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27 maio 2021
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro Vídeo de André Oleirinha Vídeo de André Oleirinha

Vinho da talha, origem romana

​​​Grainhas encontradas nas ruínas de São Cucufate comprovam origem milenar deste vinho.​

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As enormes ânforas de cerâmica ocre, algumas com dizeres e assinaturas de quem por ali passou, decoram as sombrias tabernas e adegas alentejanas. Parecem esconderijos gigantes, perfeitos para as crianças brincarem às escondidas. Há pipas de todos os tamanhos, no cimo uma tampa de madeira, às vezes sobre um paninho, no sopé a torneira por onde se serve o vinho. Por dentro, o barro poroso é impermeabilizado com cera de abelha ou resina de pinheiro. 

É ali que todos os anos se faz o vinho, chamado da talha, nome que vem da ânfora, vasilha ou cântaro de barro, próprias para guardar azeite, vinho ou cereais. Lá para dentro são jogadas as uvas colhidas na vindima em Setembro, que, durante mais de um mês, são mexidas duas a três vezes ao dia, com um pau de madeira comprido. «Quantas mais vezes se mexer, mais o mosto fermenta e se criam os taninos e os aromas», explica José Soudo, que fabrica vinho da talha há quase 40 anos. A Adega da Casa de Monte Pedral tem 28 talhas, espalhadas pelas várias salas do enorme restaurante localizado na vila de Cuba. Se tudo correr como é devido, o vinho é aberto na Festa de São Martinho, a 11 de Novembro. Como é um vinho biológico, que não usa sulfitos como conservantes, é preciso bebê-lo no prazo de quatro a seis meses.  

Esta magnífica invenção de produzir vinho em talhas de barro tem mais de dois mil anos. Na villa romana de São Cucufate foram encontradas grainhas que comprovam que a civilização romana já dominava o processo de produção. A antiquíssima herdade agrícola, que nas mãos dos romanos laborou entre os séculos I d. C. e IV d. C., produzia azeite, vinho e cereais. Lá ainda se encontram dois contrapesos de lagar romanos, sob os quais foram descobertas as grainhas. É possível visitar a antiga adega e celeiro, depois transformados em capela do convento habitado por frades de São Vicente de Fora, entre os séculos XIII e XIX.  

Porque tudo se transforma quando a História corre bem, hoje vivem nas antigas paredes romanas frescos naïfs de anjos tocando instrumentos musicais, talvez em homenagem a São Cucufate, o soldado romano que se converteu ao cristianismo e foi supliciado por traição no século III d. C. Foi a ocupação católica do antigo espaço romano que permitiu que as ruínas chegassem aos nossos dias em tão bom estado de conservação. Vale a pena visitar a propriedade, construída em pedra, tijolo e argamassa, onde se distinguem a antiga casa de dois pisos, a villa original do século I d. C., as termas, o templo e o aqueduto.   

Lá foram encontrados outros instrumentos ligados ao vinho, como um podão, tesouras de poda usadas na vindima e fragmentos de dolium, antepassado da talha, de dimensão mais reduzida, mas com a mesma funcionalidade. Hoje, estes tesouros estão conservados no Centro Interpretativo do Vinho de Talha, em Vila de Frades, novamente aberto ao público depois de a pandemia ter interrompido o curto percurso de vida do museu, inaugurado em Novembro de 2020.  

O museu presta homenagem a uma tradição milenar do território alentejano e oferece-a de forma atractiva aos diferentes públicos. Há desde materiais de carácter etnográfico e arqueológico, com ligação à produção do vinho da talha, até meios tecnológicos actuais, como tablets, capazes de seduzir os mais novos. «Esta miscelânea de recursos permite, de uma forma harmoniosa, cativar o visitante e fazer a transmissão de toda a informação para que o visitante saia daqui elucidado sobre a essência do vinho de talha», explica o coordenador do centro interpretativo, Carlos Cristo.

 

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