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24 fevereiro 2020
Texto de Paulo Martins Texto de Paulo Martins

A máquina no tempo

​​​​​​​​O CEFAR já foi várias vezes pioneiro.

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A concluir o mestrado em Epidemiologia, Ana Paula Martins planeava dedicar-se à investigação, num departamento académico ou numa agência de regulação. No imediato, porém, descobriu uma terceira via. Apanhada de surpresa pelo convite de João Cordeiro e João Silveira, figuras históricas da Associação Nacional das Farmácias (ANF), aceitou o desafio de montar de raiz uma unidade científica sem paralelo na Europa, porque quase exclusivamente financiada pelo sector privado. Para dirigir o CEFAR, nascido Centro de Estudos de Farmacoepidemiologia, em Janeiro de 1994, precisaria de mobilizar uma equipa de «gente de mente aberta», como reconheceria posteriormente à revista Farmácia Portuguesa. Missão quase impossível, porque na época a massa crítica na área não abundava. Exigia-se formação. E a construção de pontes com outros pólos de conhecimento.


Nos idos de 1990, João Silveira caracterizou o CEFAR como o projecto estrategicamente mais importante para as farmácias

Emanação do CEDIME – Centro de Informação do Medicamento, o novo departamento da ANF revelou-se pioneiro no desenvolvimento de estudos de Farmacoepidemiologia. Assumindo-o como projecto da sua vida, a actual bastonária da Ordem dos Farmacêuticos dedicou 13 anos de carreira profissional ao CEFAR, que se estreou com um estudo sobre automedicação em populações rurais e urbanas.

A primeira directora cedo percebeu que o projecto beneficiaria não apenas farmacêuticos, mas também doentes, médicos, centros de investigação, indústria farmacêutica e o próprio Estado, cujas políticas necessitam de suporte técnico-científico. Para que isso acontecesse, teriam de ser satisfeitas duas condições: independência e agilidade na recolha de informação.

«Sempre tivemos liberdade total para produzir de maneira independente, cientificamente correcta. Nunca recebi orientação de ninguém da Direcção da ANF para apresentar os resultados de uma ou outra forma», garantiu Ana Paula Martins, citada no livro “Uma história das Farmácias”, que em 2015 assinalou o 40.º aniversário da Associação. Para reunir dados em tempo útil, o segundo pressuposto, a informatização das farmácias – que à época, já abrangia 1.500 – foi fundamental. Graças à colaboração dos farmacêuticos, montou-se um sistema sem paralelo, porque não se circunscreve a dados de prescrição: envolve o doente que adquire o medicamento.


Em 1998, no 5.º Congresso Nacional das Farmácias, o então presidente da ANF, João Cordeiro, elevou o departamento ao patamar político

Em 1998, no 5.º Congresso Nacional das Farmácias, o então presidente da ANF, João Cordeiro, elevou o departamento ao patamar político: «A caracterização epidemiológica do consumo de medicamentos assume particular importância como suporte à definição de estratégias para a promoção do seu uso racional». Estava dado o mote: o CEFAR reforçou o seu papel na produção de evidências científicas, oferecendo à ANF um instrumento para funcionar como parceira em áreas como a definição do modelo de remuneração das farmácias.

Dessa aposta emergiram estudos como “O valor das Farmácias – Rede de saúde de proximidade”, apresentado em 2009. Elaborado em conjunto com a Espírito Santo Research Sectorial, avaliou os benefícios económicos da campanha nacional “Controlar a diabetes está na sua mão”, que teve lugar dois anos antes, na rede de farmácias. O CEFAR estimou em 441 milhões de euros a poupança anual proporcionada pela intervenção farmacêutica, entre custos directos e indirectos.

