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30 novembro 2018
Texto de Carina Machado Texto de Carina Machado Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

Um livro é o melhor presente

​​​​Richard Zimler tem um novo romance e uma segunda vida de aventuras em Portugal.

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​Richard Zimler lançou um novo romance. "Os Dez Espelhos de Benjamin Zarco" é o seu 11.º livro. O quinto do ciclo sefardita que o autor luso-americano iniciou em 1996, com a publicação de “O Último Cabalista de Lisboa”. Numa conversa em casa, conta que se trata de histórias independentes, que apenas têm em comum o facto de as personagens serem elementos da família judaico-portuguesa Zarco. «Cada livro é diferente. Não quero repetir aquilo que já fiz», afirma.

A trama de "Os Dez Espelhos de Benjamin Zarco" decorre em torno da vida de dois primos, Benni e Shelly, sobreviventes do Holocausto que se recusam a falar desse passado. «É uma história sobre as relações que mantêm, com as esposas, os filhos, os amigos. E de como as relações são afectadas pelo sofrimento que viveram em crianças». No fundo, diz, «é um exercício sobre o modo como transmitimos os nossos traumas aos outros, apesar da vontade de não o fazermos».

O autor confessa ser seduzido pelos temas incómodos e assume uma certa voracidade pela exposição «daquilo que outros prefeririam branquear ou esquecer». Foi ele quem recuperou do esquecimento, no primeiro romance, o massacre lisboeta.

Em 1506, dois mil cristãos-novos foram perseguidos e queimados no Rossio. «Orgulho-me de ter resgatado a memória destas pessoas. Mas não o fiz por algum rasgo de santidade ou sentido de missão. Faz parte da minha personalidade subversiva», garante. «Sinto prazer em poder recontar a História na perspectiva dos vencidos e oprimidos».

Encontrou os primos Zarco, como sempre aconteceu, nas vastas pesquisas que desenvolve. Neste caso, o objecto de atenção era o gueto judaico de Varsóvia. «Estudo muito, faço muita investigação, e é desse trabalho que, inesperadamente, surgem as personagens», relata. Descreve o processo como algo quase mágico. «Sei que isto pode soar um bocado californiano, mas realmente parece que estou a canalizar vibrações do próprio universo».



A escrita é espaço de exorcismo pessoal das próprias vivências, e os traumas das personagens alimentam-se também das experiências do autor. 

Richard Zimler nasceu em Roslyn Heights, um subúrbio de Nova Iorque, em 1956. É o terceiro filho de uma família judaica disfuncional. A mãe, cientista proeminente, entrou em depressão clínica quando ele tinha dez anos. «Temi muitas vezes chegar da escola e encontrá-la morta», confessa. O pai, publicitário nova-iorquino de sucesso, era uma pessoa amarga, emocional e fisicamente violenta. «Quando estava a preparar o romance “Sentinela”, onde falo do abuso de dois irmãos, foi-me muito fácil criar uma casa com uma atmosfera de terror», recorda o escritor.

Nunca foi próximo do irmão mais velho. Com o do meio, só em adultos foram capazes de desenvolver uma decisiva amizade. «Ele era troçado na escola pelos tiques homossexuais e tinha uma relação péssima com o meu pai. Descarregava em mim». 

Richard fugia. Passava os dias na rua, entre a escola e os jogos de basquetebol com os amigos. Em casa, escondia-se no quarto onde a mãe guardava os livros. Leu muito sobre muita coisa. Nesse quarto nasceu a ideia para aquela que viria a ser a sua primeira obra, hoje traduzida em 23 línguas.

Formou-se em Religião Comparada e em Jornalismo. No estágio na agência United Press, em Paris, fez a cobertura da morte da princesa Grace, do Mónaco. Editou revistas, trabalhou como jornalista freelancer, publicou os primeiros contos. Conheceu o homem com quem partilha a vida há mais de 40 anos. Há 28 mudou-se para Portugal, depois da morte do irmão do meio nas garras da sida, processo penoso que o marcou profundamente. Quase lhe secou a sede de viver. Precisou de atravessar um oceano para renascer. Pediu a nacionalidade portuguesa e começou uma segunda vida. «O Richard de antes já não existe. Em Portugal tornei-me outra pessoa».



Richard Zimler explica por que quis ser português.

​Como foi a sua adaptação a Portugal?
Foi difícil. Tive de aprender uma nova língua, tive de me adaptar a um novo modo de pensamento. A mentalidade americana é diferente. Os EUA são um país muito informal. Cinco minutos depois de conhecer um americano ele já está a falar do divórcio, do filho drogado, do tecto da casa que está a cair. Um português em 1990, quando cheguei, nunca falava da vida privada. Falava de arte, filosofia, desporto, temas que não me permitem estabelecer amizades profundas e duradouras com alguém. Levei anos a conseguir bons amigos.

Porque é que quis ser português?
Porque vivo cá. Estou cá há 28 anos e quero poder participar na sociedade, exprimir a minha opinião, votar.

Diz que renasceu aqui. Porquê?
Tudo na minha vida mudou. Aprendi a dar aulas cá. Comecei a escrever romances cá. “O Último Cabalista de Lisboa” foi publicado pela primeira vez em Portugal, depois de ter sido rejeitado por 24 editoras americanas. Os meus leitores mais fiéis em todo o mundo são portugueses. Além disso, estou intimamente ligado às paisagens, à comida, à língua. Em Portugal tornei-me realmente outra pessoa. Sou alguém mais rico, mais confiante, mais inteligente, mais sensível.​
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