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1 junho 2023
Texto de Irina Fernandes Texto de Irina Fernandes Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro Vídeo de Rodrigo Coutinho Vídeo de Rodrigo Coutinho

A bravura de João Pedro

​​​​​​​​João Pedro tinha 16 meses quando lhe foi diagnosticado um tumor. Aos 20 anos é considerado «um milagre» da medicina.

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O coração de Alda não está tranquilo. João Pedro, seu filho de 16 meses, revela-se um bebé instável a cada dia. «Não comia, começou a ficar apático…». 

Uma fralda suja de sangue deu o sinal de alarme. A 22 de maio de 2004, a notícia inesperada irrompe: João Pedro sofria de uma doença oncológica. «O tumor, um rabdomiossarcoma, era maior do que o rim. Estava encostado à prós- tata e à bexiga, e a impedir que ele conseguisse urinar», revela a mãe.

Naquele dia, o mundo desabou para Alda, o marido, Rui Guerrinha, e restante família. O tumor «era extremamente agressivo», e já estava no estadio III, «sendo que o pior era o IV». «A boa notícia é que não estava espalhado», relata a progenitora. Tinha 22 meses quando foi submetido à cirurgia de remoção do tumor. Antes cumpriu quatro meses de quimioterapia.

Sentado, lado a lado com a mãe, João Pedro, hoje com 20 anos, escuta as palavras de Alda, observando-a com orgulho e gratidão. «Na altura, foram-lhe retirados dois terços da bexiga», explica Alda Guerrinha.

Foi, «por volta dos quatro anos», que João começou a ter consciência de «que era diferente das outras crianças».

«Ainda me lembro desse dia... Perguntei à minha mãe o que é que me tinha acontecido e o que era o cancro». Viria novamente a ser operado em novembro, devido a infeções. No período «da primeira para a segunda cirurgia», os médicos temeram o pior. «Achava-se que ele não ia sobreviver».

FotoJoaoPedro2.jpg​​«Ele é das pessoas mais bem resolvidas que conheço! É o meu exemplo de vida», elogia a irmã Raquel Guerrinha

No quarto do hospital, Alda, mãe pela segunda vez, desesperava e chorava sem fim. Aí, entre o desnorte e a dor dos pais, João Pedro mostrou que o seu desígnio, nesta vida, era só um: vencer. «Ele, ali tão pequenino, sorriu-me e segurou a minha mão. Foi como se me estivesse a dizer: “Tem calma, que isto vai passar!”», partilha Alda Guerrinha, secretária de direção na Associação Nacional das Farmácias (ANF).

Dos primeiros passos à idade adulta, João Pedro teria orgulhado Hércules ou o Super-Homem. Há nele coragem, inteligência e firmeza, a lembrar os heróis da mitologia grega ou os super-heróis de banda desenhada.

«Ele nunca se queixa! Nunca se fez valer da sua condição de saúde. Tem uma força inacreditável», afiança o pai, Rui Guerrinha, 57 anos, jurista e inspetor na ACT - Autoridade Para as Condições do Trabalho.

O tumor nunca mais voltou, mas ficaram sequelas para a vida. Já lá vão 18 anos de luta. «É complicado lidar com as algaliações e a colostomia, pois exigem cuidados de saúde diferentes, tento fazer a minha vida cuidando de mim, mas sabendo que tenho de ser feliz», defende.

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«Esta entrevista é um desafio para mim porque é a primeira vez que estou a falar publicamente dos meus problemas de saúde»

Nunca permitiu que as sequelas do cancro lhe levassem os sonhos e a alegria de viver. Em menino, e hoje já adulto, sempre fez frente aos problemas de saúde com audácia. «Esta é a minha realidade, é aceitar…», diz João, com pragmatismo. Nem mesmo na cama do hospital, João Pedro desmorecia. «Tenho boas recordações dos internamentos. Tento lidar de forma positiva», afirma entre gargalhadas.

