Em época de vindimas, quase tudo em Borba parece girar em torno do vinho, os campos à volta pintam-se com o dourado do outono. No caminho para a vila alentejana, montes de pedras empilhadas ao lado de escavações formam grandes esculturas na paisagem. Estas escombreiras dão conta da outra atividade económica que historicamente rivalizou com a vitivinicultura. Mas a extração de mármores, cuja principal fonte de receitas era a exportação, está agora em declínio, «com a concorrência de outras regiões do mundo», explica Miguel Ribeiro, de 39 anos, proprietário da Farmácia Central.
O farmacêutico Miguel Ribeiro no estúdio da Associação Rock Best Friends, a tocar uma música de Sting
Miguel apresenta-se como farmacêutico «entre muitas outras coisas». Tem, com um grupo de sócios, um projeto de cultivo de canábis para fins medicinais e há cerca de três anos criou com amigos a Associação Rock Best Friends, que junta 81 associados, muitos deles espanhóis que vêm à vila alentejana gravar no estúdio. Sendo um filho de Borba, tem também uma herança ligada ao vinho: juntamente com a mãe, é dono do Monte da Boavista.
A Adega de Borba é o primeiro ponto do passeio. Foi criada em 1955 e neste momento agrega 270 associados, cujas vinhas ocupam cerca de 2.300 hectares nos campos em volta. Em 2022, foram produzidos 11,2 milhões de litros de vinho.
A garrafeira histórica com dezenas de exemplares de garrafas para exportação. A primeira data de 1968
Quando a visita guiada chega à zona da garrafeira histórica, Andreia Gonçalves, a responsável de marketing, refere que se apercebe que os visitantes deixam de a ouvir. Os smartphones começam a disparar para captar fotografias. São as garrafas com etiquetas penduradas, embuti- das nas paredes do chão ao teto, que chamam a atenção. O motivo deste esplendor visual deve-se a uma imposição administrativa para resolver eventuais disputas. «O Instituto da Vinha e do Vinho exigia que se guardasse uma garrafa aqui como contraprova para cada exportação. Isto era para evitar as reclamações dos clientes. As garrafas iam por mar e podiam não chegar nas melhores condições. Assim tínhamos aqui um exemplar para garantir que o nosso produto saiu em condições». A primeira garrafa foi enviada de Borba em 1968, com destino a Macau. Ainda hoje a exportação, sobretudo para o “mercado da saudade” ― EUA, Brasil e Suíça ― representa 25% das vendas da empresa.
A visita à adega acaba na chamada Adega Nova, às portas da vila. A simplicidade das linhas horizontais do desenho só é descodificada de perto. Nos últimos anos, a cooperativa aderiu à sustentabilidade e o novo edifício é prova disso. “Prateleiras” em toda a parede exterior, feitas com restos de mármore, fazem o sombreamento, garantindo que o interior do armazém inaugurado em 2015 não precise de refrigeração, mesmo nas inclementes temperaturas alentejanas. A despedida é feita com uma prova de vinho, acompanhado com pão e azeite da terra.
As talhas da Casa Museu Interativa de Borba. Uma visita com apoio digital num espaço com uma história que começou em 1937
A Casa Museu Interativa de Borba é outro dos pontos onde a tradição se cruza com a modernidade, aqui de forma ainda mais evidente. É uma casa do século XIX onde Esmeralda e Mariano Rézio viveram desde que se casaram, em 1937. Aqui produzia-se vinho da talha (recipiente em barro, de grande capacidade), uma técnica do tempo dos romanos. Agora, as primas Teresa e Amélia ― ambas a viver em Lisboa, mas que passavam as férias com os avós em Borba ― decidiram que esta história não se perderia. Recuperando o mais possível o aspeto original, o museu conta desde 2021 a sua história, com ferramentas modernas: é possível acompanhar o percurso usando um tablet ou smartphone que trazem à vida animações onde se explica os processos antigos. A investigação sobre a casa foi feita por José Manuel Rézio, pai de Teresa, mas há aspetos ainda misteriosos: «Como é que estas talhas entraram aqui, se algumas são maiores que as portas da casa? Terão sido feitas aqui?», interroga-se. É ainda possível reservar experiências. Amélia Rézio destaca o passeio em mota sidecar até ao local da Batalha de Montes Claros, onde os espanhóis foram derrotados pondo fim ao reinado dos Filipes e iniciando-se a Dinastia de Bragança.
A Casa Museu Interativa de Borba fica no n.º 2 da Rua 1.º de Maio e é impossível não se dar por ela. A sua varanda é encimada por um pórtico pintado em amarelo e de onde, recorda Miguel Ribeiro, a sua avó materna via a principal procissão da terra até pouco tempo antes de morrer. Ainda hoje se realiza a Procissão em Honra do Senhor Jesus dos Aflitos, em agosto, evento que atrai milhares de pessoas à vila. Nessa altura a imagem percorre os quatro Passos Processionais, pequeníssimas capelas só com um altar, construídas em 1755, que se espalham pela vila. Estes marcos barrocos encontram-se fechados, mas dão grande encanto à vila.
Fachada da capela do Convento das Servas, num bonito largo central. A capela está aberta para orações
O Posto de Turismo de Borba situa-se nos Paços do Concelho, na Avenida 25 de Abril, e é uma boa forma de começar os passeios. Quem visitar Borba irá reparar na limpeza das ruas e no facto de todas as casas parecerem recentemente caiadas de branco. Numa vila de pouco mais de três mil habitantes, segundo o Censos de 2021, as pessoas cumprimentam-se nas ruas. Pontos de passagem obrigatórios são o largo onde se edificou o Convento das Servas, que estará destinado a um empreendimento turístico e está encerrado. Mas a bonita capela, com a parede exterior em mármore igual ao do Paço Ducal de Vila Viçosa, está aberta para orações. A Fonte das Bicas, outra das imagens de marca de Borba, fica no centro de uma praça ampla rodeada de jardins, com um coreto e par- que infantil, um dos sítios preferidos de Miguel Ribeiro.
Outro dos pontos de paragem obrigatória é o castelo medieval que terá sido mandado erigir por D. Dinis como estrutura de defesa fora da povoação, mas que com a expansão da vila acabou integrado na malha urbana. O edifício está ainda em bom estado de conservação, com as suas Porta do Celeiro, Porta de Estremoz e a Torre de Menagem.
No Alentejo come-se bem e Borba não escapa à regra. O Espiga, restaurante da Adega de Borba, fica num espaço contíguo à loja. Requintado, serve o melhor da gastronomia da região, como o cozido de grão, a açorda de galo e o ensopado de lebre. O mais popular Tasca dos Coelhos, já fora da vila, serve comida caseira alentejana num ambiente simples e agradável.
É obrigatória a visita ao Paço Ducal de Vila Viçosa, onde D. Carlos dormiu na sua última noite
De Borba a Vila Viçosa é um pulinho de menos de dez km, que nos dias de hoje se percorre em minutos. Em tempos, a rivalidade entre as duas vilas era grande, «mas hoje isso já não acontece», sustenta Miguel Ribeiro. Prova disso é a sua esposa ser de Vila Viçosa, acrescenta. Uma visita ao magnífico Paço Ducal é, por isso, um bom culminar de uma visita a Borba.