Aos 34 anos, Madalena Passeiro levava um estilo de vida desregulado. Hospedeira de bordo, profissão que «acumulava com uma série de outras atividades, por gosto», tinha problemas de sono, agravados a partir do momento em que começou a fazer voos de longo curso. Se inicialmente pensou que seria mais fácil recuperar porque faria menos viagens e estaria mais tempo nas escalas, a realidade não foi assim. «Não me adaptei bem», lamenta. Quer pela necessidade de acordar a meio da noite para ir trabalhar, quer por causa da diferença horária para os locais para onde voava: «não conseguia dormir e ficava muito ansiosa». As constantes viagens também dificultavam o planeamento da alimentação. Comia o que estivesse disponível nos aviões ou em restaurantes, onde fazia escalas.
Para ocupar o tempo e tentar não desregular ainda mais o sono, o que aconteceria se dormisse durante o dia, Madalena decidiu inscrever- se num curso de cozinha, para onde ia «quase sempre de "direta"». À culinária juntava a pintura, a que se dedicava sempre que podia. No meio deste turbilhão, o seu pai adoeceu com cancro. «Perdi o meu pai em quatro meses e foi muito duro. Foi um ano mesmo duro».
Há alguns anos andava preocupada com uma descamação na mama direita. Tinha ido a consultas, tinha feito uma ecografia mamária que não acusou nada. Saía sempre com um diagnóstico de eczema e indicação para aplicar um creme. Nunca deixou de sentir «uma impressão» nessa mama. Meses antes de fazer 35 anos, começou com sintomas semelhantes na mama esquerda, uma espécie de «prurido, uma sensação estranha» que desvalorizou pela semelhança com a outra mama.
Depois da morte do pai, decidiu finalmente tratar de si. «Como estava numa altura de mais stresse, sentia mais desconforto na zona das maminhas e fui novamente à minha ginecologista», relata Madalena, acrescentando que a médica fez a palpação e não sentiu nada. Por insistência do marido, que a achava excessivamente preocupada, a médica prescreveu uma ressonância magnética, mas aconselhou-a a ir «com calma, com imensa calma, porque não vai ser nada, é só para vermos se não teria um quistozinho que pudesse estar a causar esta impressão».
Madalena adiou a ressonância para fazer o exame do curso de culinária
Madalena seguiu o conselho e até adiou um mês a realização da ressonância porque coincidia com a data do exame do curso de cozinha. No pico do verão de 2023, 11 dias depois de ter feito 35 anos, recebeu o resultado. Tinha cancro na mama esquerda. «Fui completamente apanhada de surpresa. Completamente». As más notícias não ficaram por ali. Apesar de o tumor aparentar estar delimitado, percebeu-se mais tarde que os gânglios linfáticos também estavam afetados.
O diagnóstico atingiu-a profundamente. «Foi muito difícil, esta faixa etária dos 30 anos é muito importante na vida», sublinha Madalena. «Todas são, obviamente», corrige, «mas esta fase é importante no sentido em que as pessoas estão a construir algo: ou têm filhos pequenos, ou estão a pensar em ter, ou estão finalmente a estabilizar num trabalho e na vida em geral. Um diagnóstico com esta gravidade «é completamente desestabilizador e acaba com muitos dos nossos sonhos. Ficamos um bocadinho sem pé». Por outro lado, ter sido descoberto quase por acaso, «foi uma sorte, para ser sincera» — o que a leva a insistir que «se sentimos que alguma coisa não está bem, temos mesmo de bater o pé, procurar ajuda e respostas».
Em pouco mais de mês e meio fez a ressonância magnética, uma biópsia, uma estimulação dos ovários para prevenir uma futura gravidez, e a operação. «Se estivesse à espera do Sistema Nacional de Saúde teria de aguardar, porque a biópsia dizia que eu tinha um tumor sem metástases». Ter um seguro de saúde acelerou o processo. «E essa foi a minha sorte, porque já estava mais avançado do que se julgava».
A fotografia é um dos passatempos de Madalena, além da pintura e da cozinha
Madalena, que tem formação de base em enfermagem, considera que «nós [os doentes oncológicos] controlamos muito pouco de tudo, do processo, da patologia, das surpresas que vamos tendo ao longo do caminho. É tudo muito imprevisível, a principal mensagem é essa». No seu caso, ajuda-a não ter expetativas, mas antes «viver o agora mesmo, aproveitar o dia a dia e a vida, ter experiências boas, fazer o que se gosta e evitar situações que causem stresse». Na altura da morte do pai frequentou uma psicóloga, e agora, passados os oito meses em que esteve a «correr tratamento após tratamento, e não tinha muita capacidade para estar a tratar de tudo ao mesmo tempo», regressou à terapia.
Com calma, «também para não criar ansiedade», foi resolvendo o que a incomodava. «Como o meu marido me está sempre a dizer, “o elefante come-se às postas”». Ter tido um cancro fez com que estivesse mais alerta aos sinais do corpo e que se respeitasse mais. Hoje come melhor, mais vegetais e frutas, fez fisioterapia, praticou e pratica desporto – o que a «ajudou e ajuda imenso, porque nos faz sentir melhor e, principalmente para quem faz quimioterapia, tão aniquiladora para o corpo, voltar a sentir que temos um bocadinho de controlo sobre os nossos movimentos e a forma como nos sentimos, além de melhorar também as dores articulares, é muito importante, mesmo».
A cortar o cabelo antes da quimioterapia, e em viagem
O sono é o mais desafiante. «É-nos induzida a menopausa, uma coisa muito abrupta, e temos imensos sintomas. Um dos mais maçadores são os afrontamentos, sempre à noite». Estava preocupada, mas depois de comprar uma pulseira para monitorizar o sono, porque chegava a acordar «duas vezes por hora, a morrer de calor», percebeu que mesmo assim recupera. «Portanto, está tudo bem», assegura.
Ainda não sabe exatamente o seu futuro profissional, mas tem a esperança de passar para outra função na companhia aérea onde trabalha. «Estou feliz porque, no fundo, sinto que é uma vida nova, um reset», na certeza de que quer «trabalhar, continuar a aprender e a desenvolver projetos». Ao nível mental, considera muito importante sentir-se integrada e ter outros desafios. «E não estar só focada no cancro e no que me aconteceu, porque não sou nenhuma coitadinha. Há coisas que nós não decidimos. Isto aconteceu e a vida continua. E eu quero continuar», assegura com um riso.