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22 maio 2018
Texto de Vera Pimenta Texto de Vera Pimenta Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

A crise também leva os melhores

​​​​​A história da Farmácia Teixeira tinha tudo para ter um final feliz.

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Farmácia Teixeira (1974-2013) - Baixa da Banheira 

Era 20 de Dezembro de 2013. O relógio batia as 19 horas quando a porta da Farmácia Teixeira se fechou pela última vez. Para trás ficou um projecto de vida, os balcões cobertos e uma árvore de Natal por desmontar.

Os seis meses de insolvência que antecederam este desfecho foram os mais difíceis. No «ano do descalabro», como lhe chama a ex-proprietária Ana Paula Teixeira, ainda tentaram fazer um Processo Especial de Revitalização, sem sucesso. Hoje recorda com pesar as oito horas diárias que passava na farmácia, quase sem medicamentos: «era um tormento entrar lá todos os dias de cara alegre. E claro que as pessoas se apercebiam. Foram meses e meses a dizer “não temos, não temos”», conta. E as noites de serviço eram ainda mais angustiantes: «ter as pessoas à porta às tantas da madrugada a precisar das coisas e nós sem medicamentos é arrepiante».

Maria Manuela Teixeira, antiga proprietária e directora-técnica, fala destes meses com igual tristeza: «A minha filha geriu a insolvência, com grande sacrifício. Nós fazíamos as noites para não ter que pagar horas extraordinárias». Depois de ter investido todas as poupanças na farmácia e sem solução em vista, a antiga dirigente da ANF acabou por pedir um crédito pessoal para pagar os ordenados. «Eu não lido bem com dívidas», desabafa, «e ter que pensar nos ordenados e nas facturas que tinha para pagar era uma consumição».
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Ambas as proprietárias, mãe e filha, consideram ter sido «apanhadas pela crise» em 2010, numa fase em que tinham feito grandes investimentos na farmácia. E recordam as medidas de austeridade implementadas na altura, nomeadamente os horários de 55 horas, a baixa de margens e de preços, e a introdução das margens regressivas, que tiveram um grande impacto na gestão do negócio.

Ao longo do tempo, a Farmácia Teixeira esteve localizada em três edifícios diferentes, sempre na Baixa da Banheira. Em 1999, 25 anos após a abertura, a farmácia cresceu de um pequeno espaço de 50m2 para outro quatro vezes maior. Foi também nesta altura que se formou a sociedade entre mãe e filha. Já em 2006, exigências da proprietária do edifício obrigaram à aquisição de um novo espaço. 

De um antigo stand de automóveis nasceu o terceiro espaço, com dois gabinetes de atendimento personalizado, quatro farmacêuticos, três técnicos de farmácia e uma grande aposta nos serviços farmacêuticos. Uma mudança que, embora arriscada, se traduziu num aumento de 23% nas vendas. Um crescimento considerável, não fosse a chegada da crise.

Do primeiro ao terceiro espaço, a farmácia conquistou a preferência da população pelos melhores motivos. Para a antiga directora-técnica, o balcão era um lugar de ensinamento: «Em cada pessoa eu via uma oportunidade de melhorar os conhecimentos em saúde e a adesão à terapêutica». O que, frequentemente, passava por não vender os medicamentos que as pessoas pediam sem receita médica. «Eu não via na farmácia a vertente comercial, mas sim a profissional e, muitas vezes, preferi não ganhar para que os doentes ganhassem em qualidade de vida», esclarece. A Farmácia Teixeira foi uma das primeiras do país a receber o Certificado de Qualidade ISO 9001:2000, boa fama que lhe valeu até o apreço dos taxistas, que encaminhavam os utentes do hospital do Barreiro para lá.


«Em cada pessoa eu via uma oportunidade de melhorar os conhecimentos em saúde e a adesão terapêutica», recorda Manuela Teixeira

Aos 72 anos, Manuela Teixeira é docente na Universidade Lusófona, desde 2010 – uma ocupação que lhe traz «uma alegria imensa». E embora não se arrependa de nada, deixa um conselho aos alunos: «Não façam vendas suspensas e não abram créditos». E fala por experiência própria. «Era um meio pequeno e eu não tinha coragem de dizer que não», explica, acrescentando que mais de 10 mil euros ficaram por reaver. Decisões toldadas pelo excesso de empatia que, em retrospectiva, acredita terem contribuído para situação de insolvência.

Mas a paixão pelo ensino não é recente. Enquanto dirigente da ANF esteve sempre ligada à Área Profissional: fez parte do grupo que formou a Formação Contínua, e impulsionou cursos para farmacêuticos e para técnicos de farmácia. Um gosto que transpôs para a farmácia, onde motivou a equipa a fazer vários cursos.


Enquanto dirigente da ANF, Manuela Teixeira foi uma das impulsionadoras da formação contínua para farmacêuticos e técnicos de farmácia

Fátima Morgado, antiga ajudante técnica da Farmácia Teixeira, não esquece o que aprendeu ao longo dos anos com a directora-técnica, agora amiga de longa data. «A primeira vez que andei de avião foi para fazer uma formação com a doutora no Porto», conta. Aos 70 anos, a “Fatinha da farmácia”, como ainda hoje é conhecida, recorda este tempo com carinho e, acima de tudo, muito orgulho. «Eu e a doutora éramos conhecidas como “as sempre-em-pé”, porque fazíamos muitas noites de serviço», recorda. Mais de 40 anos volvidos, garante: «A qualquer terra que eu vá, não há farmácia como aquela».

A 4 de Março de 1974 abria a Farmácia Teixeira, na Baixa da Banheira. Um projecto de vida de uma mãe e o futuro de uma filha que nunca quis ser mais nada que não farmacêutica. Uma história com tudo para ter um final feliz.
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