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1 agosto 2024
Texto de Telma Rocheta | WL Partners Texto de Telma Rocheta | WL Partners Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

Viver na Suiça portuguesa

​​​​Loriga tem tradições, paisagens deslumbrantes, ruínas romanas, passeios na montanha, gastronomia da Serra da Estrela e muito mais.​​

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​​​​É o orgulho nas origens que mantém Margarida Costa, de 35 anos, em Loriga, a pequena vila onde nasceu e quer criar família. Como tantas pessoas que escolhem ficar no interior, teve de inventar um modo de vida. Mesmo no centro da vila, em frente à Farmácia Popular, a pintura cor de vinho das paredes indicia a recuperação do edifício antigo e emblemático: foi escola primária na primeira metade do século XX, antes de ser comprada pelos avós de Margarida. Nas muitas e grandes salas que conhecia em criança é agora possível alojar grupos de até 24 pessoas. Em 2020, começou a funcionar o alojamento local EntreSocalcos.



Emanuel Costa, Margarida e o amigo Pedro Pereira, na limpeza dos caminhos

Margarida licenciou-se em Arquitetura, mas não encontrou emprego com salário condigno. Por isso, ela e o marido, Emanuel Costa, candidataram o projeto de alojamento local a fundos europeus. Como teriam de gastar 40% do financiamento em equipamento, o casal lembrou-se de associar uma vertente de desportos de natureza, desde caminhadas ao mais radical canyoning. Ela gere a casa e ele, bombeiro da equipa de resgate de montanha, com profundo conhecimento do terreno e de aspetos de segurança, é responsável pela componente de aventura, aproveitando o potencial da paisagem da freguesia de Loriga, inserida nos mais de 89 mil hectares do Parque Natural da Serra da Estrela. «Somos os principais interessados em proteger a natureza», explica Emanuel, enquanto, por iniciativa própria, vai limpando matagal nos caminhos florestais.


As farmacêuticas Paula Rodrigues e Paula Oliveira, proprietárias da Farmácia Popular, trocaram Viseu por Loriga há 25 anos

Há 25 anos, Paula Rodrigues e a sócia Paula Oliveira, ambas de Viseu, deixaram-se encantar por esta vila da Beira Alta. Colegas desde o ciclo, licenciadas em Ciências Farmacêuticas, arriscaram partilhar a compra da Farmácia Popular. Vivem num apartamento junto à farmácia durante a semana e voltam a Viseu ao fim de semana, ou quando é preciso. «Combinamos a pacatez da zona com o movimento de uma cidade grande», entende Paula Rodrigues.

Antes do 25 de Abril, no edifício da farmácia, recorda Paula Oliveira, «havia um café com tertúlias de opositores ao regime e que fugiam da PIDE pelas ruelas». Com uma grande população operária das muitas fábricas de lanifícios que existiam pela região, Loriga era marcada pela influência do Partido Comunista. «As fábricas de lanifícios foram fechando e os edifícios ou foram transformados para outras atividades ou estão em ruína», lamenta Paula Rodrigues.

A mais de 770 metros de altitude e abrigada ao fundo da Garganta de Loriga, a vila é conhecida como a Suíça portuguesa. Os vários percursos que se podem fazer têm graus de dificuldade muito variados. Na Serra da Estrela há caminhadas que ficam na memória, como a que passa pelo Covão dos Conchos, uma pequena barragem que leva as águas da Ribeira das Naves para a Lagoa Comprida através de um túnel de 1.519 metros. Ao entrar no túnel, as águas criam a ilusão ótica de um vórtice que parece um portal saído de um filme de ficção científica. O lugar só é acessível a pé. A Rota da Garganta de Loriga é uma das mais conhecidas e com um grau de dificuldade alto, pois liga a vila ao planalto superior da Serra da Estrela. No caminho de mais de três horas são visíveis os vestígios da última Era Glacial.

