com os irmãos e a transformação das embalagens de medicamentos vazias em blocos de construção, bem como os Natais passados na farmácia, sempre que calhava ser esta a estar de serviço. «Vivemos muito, muito a farmácia».

A sua mãe, Maria Leopoldina, natural de Trás-os-Montes, conheceu Vítor Carapeta no primeiro ano do curso na Universidade do Porto. Casaram-se três anos depois e mudaram-se para Estremoz, dando continuidade ao espaço fundado pelo tio-avô de Vítor e onde trabalhava o seu pai, como ajudante técnico. Ficou 53 anos ao balcão, percurso que só a COVID-19 interrompeu. «Aqui na farmácia, nessa altura, éramos eu, o meu marido e mais dois colaboradores. Funcionávamos como uma família, já que os empregados sempre foram tratados como tal», recorda. O marido, conta entre risos, preferia a parte científica e não morria de amores pelo atendimento: «Eu até lhe agradecia, porque às vezes ele até espantava os clientes». O perfil de Paula, pelo contrário, tranquiliza a mãe: «Felizmente, ela tem um bocadinho do meu feitio e dá-se muito bem com as pessoas mais velhas. Tem jeito para os velhotes».

Paulo Jorge Cóias ocupou durante 37 anos o posto de ajudante técnico na Farmácia Carapeta & Irmão, até ter de se reformar por uma questão de saúde. Ali entrou com apenas 16 anos: «era muito novinho e, talvez por isso, os meus patrões traziam-me o lanchinho, que era sempre uma coisa agradável», lembra. Dos seus anos ao balcão, Paulo Cóias também destaca a importância de um bom atendimento. «Do ponto de vista psicológico, os farmacêuticos ou técnicos de farmácia, por vezes, têm uma relação mais íntima com os utentes do que o próprio médico», afirma. E lembra como isso faz a diferença: «Ajudam a pessoa a sair melhor, com outra cara». Ainda que os processos estejam hoje informatizados, considera que nem sempre vieram acelerar o atendimento, não facilitando essa relação de proximidade. Em breve, a farmácia contará com um robô que permitirá aceder aos medicamentos sem abandonar o posto de trabalho, o que libertará mais tempo para o atendimento.


Hernâni Matos e Paulo Cóias são tratados como família​ na Farmácia Carapeta & Irmão.


Entre os muitos objetos curiosos que existem na Farmácia Carapeta & Irmão, destaca-se uma máscara funerária de Camilo Castelo Branco, usada em tempos como cofre. «Na altura não havia cofres e havia pouco dinheiro», conta Maria Leopoldina. «Ao fim do dia levantávamos a máscara e guardávamos lá dentro o que tínhamos». A ligação com o famoso escritor lisboeta remonta ao fundador, João Silveira Carapeta, que trocava correspondência com Camilo. «Temos todas as obras dele e encontrámos uma folha dentro de um livro que pensamos ser um conto manuscrito pelo próprio Camilo Castelo Branco», revela.

Das suas cinco décadas de atividade na farmácia, só recorda uma fase mais conturbada: «Tivemos alguns dissabores depois do 25 de Abril. Davam pontapés nas portas, ameaçavam-nos porque estavam convencidos de que… não era que fossemos ricos, pensavam era que não fossemos democratas». Recorda que havia «uns que julgavam que éramos daquilo que eles eram, e outros que achavam o contrário», mas nada que tivesse impedido a família Carapeta de continuar a prestar o seu serviço à comunidade.


A farmácia está na mesma família há quatro gerações, sendo um pilar no apoio à população

«Fizemos sempre a nossa vida com democracia». E sempre ajudaram quem mais precisava, pois «havia gente muito pobre naquela altura, muito pobre». Arcos, uma aldeia a seis quilómetros de Estremoz, onde continua a ir um funcionário três vezes por semana. «Lá nos Arcos havia famílias com imensas dificuldades, que eu muitas vezes auxiliava pessoalmente, deixando-as dar o que pudessem. E quando às vezes via mesmo que elas não podiam pagar, eu contribuía». Quando essas pessoas iam ao posto e perguntavam: «"Mas quanto devo?" eu respondia que já não deviam nada».

Em bem mais de um século de existência, a Farmácia Carapeta & Irmão jamais deixou de resistir, mesmo em tempos mais tensos. «Continuámos sempre, nunca houve problemas», remata Maria Leopoldina.​​​