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12 dezembro 2019
Texto de Patrícia Fernandes Texto de Patrícia Fernandes Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes

Tesouro escondido

​​​​​​​A farmácia tem de sobreviver​ com 1.150 fregueses, um terço da comunidade prevista na lei.

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Algarve: sinónimo de férias, bom tempo, praias magníficas. Este é o Algarve que todos conhecem. Já o Algarve serrano, das casas isoladas caiadas de branco e dos solos férteis, onde passeiam águias e javalis, longe das multidões e dos serviços, permanece um tesouro escondido para a maioria.

A 60 quilómetros do mar, em São Marcos da Serra, Silves, reina a agricultura e a pastorícia. A Farmácia Nova abriu portas a 28 de Outubro de 2010, pelas mãos de Cláudia Caroço, farmacêutica e proprietária. A carta do Infarmed tardou a chegar. Ela ia todos os dias para o edifício da futura farmácia e ali ficava.

Até que chegou o carteiro com o alvará na sacola. Foi em cima do capô do carro que assinou o registo e disse: «Vamos abrir a porta!».


A diabetes obrigou José Martins a abrandar o ritmo de trabalho

A lei prevê 3.500 pessoas como população mínima para a abertura de uma farmácia, mas aqui não há tanta gente. A Farmácia Nova tem de sobreviver a servir 1.150 fregueses. José Martins, de 69 anos, é um deles. «Tenho diabetes e daqueles bem marafados», conta o algarvio. A doença arrastou-o para o hospital. Um problema no sangue não deixava a insulina actuar. Esteve lá 28 dias. Em consequência, perdeu bastante peso. Foi pedreiro durante muitos anos. Quando a diabetes lhe bateu à porta deixou de fazer trabalhos para fora e passou a dedicar-se a outros mais pequenos. «Agora, não há que trabalhar mais. É hora de descansar», sorri.

Felizmente, José tem carro, mas muitos outros utentes não. Os transportes públicos são escassos e têm horários reduzidos. Os serviços de urgência ficam a quilómetros de distância. Resta a quem vive longe o serviço de transporte da junta de freguesia que, dois dias por semana, traz a São Marcos as pessoas que vivem dispersas pelos 155 quilómetros quadrados de serra. 


Desde 2011 que não há comboios em S. Marcos da Serra

A farmacêutica e uma técnica de farmácia fazem tudo o que podem. Marcam exames, prestam aconselhamento, alertam os utentes para se deslocarem ao médico, explicam para que serve cada medicamento. Um trabalho fundamental, sobretudo para uma população idosa, com baixa literacia em saúde. 

Com o frio, apareceram as primeiras gripes. A farmácia administra vacinas, medicamentos e conselhos numa linguagem simples. «Muita aguinha e um bom sofá», recomenda a farmacêutica a José Pires. O homem responde que o sofá até é boa ideia, mas a água não vai muito com ele. «Olhe que os bichinhos da gripe fogem da água, gostam é que esteja tudo seco», insiste Cláudia Caroço.

Mesmo quando vão a consultas a Silves, os utentes preferem aviar as receitas na farmácia da terra. É curioso como se sentem responsáveis pela viabilidade económica do serviço. «Como moro aqui, não vou para fora deixar o dinheiro noutro lado. Os da terra também precisam», explica José Pires. 


«Se a farmácia fechasse, seria uma catástrofe», alerta Joana

Joana veio cá buscar a medicação para os sogros. São doentes crónicos, já não vivem sem ela. «Se a farmácia fechasse seria uma catástrofe», exclama. «A população é muito idosa, não há transportes públicos. A freguesia tem uma área muito extensa. As pessoas de Pereiras, Santana, Azilheira não têm farmácia, vêm todas aviar aqui», descreve. 


Sónia Silva leva nove anos de contacto diário com as pessoas

Num meio assim, a entreajuda entre pessoas, serviços e pequenos comércios é especialmente preciosa. Há quem guarde os medicamentos para aqueles que não conseguem ir à farmácia durante o horário de funcionamento. «Geralmente acontece muito​ ao sábado à tarde e ao domingo. Como estamos fechados, as pessoas telefonam e dizem: "Preciso tanto disto e não chego aí a horas, pode deixar no café?"», conta Sónia Silva, técnica de farmácia. «É uma mais-valia», completa. 

As farmácias que servem populações mais isoladas precisam muito de meios expeditos de contacto com os médicos. «Deveriam dar mais ferramentas às farmácias, para podermos garantir uma resposta aos que nos procuram. Temos situações que não conseguimos resolver. As pessoas não conseguem ir ao hospital… e é difícil convencê-las a dirigirem-se a um cuidado de saúde», refere a farmacêutica proprietária.

O centro de saúde passava a vida a mudar de médico, o que era um problema para a farmácia, forçada a mudar constantemente de stocks para se adaptar ao receituário de cada um. Por isso, a farmacêutica celebra o facto de o actual resistir há ano e meio. «Esta estabilidade permite satisfazer melhor as necessidades dos utentes», elogia Cláudia Caroço. 

É difícil encontrar profissionais de saúde dispostos a ir viver para São Marcos da Serra. Falta, por exemplo, um fisioterapeuta. Existe transporte gratuito para aqueles que fazem fisioterapia. As pessoas são recolhidas de terra em terra e levadas em grupo. «Cada um faz a sua fisioterapia, mas depois demoram seis ou sete horas a chegar a casa, porque têm de estar à espera que os outros acabem. O mesmo acontece a quem faz hemodiálise», descreve a farmacêutica, com desânimo. 


«Aqui, são mais atenciosos do que em Inglaterra», elogia Mike Eden

Apesar de não se poder comparar à atracção turística das praias de Albufeira ou Portimão, São Marcos da Serra é ponto de passagem para muitos estrangeiros. E de paragem para outros. Mike Eden vive na freguesia há 27 anos. É o imigrante mais velho. Veio em 1968 para Lisboa, onde os pais tinham uma empresa de seguros, mas considera o Algarve «muito melhor».

A relação com a farmácia também é óptima. «Em Inglaterra, quando alguém se queixa de uma dor de garganta, o farmacêutico trata de dispensar ou não os medicamentos. Aqui, fazem perguntas, ajudam mais, são mais atenciosos», garante o cidadão britânico. Reformado desde o Natal, tem-se dedicado a ajudar os bombeiros da terra, comprando-lhes uniformes, comida e água. Uma causa com a qual se preocupa muito. Os incêndios são o mais recente dos graves problemas da interioridade.​​
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