Facilitado por uma estrada pavimentada é o acesso à Torre, onde se regista a maior altitude de Portugal continental (1.991 metros) e se registam as temperaturas mais baixas. A zona, que pertence a três municípios, é identificável ao longe pelos seus dois edifícios. Os terrenos onde estão as infraestruturas para a prática de esqui são da freguesia de Loriga. Junto à vila, a dois quilómetros de distância, fica outra das atrações naturais, a praia fluvial de Loriga.

Os socalcos durante séculos "desenhados" por mão humana, com uma rede de irrigação, levam a água das nascentes até ao vale rochoso de Loriga, transformando-o num terreno fértil. E a água é o que «dá ao bolo negro de Loriga o seu sabor característico», defende Fernando Mendes, dono da Loripão, a única panificadora que produz em larga escala esta iguaria tradicional. A receita do bolo negro - herança de uma colónia inglesa que se instalou na zona no século XIX - «está na Internet, não é segredo nenhum», sustenta Fernando Mendes. O que faz a diferença, explica, «além da água, são os fornos a lenha que temos e que atingem altas temperaturas».

Fernando Mendes trabalhou durante 11 anos numa fábrica de lanifícios, mas desde miúdo empregava-se nas padarias durante as férias. Há 37 anos criou a Loripão com um cunhado. O local onde agora se amassa o bolo negro, a broa de milho e outras especialidades, era há 24 anos uma fábrica de lanifícios. Por mês, a empresa vende cerca de três mil bolos, negros da muita canela que é usada.


Fernando Mendes, dono da Loripão, e Luís Costa com a capa de confrade

Associada à expansão deste doce – antes feito nas casas particulares em dias de festa – está a Confraria da Broa e do Bolo Negro de Loriga. Luís Costa preside à organização desde 2009 e salienta que o objetivo é divulgar os produtos endógenos e as tradições do município, como a capa que os cerca de 130 confrades usam, feita de burel da Serra da Estrela. «Estamos no interior, é importante fazermos um esforço para atrair pessoas e divulgarmos o nosso património», explica.

Nesta altura do ano, Abílio Brito tem as ovelhas na serra. No final do verão voltam para a base, a sua quintinha em Loriga. Em 1982, quando ele e a mulher, Maria de Fátima, deixaram uma fábrica da Siemens em Munique para voltarem à terra, começou a compor o seu rebanho: «Cheguei a ter 150 animais, hoje tenho 16». Desde então, Abílio cuida do rebanho e Maria de Fátima faz queijos. Por causa da idade, Abílio já não fica a guardar os animais nas pastagens em altitude, entrega-as a outro pastor. «Ao domingo vou lá vê-las», conta. Desanimado, afirma que a pastorícia e as atividades ligadas aos animais perderam importância: «Tenho ali um armazém cheio de lã que está a apodrecer. Ninguém a quer», lamenta. Mesmo assim, na Festa da Transumância e dos Pastores, organizada pela Câmara Municipal de Seia (sede do concelho) em julho, cerca de 3.000 cabeças de gado são levadas para o alto da serra.


Alberto Marques é um dos maiores apicultores da zona. O seu mel de urze foi premiado​​​​​​

À saída de Loriga, Alberto Marques espalhou garrafões de plástico nas árvores, cheios de uma mistela para caçar vespas asiáticas, predadores que despedaçam as abelhas. «No ano passado apanhei mais de duas mil só antes do verão. Consigo ir controlando, mas isto é complicado», salienta. A atividade que começou há 40 anos, aos poucos, em part-time, é dura: «O mel é tirado no verão e tenho de vestir uma malha, um fato de macaco e o fato de proteção por cima, mas mesmo assim elas picam». Alberto Marques é um dos maiores produtores de mel da Serra da Estrela que restam, com mais de 300 colmeias nas quais recolhe cerca de 3.000 quilos de mel por ano. E é também reconhecido: o mel de urze que vende a granel já ganhou uma medalha de bronze num concurso em França. O seu "testemunho" será passado ao filho, que já começou a aprender a atividade, em declínio nesta região e no resto do país.​​​