Mulher e mãe de energia mobilizadora, Alda foi cuidadora informal por muitas, muitas horas.«Até há um ano, eu tinha de lhe dar banho, tratar da cicatriz, fazer-lhe o penso, tive de aprender tudo isso...».

Como um alpinista que não teme o Evereste, João Pedro supera-se ao minuto. Vive com um só objetivo: seguir em frente

«Esta entrevista é um desafio para mim porque é a primeira vez que estou a falar publicamente dos meus problemas de saúde. Estou a enfrentar o medo de esconder o que passo e passei». Apesar de todas as adversidades, foi sempre um aluno de sucesso, atualmente na Universidade. «Estou a estudar Ciência Política e Relações Internacionais, pois é um curso que envolve tudo o que gosto. Estar já no segundo ano e perceber que sou capaz é muito importante para mim».

Rapaz de trato elegante e doce, sonha vir a ser – já o sendo, em cada palavra e gesto – um diplomata. «Sempre gostei de poder ajudar outras pessoas, de conhecer outras culturas».

Todos os dias, João Pedro levanta-se atempadamente para cumprir os seus cuidados de saúde. «Ele faz lavagens de bexiga, três vezes por dia. Em dias de aulas, faz maior quantidade de manhã e à noite. É uma logística complicada, mas à qual ele se habitou com facilidade», explica Alda.

Todos os dias, apanha o comboio na estação Massamá-Barcarena para ir para a faculdade. Nunca, por motivo algum, se permitiu a derrotas. Por isso, rejeitou sempre interromper os estudos.

«Quando ele estava a frequentar o 10º ano, chegou a pesar 40 quilos e mal podia com a mochila… A médica disse-nos que passava a declaração, mas ele recusou faltar às aulas», relata Rui Guerrinha, revelando que o filho «subia três lanços de escadas até chegar ao pavilhão onde decorriam as aulas».

Empenhado nos estudos académicos, João Pedro almeja trabalhar no estrangeiro, até por- que «sempre gostou de ser independente».

Fugiu, e foge de fados tristes. Recentemente, celebrou mais uma vitória: tirou a carta de condução. «Gosto de fazer as coisas por mim. Por- tanto, tirar a carta foi uma grande conquista».

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Rapaz de espírito independente, João Pedro inscreveu-se para tirar a carta de condução tendo-se sagrado com sucesso.

Traz no corpo aquilo a que chama «marcas de guerra», resultado de cirurgias e tratamentos sucessivos. «Só num mês, chegou a ir dez vezes ao bloco operatório».

«É um milagre ele estar cá, mas como as médicas dizem: “A vida tem custado muito caro”», suspira Alda. João Pedro dá colo a quem o rodeia, é o primeiro a sorrir. E não por acaso.

«A minha maneira de ser deve-se à educação que tive. Os meus pais e a minha irmã sempre me incutiram o sentimento de positividade e esperança». Raquel, 26 anos, emociona-se na hora de descrever o irmão. «Ele é o meu exemplo de vida. É das pessoas mais bem resolvidas que conheço. Tem uma força que não há igual!».

Ao longo dos anos, em casa, no hospital ou na praia, Alda, Rui e Raquel semearam amor a cada etapa, incentivando João Pedro a abrir-se ao mundo.

«Depois da remoção do tumor, quando ele saiu do hospital, a primeira coisa que fizemos foi ir à Eurodisney!» recorda Alda.

O resultado está à vista: João Pedro é um rapaz de alma invencível. «Ouvi, muitas vezes, dizerem-me que era um herói e eu não compreendia porquê».

Hoje, orgulha-se do elogio. E, claro, de todas as conquistas. ​«Conseguir fazer a vida que sonhei fez-me perceber que o que passei, e ainda passo, é complicado, mas isso não pode deitar-me abaixo. Não pode ser um obstáculo!».

 


E se for, João Pedro sabe, como ninguém, o que há a fazer: «É ultrapassá-lo!». 
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