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18 julho 2018
Texto de Irina Fernandes Texto de Irina Fernandes Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes

Um silo de saúde

​​​​​Um ponto de apoio para jovens famílias que vivem na ilha.

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Farmácia Lecoq - Horta, Ilha do Faial

As águas da Baía do Porto Pim movem-se serenas. São poucos os rostos que, a esta hora, 14h20, se deixam ver nas ruas da cidade da Horta. É sábado. Há veleiros atracados na marina e a Montanha do Pico enche a paisagem. 

Uma mulher entra acelerada na farmácia. Traz urgência de mãe. «Ontem, a minha filha esteve doente e faltou à escola. Então, o professor enviou-me, por e-mail, os trabalhos de casa e eu vim aqui à farmácia pedir o favor especial de imprimirem a ficha», conta Sílvia Avelar, 42 anos. Natural de Évora, vive na ilha do Faial há 11 anos. «Aqui são todos nossos amigos e é isso que me faz ter à vontade para vir cá pedir isto. É uma casa de confiança».


Sílvia Avelar veio à farmácia imprimir a ficha de trabalho escolar da filha

Lá dentro, destaca-se um quadro com um compromisso claro, especialmente dirigido aos pais: Crianças felizes são adultos saudáveis! Conte com a ajuda da nossa farmácia. A Farmácia Lecoq é um ponto de apoio para as jovens famílias que persistem em viver na ilha. «Temos muitos brinquedos e produtos para crianças», anuncia Diva Bettencourt, farmacêutica e directora-técnica, de 36 anos.

Um serviço de saúde de proximidade é especialmente valioso para quem vive rodeado pelo o​ceano Atlântico. Celeste Fontes, 52 anos, não esquece o dia em que a mãe passou por uma crise respiratória. Maria da Conceição, farmacêutica proprietária há 39 anos, foi ver a doente a casa. «Ficou-me muito marcado isso, a doutora foi muito benévola», recorda a mulher.


Celeste Fontes contou com a farmácia em horas de aflição

A cidade da Horta tem hospital, mas os faialenses enfrentam dificuldades no acesso a consultas de especialidade. «Só há quando vêm médicos de fora. E, nesses dias, é uma lufa-lufa, toda a gente quer consulta», conta Maria da Conceição. As duas farmacêuticas identificam problemas em especialidades como Pneumologia, Dermatologia, Obstetrícia ou Alergologia. «Tentamos compensar o mais possível algumas das falhas que existem a nível hospitalar», expõe Diva Bettencourt.

Com a crise e as medidas de austeridade da última década, nas farmácias deixou de haver de tudo a toda a hora. Nas ilhas, o problema é especialmente sensível. O fornecimento de medicamentos pode ficar comprometido por razões climatéricas, que levam ao adiamento e cancelamento de muitos voos. As pessoas, especialmente os doentes crónicos, ficam ansiosas e os médicos inseguros.

A Farmácia Lecoq respondeu ao problema transformando-se num autêntico ‘silo de medicamentos’ em alto mar. Por forma a servir a população sem falhas, faz um grande esforço para manter grandes quantidades de medicamentos em stock.

«Tentamos ter garantido um mês em casa, para que nada nos falte», descreve Maria da Conceição. A cave do estabelecimento, acessível por escadas, funciona como armazém. Está cheia de prateleiras carregadas de medicamentos. A maior parte chega à ilha de avião, a partir de Lisboa, Coimbra ou Ponta Delgada. Quando o mau tempo aperta, a folga de stock responde às necessidades dos doentes.

Também não é fácil atrair médicos para as ilhas. Muitas vezes, tal como acontece em muitas regiões do continente, a solução passa pela contratação de estrangeiros. Os problemas da língua vão desaguar ao balcão da farmácia. «Há utentes a virem ao nosso encontro por causa de dúvidas que lhes surgem no contexto hospitalar. As pessoas têm muita dificuldade em entender os médicos espanhóis ou venezuelanos». É na farmácia, onde se sentem mais à vontade, que acabam por esclarecer as dúvidas.

Situada na linha de água, a Farmácia Lecoq é um dos estabelecimentos comerciais mais antigos do Faial. Foi fundada em 1882, pelo farmacêutico que lhe deu o nome. Chegou às mãos da família Bettencourt no ano de 1979.


Fundada em 1882, a Farmácia Lecoq é um dos comércios mais antigos dos Açores

O tempo teceu relações fortes entre as farmacêuticas, a sua equipa e muitos faialenses. É o caso de Maria de Fátima Goulart, 68 anos. Entra na farmácia cheia de vida e com passo apressado, pousa os cotovelos no balcão e solta a boa-disposição. «Temos aqui umas coisas a tratar, doutora! E hoje não me posso demorar. A minha neta faz anos e eu vou para a festa».

Utente e farmacêutica desfazem-se em gargalhadas. «Com o passar dos anos construímos uma grande amizade. E agora até jogamos às cartas», conta Maria de Fátima. Nas manhãs em que sai para as compras, vem sempre visitar Maria da Conceição. Não falha uma, é uma coisa científica. «Até o meu marido, quando não sabe onde estou, vem aqui procurar-me», conta a utente, sempre divertida.

Para além de cumplicidade, os faialenses mostram muita confiança no serviço. «É aqui que venho sempre mostrar as análises do meu marido. Se os parâmetros estão para além dos valores previstos nas tabelas, venho logo ter com a doutora Maria da Conceição, pois ela também é analista», conta Maria de Fátima. «Só depois é que decido se vou, ou não, ao médico», assegura esta antiga funcionária pública.

Na ‘ilha azul’, como foi baptizada por Raul Brandão, o sábado corre como previsto. A neta de Maria de Fátima sopra as velas do bolo de aniversário, enquanto a filha de Sílvia Avelar faz os trabalhos de casa. Há veleiros atracados na marina e a Montanha do Pico enche a paisagem.

 

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