REVISTA SAÚDA: Passa mais de metade do ano fora do país em espectáculos, aviões, jet lag. Como é que aguenta esse ritmo?
LUIS DE MATOS: A ter muito prazer no que faço. Percebi há muitos anos que as pessoas podem ser felizes ou infelizes mediante a sua própria atitude. Escolhi ser feliz. Em qualquer momento das nossas vidas, pessoais e profissionais, temos tendência a queixarmo-nos muito e damos de barato o que acontece de bom. Eu vejo sempre o lado positivo.
Tem cuidado com o corpo?
Percebe-se que está em boa forma. Fui muito beneficiado em termos genéticos, nunca fiz grandes concessões à dieta. Sempre me conheci assim, com o mesmo peso, tive imensa sorte. Exercício físico, gostava de gostar de fazer, mas não gosto. Aquilo cansa imenso e eu procuro ter conversas comigo próprio e dizer "desta é que vai ser", só que não dura muito tempo. Mas decidi há alguns anos passar a fazer check-ups anuais e está tudo bem.
Não adoece?
Quem me conhece sabe que nunca estou doente, mas saiam de perto quando estou. Não é ser mau doente, é ficar prostradíssimo. Fico três dias insuportável, sem me conseguir mexer.
Não é pessoa de ter muitos medicamentos nem de ir à farmácia.
A única coisa que tenho sempre comigo são aspirinas e comprimidos para dormir, por razões muito específicas. Se não comer quando acordo instala-se uma dor de cabeça que me torna absolutamente insuportável. A aspirina é para isso. O comprimido para dormir é para voos de longo curso. Em 99 por cento dos casos adormeço antes de o avião levantar voo e só acordo depois de aterrar. Mas na eventualidade de estar mais desperto tomo meio comprimido e assim garanto que aquele tempo é bem aproveitado a dormir.
O seu optimismo contagia a sua equipa, as pessoas?
Não acredito em quase nada, mas acredito profundamente nessa força interior em que os seres humanos conseguem ir buscar a energia onde aparentemente não existia. Acredito na energia das pessoas. Viver é extraordinário, e não há nenhum sítio a indicar o nosso prazo de validade. Não podemos projectar a vida a médio e longo prazo mas a verdade é que hoje estamos vivos e hoje devemos viver o momento presente. Devemos procurar ser positivos e divertirmo-nos imenso. Por exemplo, se eu achar que esta é a última vez na vida que dou uma entrevista, tenho vontade de partilhar o que me vai de facto na cabeça e no coração. Será um bom exemplo da forma boa ou má como eu pensava. Acho que esse lado do momento é muitas vezes descurado. As pessoas não pedem desculpa porque pensam “da próxima vez que estivermos juntos se calhar vou pedir desculpa”. Não! Se achas que deves pedir desculpa, liga agora e pede desculpa, envia uma mensagem, encontra-te com a pessoa.
Fala muito na necessidade de sentir o prazer do público.
Para nós é de facto muito importante, porque no limite a compensação do artista, do mágico, repito, da equipa à qual dou cara, não está no vender dos bilhetes e esgotar a sala, está no aplauso de pé no final da noite. Porque as pessoas quando decidem ir assistir a um espectáculo nosso dão o primeiro passo, compraram os bilhetes, planearam ir. Vão dedicar aquele tempo a ver o que nós temos para oferecer. Isso é extraordinário, mas deixa-nos em dívida para com as pessoas.
Luis de Matos no Estúdio 33, em Ansião, onde trabalha e desenvolve os espectáculos de magia.
O “Impossível ao Vivo” vai ser um espectáculo diferente?
Sim. Este é um espectáculo de ensemble com outros convidados, com mágicos da Coreia, da Austrália, de Inglaterra, da Alemanha. É um espectáculo de uma grande interactividade, sem playback. A forma como cada público reage a cada momento, como cada espectador de cada plateia reage a cada momento, depende do decorrer do espectáculo. Isso faz com que ele seja sempre diferente, o que me mantém fresco e mantém o interesse para as pessoas que vêm ver mais do que uma vez.
Por que gosta tanto da palavra magia, em vez de ilusão ou ilusionismo...?
Para mim, truque, ilusão e magia são diferentes. Vou procurar dar exemplos. O truque é o fio muito fininho, o íman, o espelho, o alçapão, a manga, o comando à distância, a técnica. Se comparar com a música, poderão ser uma viola, um piano ou um violino. São instrumentos, meios para criar qualquer coisa. A ilusão é o que eu consigo fazer com esses truques. Com um fio muito fininho consigo criar a ilusão de uma bola flutuar no ar, ou com um íman consigo fingir que faço este garfo mexer. Aí nasce a ilusão, que já tem de ser perfeita. A arte surge, no meu caso, o momento mágico surge da partilha com o interlocutor final.
No estúdio 33, em Ansião, Luis de Matos tem uma biblioteca com mais de cinco mil livros de magia. O mais antigo é do século XVI
O que é então a magia?
Para mim, a magia é aquilo que se sente quando se ouve a música que foi composta por alguém e interpretada pelo mesmo alguém ou por outra pessoa no dito violino. Isso aí é magia. Ou quando olhamos para uma tela acabada e ela nos provoca sentimentos, reacções, nos faz pensar... esse é o momento mágico dessas formas de expressão. No meu caso, a magia só acontece quando eu uso truques para criar uma ilusão que é perfeita, tendencialmente perfeita em cima do palco, e ela, uma vez partilhada, é entregue ao olhar e à percepção dos espectadores. Eles olham para aquilo como algo inexplicável e que os faz sentir alguma coisa. Aí acontece magia. O meu objectivo é criar momentos verdadeiramente mágicos. É isso que eu gostava de fazer quando fosse grande.
Consegue ter vida pessoal?
Consigo, consigo e adoro ter vida pessoal. Eu tive a sorte, desde o início da minha carreira, de ter conseguido que a minha vida privada fosse sempre muito respeitada.
Faz a vida das pessoas comuns? Cozinha?
Não sei cozinhar muito, sei cozinhar algumas coisas, mas acusam-me de demorar muito tempo.
Tem passatempos?
Aprender é o meu hobby favorito.