Centro histórico de Santa Maria da Feira, 8h da manhã. Alguns feirenses de passo apressado aconchegam-se nos seus casacos. A brisa do Norte é implacável, mesmo nos meses mais quentes.
Do Largo Camões, a Igreja Matriz ergue-se imponente no seu estilo maneirista. A seu lado, desenha-se o Convento dos Lóios, guardião de uma parte considerável da memória histórica e cultural da terra. Rodeiam-no jardins até perder de vista, pintados pelas árvores que serpenteiam o caminho até ao ponto mais alto da cidade. Lá no cimo, o castelo continua a vigiar a terra, qual soldado que não abandona a frente de batalha.
Nos primeiros dias de Agosto, a praça central ilumina-se. Tabernas de aspecto medieval enchem o espaço, prometendo iguarias típicas para todos os gostos. As ruas, enfeitadas de bandeirolas de mil cores, são palco da mostra e venda de produtos de inspiração medieval. Miúdos e graúdos envergam vestes de antigamente, completadas com espadas e coroas. O ambiente convida a entrar nesta máquina do tempo e a viajar pela História.
De 31 de Julho a 11 de Agosto, o centro histórico da cidade é palco de espectáculos de recriação medieval
«Na Viagem Medieval vão deparar-se com o inédito», avisa o director-geral do evento, Paulo Sérgio Pais. «É uma experiência em todos os sentidos: nos cheiros, nos sabores e nos conteúdos dos espectáculos». A cada ano, o festim recria um reinado diferente, numa odisseia histórica vivida na primeira pessoa.
Os visitantes chegam de Norte a Sul, para explorar as zonas de recriação medieval, ver os espectáculos de rua e participar nas actividades lúdicas, como o tiro com arco, que durante duas semanas transportam a cidade para a Idade Média. A viagem culmina com o cortejo real em direcção ao castelo.
O farmacêutico Nuno Lima não perde as festas
O farmacêutico Nuno Lima, natural da freguesia feirense de Fiães, é visitante assíduo desta viagem histórica. A cada ano, junta família e amigos numa experiência que garante ser única.
Aos 47 anos, recorda com carinho a infância que passou em Santa Maria da Feira. E aconselha a visita, com paragem obrigatória no seu lugar predilecto da cidade: «O nosso castelo é o mais bonito do país».
Em tempos forte militar, conheceu todo o tipo de propósitos. Hoje é procurado pelo seu interesse histórico e actividades educativas levadas a cabo pela Comissão de Vigilância, responsável pela sua gestão. Quem o explora é surpreendido pela vasta lição de História. Como bónus, pode regalar-se com uma vista panorâmica de cortar a respiração.
A cidade vista do cimo do castelo
Em qualquer esquina do centro histórico há vislumbres do castelo – até nas montras das pastelarias, onde se erguem distintos pães doces de quatro torres, que não se encontram em nenhuma outra parte do país.
Nuno Lima conta que a fogaça surgiu em 1505 como pedido a S. Sebastião para proteger o povo da peste que atingiu a região. «É por isso que a 20 de Janeiro temos a Festa das Fogaceiras», explica o farmacêutico, acrescentando que esta é uma das tradições mais antigas de Portugal.
Carlos Moreira é a cara do Museu Vivo da Fogaça
No Museu Vivo da Fogaça, o aroma a limão e canela perfuma a sala, denunciando uma fornada de fogaças acabada de sair do forno. A cara por trás do projecto é Carlos Moreira, de 48 anos. gastronómica da Feira», sublinha, «por isso somos fundamentalistas na receita original, mas gostamos de fazer as nossas brincadeiras».
Nas diferentes variações, a fogaça pode ser rainha, princesa, cortesã ou imperatriz. Com um membro de cada sabor, está formada a corte das fogaças. Apaixonado pela terra, o proprietário explica que preservar a História é também reinventá-la. E remata: «A fogaça tem de estar viva nas pessoas».
O Museu do Papel, em Paços de Brandão, é único no país
Também no Museu do Papel se preserva parte da história da indústria da região. Instalado numa antiga fábrica, neste espaço o visitante é convidado a “pôr as mãos na massa” e a participar em todo o processo de fabrico de uma folha de papel. «É uma experiência muito interessante», afirma Nuno Lima.
Dividida entre a fase de produção manual e a industrial, a visita é um passeio a começar em 1822 e a terminar em 1989, que inclui curiosidades e peripécias de cada época. Inaugurado em 2001, na localidade de Paços de Brandão, concelho de Santa Maria da Feira, o primeiro museu do país dedicado à história do papel convida os visitantes a sair da sua zona de conforto e passar um dia diferente.
O restaurante Tasqueiros Sem Lei serve comida tradicional portuguesa
Em terras de Santa Maria, à hora de almoço, em cada canto pode encontrar-se um belo prato português. Mas, para os bons apreciadores de uma experiência imersiva na gastronomia tradicional, a porta do Tasqueiros Sem Lei está sempre aberta.
Na ardósia, as sugestões do dia: caldo verde, bochechas de porco, alheira à brás e filetes de polvo panado. Para completar, um extenso menu de iguarias à portuguesa, como a clássica tábua de queijos e enchidos ou o bacalhau.
Nesta tasca não se liga a televisão, mas há noites em que os clientes podem ter a sorte de degustar o jantar ao som de música ao vivo. A rústica decoração da sala é, como a comida, uma ode aos sentidos. Num espaço em que os pratos sabem melhor partilhados, no embalo de uma conversa entre amigos.
Nos claustros do intemporal Convento dos Lóios, o Grupo de Danças e Cantares Regionais do Orfeão da Feira está em ensaios. Homens, mulheres e crianças de todas as idades vestem trajes cosidos à mão, inspirados nas vestimentas do século XX.
Ao som de cantigas de outra época, evocam-se memórias da terra. E nas paredes do monumento ecoam décadas de história. Em tom de despedida, as Cantadeiras d’Antanho erguem voz e alma aos céus:
Aí vem o luar
Por trás dos pinhais
Adeus meu amor
Para nunca mais