Nesse final da primeira década do século, já o departamento estava a reposicionar-se. O título da notícia da Farmácia Portuguesa sobre a entrada de João Paulo Vaz para o lugar de Ana Paula Martins, em 2007, dizia tudo: “CEFAR em tempo de mudança”. Não se tratava – o próprio o assegurou então – de cortar com o passado, mas as alterações eram significativas. Mantendo o acrónimo, passou a designar-se Centro de Estudos e Avaliação em Saúde. Se, até então, 80 por cento da sua actividade era interna, o virar de página sinalizou uma perspectiva mais empresarial, centrada na prestação ao mercado de serviços na área da Farmacoeconomia, o que implicou o reforço dos recursos humanos.

Tratou-se de preencher uma lacuna: faltava informação sobre medicamentos na fase pós-comercialização. Através de estudos como o que em 2006 avaliou em 4,44 euros por medicamento o desperdício no ambulatório, susceptível de ser reduzido adequando a embalagem ao tempo de tratamento, ou o que mediu o pulso à quota de mercado dos genéricos entre os medicamentos comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS): de 2001 a 2014, ano em que atingiu 47,2%, a poupança representou 1,7 mil milhões de euros.


Directora executiva a partir de 2008, Suzete Costa aprofundou a prestação de serviços ao exterior

O CEFAR «deixou de ter como foco exclusivo o seu cliente interno». Eis como Suzete Costa, na obra citada, descreveu a consolidação da vertente de prestação de serviços. Directora executiva a partir de 2008, aprofundou as novas vias. Nessa altura, no painel que alimenta, voluntariamente, a base de dados, já participavam 2.000 farmácias, bem longe das 80 da lista inicial. Como contract research organization, o centro passou a trabalhar por encomenda, satisfazendo projectos concretos, e apetrechou-se para avançar em diversos campos.

Entrevistada pela revista institucional da ANF no início de 2009, Suzete Costa identificou áreas prioritárias, como a realização de estudos económico-financeiros das farmácias, a valorização das vertentes de Economia da Saúde e de Farmacoepidemiologia, matriz original do centro, a avaliação do impacto em saúde e o desenvolvimento do Observatório da Farmácia e da Política do Medicamento.

Da continuidade se fazia evolução, até porque já em 2008 o estudo “Valorização dos actos farmacêuticos em farmácias comunitárias”, elaborado pelo Centro de Estudos Aplicados da Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade Católica, em colaboração com o CEFAR, marcara pontos, ao quantificar pela primeira vez o volume e o valor económico de diversos actos farmacêuticos, como a dispensa de medicamentos, o aconselhamento a doentes e a realização de testes de diagnóstico. Conclusão: 38,8 milhões de actos, não pagos directamente, consumiam aos quadros das farmácias 2,8 milhões de horas por ano. O valor global dos mais importantes ascendia a 76,5 milhões de euros.

Na história do CEFAR ficaram também estudos sobre o impacto das alterações legais no sector. Exemplos? O baseado em dados recolhidos através do sistema de informação da hmR, empresa de estudos de mercado do grupo ANF, sobre o diploma de Setembro de 2011 que reduziu as margens da distribuição, confirmando o efeito particularmente penalizador para as farmácias. E o que apurou, em 2013, uma poupança de 553 milhões de euros no primeiro ano de vigência da legislação que visava impulsionar o mercado de genéricos.

O CEFAR, que desde 2003 monitorizava a evolução do perfil de prescrição e substituição por DCI, aprofundou, através do Observatório, a componente de avaliação de campanhas promovidas nas farmácias, como as de vacinação contra a gripe, e do consumo de medicamentos e Directora executiva a partir de 2008, Suzete Costa aprofundou a prestação de serviços ao exterior produtos de saúde. A partir de 2010, disponibiliza relatórios de mercado das farmácias, os chamados Pharmacy Watch Profile.

Nos idos de 1990, João Silveira caracterizou por diversas vezes o CEFAR como o projecto estrategicamente mais importante para as farmácias. Quando nasceu, poucos acreditariam nessa premonição. Hoje, maduro e adulto, não restam dúvidas: tornou-se mesmo incontornável.


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