As farmácias têm prejuízo para garantirem a dispensa à população dos medicamentos comparticipados pelo Estado. É esta a grande conclusão do estudo “Sustentabilidade da Dispensa de Medicamentos em Portugal”, realizado pela Universidade de Aveiro (UA) em colaboração com a sociedade de revisores oficiais de contas Oliveira, Reis & Associados.
O estudo, elaborado a partir das demonstrações financeiras reais de uma amostra de 1.470 farmácias, conclui que, em 2016, a farmácia média teve um resultado líquido negativo de (-3.836€) pela dispensa de medicamentos comparticipados. As farmácias perdem sete cêntimos por cada dispensa. Na realidade, o prejuízo está disseminado por mais de metade da rede: 63% das farmácias sofreram resultados negativos com o mercado regulado.
Os autores procederam à análise dos dados reais das farmácias, não só em 2016 como em 2015, fazendo ainda projecções para 2017. Em todos os anos em análise, o resultado líquido da farmácia média apurado para o segmento de medicamentos comparticipados teve resultados negativos. Em 2015, foi de -3.434€ e agravou-se para -3.836€ em 2016. As projecções para 2017 indiciam uma ligeira recuperação, com o prejuízo estimado em -1757€, ainda assim «insuficiente para reverter a situação económica do sector».
«A consistência de resultados com estudos anteriores evidencia a falência do modelo económico das farmácias, consequência de redução acentuada de preços e margens negativas, sem que seja viável compensar a perda de margem pela venda de outros produtos e serviços», conclui o estudo. Os medicamentos comparticipados representam 72% das vendas totais das farmácias. As medidas de austeridade foram especialmente duras neste domínio. Os preços e as margens sofreram cortes no valor de 286 milhões de euros até 2016, decréscimo muito superior à redução de 50 milhões de euros fixada pela Troika no programa de assistência financeira.
O Estado determina o preço máximo dos medicamentos mas não salvaguarda a sustentabilidade da margem de comercialização. As farmácias são vulneráveis a decisões políticas circunstanciais, em momentos de aperto financeiro, mas também às políticas comerciais da indústria farmacêutica. «A actividade das farmácias é fortemente influenciável pelas medidas políticas para redução do preço do medicamento, bem como por decisões de redução voluntária por parte da indústria farmacêutica
», expõe a UA.
Este quadro regulamentar tornou-se insustentável. «O modelo económico actual para a dispensa de medicamentos sujeitos a receita médica e não sujeitos a receita médica comparticipados não é economicamente viável», conclui o relatório.
Como mecanismo de controlo, foi efectuada uma comparação com os dados do Banco de Portugal, a fim de «garantir a qualidade e robustez dos resultados obtidos». Apesar de as bases de dados não serem as mesmas, «a ausência de diferenças significativas entre os resultados dos dois estudos contribui para fortalecer a robustez e fiabilidade da metodologia adoptada no presente estudo».
A conclusão acerca da inviabilidade económica do serviço das farmácias é ainda reforçada pela consistência dos resultados obtidos com abordagens metodológicas diferentes. «Estes dados, complementados com o número de farmácias em insolvência ou com situação de penhora, que constituíam, em 2016, 19,3% das farmácias do país, indiciam que pode estar em causa a viabilidade da rede de distribuição de medicamentos à população», pode ler-se nas conclusões do estudo.