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8 fevereiro 2021
Texto de Vera Pimenta Texto de Vera Pimenta Fotografia de Ricardo Castelo Fotografia de Ricardo Castelo

A cidade das Serras

​​Viseu é natureza, memória e mistério.​

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Do velho miradouro da Via Sacra, a Sé de Viseu ergue-se envolta no místico nevoeiro de uma manhã invernosa. Sob a chuva miudinha, a paisagem convida a viajar pelo imaginário viseense, pisando as mesmas ruas que até hoje guardam alguns dos segredos mais enigmáticos da região.

A primeira pista surge a Norte, junto do largo que nos animados dias de Verão acolhe a famosa Feira de São Mateus. Vista de cima, é impossível ignorar a imponente muralha octogonal de terra batida que abraça mais de 30 hectares da cidade.

A Cava de Viriato, como hoje é apelidada, é um monumento sem precedentes na Península Ibérica. A sua origem e utilidade permanecem, contudo, desconhecidas, apesar das inúmeras teorias que a investigação histórica tem trazido ao de cima.


O herói lusitano Viriato representa um povo lutador e muito ligado às suas origens

«Este é um dos maiores mistérios da história e arqueologia portuguesas». A arqueóloga Fátima Costa, responsável pela empresa de turismo temático Neverending, já se habituou a aguçar a curiosidade dos visitantes, deixando margem para a interpretação.

Monumento nacional desde 1910, foi aí que, 30 anos mais tarde, haveria de ser edificada a estátua a Viriato. Embora haja poucas certezas sobre o local de nascimento, o mítico guerreiro lusitano ficou eternamente associado a Viseu. «É uma associação mais lendária do que factual», explica o farmacêutico Augusto Meneses. Foi este o herói escolhido para representar um povo que não baixa os braços.


O cão da Serra da Estrela é uma raça amigável e característica da região

Valente, vigilante e corajoso; defensor da sua tribo, mas sempre pronto a dar as boas-vindas a visitas amigáveis. São a sua lealdade, simpatia e a memória do seu passado enquanto guardador de rebanhos que tornam o cão da Serra da Estrela outro dos mais adorados símbolos da região.

No canil Domus Stella, o latido alerta e curioso destes viseenses de quatro patas é inconfundível. De cauda em gancho a abanar, como quem sorri ao abrir a porta de casa a um conhecido, a matilha permanece unida e tranquila, à espera da próxima oportunidade de ver afagados os seus macios pêlos de cores e tamanhos distintos.

Desde 2016 que Ary Abreu fez sua a missão de proteger a espécie. Especializado na criação de cães de pêlo comprido, o veterinário conta como a variação de pêlo curto esteve em risco de extinção. Graças ao esforço de alguns criadores beirões, tem vindo a ser recuperada aos poucos, garantindo assim a preservação.

O conterrâneo Augusto Meneses confessa-se particularmente fã desta raça autóctone. O carácter nobre a lembrar a essência do povo de Viseu convenceu-o a adoptar a fiel companheira Naomi.

«Viseu vive muito da produção característica das suas serras e o cão da Serra da Estrela representa bem isso», explica o farmacêutico, de 48 anos.


O espantoso claustro renascentista da Catedral é uma das marcas deixadas em Viseu pelo bispo D. Miguel da Silva

Ladeado pelas mais conhecidas montanhas da Beira Alta, o centro histórico da cidade guarda parte considerável da sua memória. Entre as bonitas ruas de casas altas e antigas, a Sé espreita a cada esquina. Na Catedral, o espantoso claustro renascentista obriga à contemplação do mais ínfimo detalhe. Mandado construir por D. Miguel da Silva, bispo de Viseu entre 1526 e 1547 e singular impulsionador da região, a obra destaca-se como primeiro exemplar deste movimento artístico em Portugal.


O centro histórico de Viseu é um autêntico museu de história ao ar livre

Na Pensão Rossio Parque, um chef viseense, regressado há uns anos da azáfama parisiense, serve refeições que lembram os grandes jantares em família. O arroz de míscaros com entrecosto é a sugestão de Augusto Meneses para quem queira aventurar-se a mergulhar nas raízes de Viseu. Os curiosos cogumelos silvestres característicos dos bosques da região prometem ficar na memória de quem os prove.

A dois passos da zona histórica, o Parque do Fontelo pinta a paisagem de verde. E deixa adivinhar porque é que os guias turísticos do século passado já apelidavam Viseu de cidade jardim. Os espaços verdes e as excelentes vias de acesso são duas das principais razões que lhe valeram já os títulos de cidade com mais qualidade de vida e de melhor cidade para ser feliz.


O Solar do Vinho do Dão é hoje ponto de partida da imperdível rota dos vinhos

Ao seu lado, o Solar do Vinho do Dão tem quase um milénio de contos por desvendar. Antiga residência de Verão de D. Miguel da Silva, é hoje sede da Comissão Vitivinícola Regional do Dão. O edifício do século XIV alberga uma equipa empenhada em promover os vinhos da Região Demarcada do Dão. E é o ponto de partida para a imperdível rota dos vinhos.

A viver em Viseu desde os três anos, Augusto Meneses conhece a terra como a palma da mão.

«A nossa ligação com o vinho é umbilical», revela. Os solos graníticos, protegidos pelas montanhas contra massas húmidas e ventos fortes, são um convite da natureza à produção de alguns dos vinhos mais premiados do país. «Temos características únicas, que tornam este produto inimitável e muito apreciado».

Com o pôr-do-sol a rasgar o céu de tons alaranjados, a viagem pelos mistérios de Viseu só está completa ao descobrir o que se esconde para lá dos muros de pedra, das árvores e giestas que enfeitam os lados das estradas mais rurais do concelho.

Na Quinta do Perdigão produzem-se alguns dos vinhos mais emblemáticos da Região Demarcada do Dão

No caminho de terra batida que entra pela Quinta do Perdigão, há fileiras de videiras até perder de vista. Há 23 anos que José Perdigão se dedica à produção do vinho da marca mais premiada da região, na calmaria de Pindelo de Silgueiros. «Aqui tudo cresce muito devagarinho, como um bonsai», descreve o arquitecto. «O que torna os aromas muito mais expressivos e cheios de personalidade».

O produtor de 64 anos garante que fazer um bom vinho é uma arte. E que a verdadeira adega começa numa pequena caixa carregada de uvas, prontas a provar. A escolha é feita à noite, às cegas. «Assim certificamo-nos de que escolhemos a melhor uva e não a mais bonita». Sem pressas, quase em segredo, na pequena adega camuflada entre a vinha, engarrafa-se o milagre da natureza do Dão em todo o seu esplendor.

Em Viseu, os beirões e elegantes sabores que embalam os sentidos fazem esquecer a correria dos dias. Envolta em mistério, a memória do passado ganha vida através da cultura, do património e das pessoas. Lá de baixo, a olhar o verde grandioso das serras, o tempo parece parar. Talvez seja esse o maior segredo da melhor cidade para se ser feliz.

 

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