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12 dezembro 2019
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

Formigas no Inverno

​​​​​​​​Quatro farmacêuticos e cinco técnicos disputam os clientes.

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Já quase não há vestígios do Verão no Algarve. O extenso areal da Praia da Rocha está deserto, com excepção de um ou outro caminhante. Nas ruas ainda circulam vários carros. Mais um mês e não se vê ninguém, garante Jorge Santos. «No Inverno não há nada, nada, nada, está tudo fechado, morto», diz com tristeza este algarvio quase de gema. Veio para o Algarve aos quatro anos, hoje trabalha como porteiro num condomínio perto da fortaleza da Praia da Rocha. A esposa, Conceição, prefere o Inverno. Acha o Verão muito stressante, queixa-se da subida dos preços nos supermercados. A grande maioria dos algarvios vive o Verão como a formiga do conto de La Fontaine: a amealhar. O Verão representa a sobrevivência no resto do ano. Quando termina Setembro, vêem as cigarras partir num misto de alívio e preocupação. Não é fácil viver a duas velocidades.


«Somos a porta para a saúde na Praia da Rocha», orgulha-se a farmacêutica directora-técnica, Isabel Palma Santos

A Farmácia Palma Santos, a única da Praia da Rocha, só existe porque há turismo. O número de residentes não justifica a existência de uma farmácia. Foi graças à população flutuante que Pedro Santos e Isabel Palma Santos, os co-proprietários, conseguiram o alvará em 1988. A farmácia nasceu do turismo e vive sobretudo do turismo. Mais de 80 por cento da facturação realiza-se em dois meses de Verão. O sol atrai seis vezes mais clientes. Chegam a ser 500 atendimentos, contra 70 nos dias de Inverno. Em anos passados, quando chegavam à Rocha ainda mais turistas, a farmácia chegou a atender mil pessoas num só dia. «É uma loucura, mas ainda que não queiramos precisamos desta grande afluência para viver», explica Pedro Santos.

A equipa é a mesma ao longo do ano. Quatro farmacêuticos e cinco técnicos, que não têm mãos a medir nos meses de Verão e quase disputam os clientes no Inverno. Tem de ser assim. Ao contrário de outras profissões, este é um trabalho especializado, não existe o conceito de temporário. «Ninguém quer vir trabalhar só no Verão, é inviável». Para responder ao pico da procura, Pedro Santos faz as grandes encomendas com antecedência, o que requer liquidez e espaço para stocks. Aqui, todos os medicamentos se vendem mais no Verão, até os antigripais. Os proprietários não têm ordenado fixo, vivem dos lucros do Verão. «É extraordinariamente difícil gerir uma farmácia com esta sazonalidade», desabafa.​

«É extraordinariamente difícil gerir uma farmácia com esta sazonalidade», diz o co-proprietário Pedro Santos

Não há esperança de fidelizar o grosso dos clientes. Simplesmente não vão regressar, mesmo que por vezes haja surpresas, com turistas que voltam no ano seguinte, trazendo lembranças. As relações duradouras criam-se com os residentes e aqueles que trabalham nos hotéis. «Somos uma farmácia de aconselhamento, a primeira porta para a saúde na Praia da Rocha», orgulha-se a directora-técnica. Quando não consegue dar resposta, Isabel Palma Santos encaminha para o médico. Na Praia da Rocha existem duas clínicas privadas. Já houve alturas sem qualquer resposta médica. Centro de saúde e hospital só em Portimão. 

Alguns clientes vêm à Farmácia Palma Santos desde a abertura, quando ainda estava nas pequenas instalações alugadas ao Hotel da Rocha II. Hoje são 200 metros quadrados, na paralela à avenida da praia. Estela Santos é freguesa desde o arranque. Fez a vida na Rocha, a vender bordados da Madeira no Hotel Algarve. Foram mais de 30 anos, até ao dia em que os bordados da China derrotaram os madeirenses. Hoje mora no Alvor, tem farmácias perto de casa, mas prefere vir à Palma Santos. Ela e as filhas. «A simpatia da doutora e o à-vontade que sentimos aqui é tudo para nós. Ficamos encantadas».

Os algarvios gostam das suas farmácias principalmente de Inverno, quando não têm de ficar na fila à espera. Jorge Santos chega a vir de propósito, só para conversar. «No Inverno, a farmácia é a única coisa aberta, venho só para brincar com elas, são uns amores». Jorge gosta da informalidade. «Não é preciso usar “senhor doutor” e “senhora doutora”. Aqui é “ó Vânia, ó Maria". Assim é que é bonito!».

A farmácia está aberta 364 dias por ano com horário alargado. A excepção é o dia de Natal. No Verão, encerra à meia-noite. Este Inverno vai fechar às 21 horas. Até o final de Outubro, atendia até às 23 horas. «Há imensa dificuldade em encontrar profissionais de saúde no Algarve», justifica, com pena, a directora-técnica.


«Não conseguiria organizar-me sem esta farmácia», confessa a irlandesa Phyllis de Lima, cliente há quase 20 anos

A irlandesa Phyllis de Lima sabe de cor o horário. Usa a Farmácia Palma Santos há quase 20 anos, desde que veio morar para Portugal com o marido, ambos reformados. Os pequenos olhos muito azuis iluminam-se quando fala do amor que tem ao Algarve. O clima, a comida maravilhosa, a «bonita vida saudável» que o Algarve oferece aos reformados.​ Há dois anos perdeu o marido mas, enquanto puder, quer continuar a morar na Rocha. Sente a farmácia como parte da sua casa, não concebe perdê-la. «Não conseguiria organizar-me sem esta farmácia. São todos tão prestáveis e simpáticos, nem sonharia em ir a outro sítio», diz em inglês. Phyllis tenta falar português, mas tranquiliza-a saber que toda a equipa domina o inglês, caso se atrapalhe.

Além do inglês, alguns elementos da equipa “arranham” espanhol, francês e alemão. Pedro Santos sente que o domínio de várias línguas transmite confiança aos clientes estrangeiros. Muitos também apreciam o esforço que a equipa faz para descobrir o equivalente português dos medicamentos que procuram. 


A esteticista Retha Scheffer valoriza a confiança na equipa da farmácia: «Sentimo-nos entregues em boas mãos»

A trabalhar como esteticista no mesmo edifício da farmácia, Retha Scheffer é outra freguesa habitual. Às vezes acompanha as clientes estrangeiras à farmácia. Natural da África do Sul, viajou muito e acabou por escolher o Algarve para viver. Na farmácia valoriza o mesmo que aprecia na vida na Praia da Rocha: relações de proximidade e confiança. «Sentimo-nos entregues em boas mãos». ​
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