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5 setembro 2022
Texto de Sónia Balasteiro Texto de Sónia Balasteiro Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro Vídeo de João Lopes Vídeo de João Lopes

«Ainda estou a crescer»

​Miguel Araújo p​​​​​​assou a vida a escrever canções, mas teve de esquecer o público para vencer o terror do microfone.​

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​Como foi conhecer o Bryan Adams?
Foi espetacular, porque é um herói musical da minha infância. Nem sequer é da adolescência, é da infância mais remota. Foi a minha primeira paixão musical, quando tinha seis, sete anos. Fiquei ainda com mais admiração por ele como pessoa. É um cavalheiro, foi muito simpático com toda a gente. Uma verdadeira lição.

Como descobriu a música dele, tão pequenino?
Na altura, a música que passava na televisão era muito fácil de absorver, porque só havia um canal e meio de televisão, a RTP1, e a RTP2, à tarde. A RTP passava muitos videoclipes. Por alguma razão, as músicas do Bryan Adams suscitavam o meu interesse. Não sei se era a melodia, a atitude dele, a maneira como ele tocava guitarra. Tudo me fascinava. A primeira vez que arrebitei a orelha, no sentido de achar a guitarra um instrumento fascinante, foi com ele.

Havia um ambiente musical em sua casa?
Em minha casa mesmo, com o meu pai, a minha mãe e a minha irmã, nem por isso. Mas os meus tios têm uma ligação muito forte à música, principalmente rock. Têm uma banda amadora, já tinham quando eu era muito criança. Isso talvez tenha tido influência no meu interesse, porque passava o tempo todo na casa da minha avó, onde eles ensaiavam.

Quis logo cantar ou a guitarra e o baixo surgiram antes?
Sem dúvida, o baixo e a guitarra, cantar nem pensar. Só me tornei cantor em 2012, aos 34 anos. Sempre fugi do microfone. Mesmo quando tocava, e depois profissionalmente, nunca era o vocalista das bandas. Era o baixista ou o guitarrista. Nem nas bandas de liceu me passou pela cabeça cantar, tinha terror a isso.


Ser generoso com o público é esquecê-lo em palco: «Olhar para a guitarra e tocar o melhor que posso»

Ainda se sente nervoso antes de subir ao palco? Venceu a timidez?
[risos] A timidez não se vence, mas convive-se com ela. E eu não venci, mas convivo, e já não fico nada nervoso em ir para o palco. É dos sítios onde estou mais à vontade, aliás. Mais do que no backstage ou depois, no fim, com os fãs, no meet and greet. Há uma coisa muito engraçada que o guitarrista dos AC/DC disse e com a qual me identifico. Perguntaram-lhe se ainda gostava de dar concertos, e ele disse: «São as únicas duas horas do dia em que ninguém me chateia» [risos]. É mais ou menos isso, são aquelas duas horinhas em que uma pessoa está concentrada, não há distrações, nada. Nos primeiros anos, era uma necessidade da qual não podia fugir, mas não achava que fosse bom nisso. E nem era, porque estava tão nervoso que não conseguia prestar um bom serviço. Agora, é ao contrário, já sinto que canto e toco melhor do que se estivesse em casa. É uma conquista recente, dos últimos cinco anos.

Mas aconteceu alguma coisa ou foi a experiência?
A habituação, sim. É um bocado paradoxal, mas o maior respeito que se pode ter pelas pessoas que estão a ver o concerto é não lhes prestar atenção, esquecer-me de que estão lá, porque assim dou o meu máximo. Eu estava muito preocupado, sempre a pensar no que podia fazer para ir ao encontro do que as pessoas esperavam. Percebi que o ideal é precisamente o contrário, é estar-me a borrifar para quem lá está, olhar para a guitarra e tocar o melhor que posso. Isso sim, é ser generoso com o público.


Miguel Araújo adora compor músicas e escrever letras. «Esse é o lado da música que sempre me fascinou mais», diz

É um cantautor. Como funciona a escrita das canções?
Esse é o lado da música que sempre me fascinou mais. Desde pequenino, ia ver aos CD quem tinha feito as músicas. Os que não faziam nem entravam na minha consideração. O Mark Knopfler, dos Dire Straits, fazia e estava na lista dos meus heróis. Mas um Joe Cocker ou um Rod Stewart nem contavam. A autoria era o mais misterioso, incrível e fascinante. Desde essa altura, quis fazer as minhas próprias canções, não tanto para as cantar – não achava que fosse cantar algum dia – mas nem que fosse só para as meter na gaveta. De todas as coisas da vida, foi aquilo a que dediquei mais horas. A escrita continua a apaixonar-me mais do que tudo, mais do que ir para o palco, cantar, tocar, gravar.

Usa o dia a dia para escrever?
Toda a gente diz que sou um escritor do quotidiano e da vida simples, mas não participo muito no quotidiano, nunca participei. Sou uma pessoa mais melancólica e solitária. Muitas vezes, não vivi as coisas de que falo. Nunca fui de folias, de sair à noite. Nem era pessoa de grandes romances quando era miúdo, era tudo mais platónico. As canções dos outros, que tinham a janela aberta para a vida, permitiam-me chegar a esse lado a que não tinha acesso, por ser muito tímido, reservado. Já não sou tanto. 


Miguel Araújo escreveu uma música sobre a sua própria timidez. Chama-se "Talvez se Eu Dançasse"​​

Essa maior segurança já lhe permite escrever sobre coisas que vive?
Nos últimos seis, sete anos, comecei a escrever também sobre coisas da minha vida. Uma das minhas músicas recentes fala sobre essa timidez, a “Talvez se Eu Dançasse”. São coisas de que não falaria há dez anos. Além disso, a própria melodia ou o estilo da música parece trazer já a ideia. O “Pica do Sete”, aquela melodia meio italiana, parecia falar de uma cidade, de um amor inocente, meio felliniano

Fez 44 anos em julho. Como vive a passagem do tempo?
Para mim, a vida vai melhorando sempre, até em termos de saúde. Estou muito mais fino agora do que há dez, 15 ou 20 anos. Faço muito mais desporto e não fumo, coisa que fazia até 2015. Tenho uma vida muito mais regrada, até por causa dos miúdos. Acordo mais cedo e já não sou boémio. As minhas manhãs são para fazer desporto, seja nadar no mar, jogar ténis, correr. Quando sentir os dedos trôpegos ou a voz a falhar ou quiser jogar ténis e não conseguir, aí sim, vou ter pena. Acho que toco melhor agora do que há dez anos e canto muito melhor. Ainda estou a crescer e não a envelhecer [risos].

Em que está a trabalhar?
Num projeto que estou a adorar, e só posso adiantar o que é: fui convidado para escrever o álbum inteiro de uma pessoa e ser o produtor do disco. Já estamos na pré-produção e está a sair bastante bem.

O que tem previsto até ao final do ano?
Acabar esse disco, em setembro. E ainda há os concertos. Está a ser o ano em que estou a gostar mais de tocar ao vivo. Estava com saudades, porque foram dois anos de pandemia em que as pessoas não se podiam levantar da cadeira e tinham de estar com a máscara. Voltar à estrada em condições normais está a ser ótimo. Já não me lembro de me divertir tanto em concertos como agora.

 

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