«Eu levo o saco!», insiste Miguel enquanto carrega, a bicicleta de competição. Natural de Alcácer do Sal, Miguel Pacheco, 30 anos, irradia luz. Em cada gesto ou palavra, há nele brilho, coragem e determinação. «Quando há vontade, tudo se consegue!».
A trabalhar numa fábrica, no sul dos Países Baixos, na cidade de Vlissingen, onde prestava serviços como operador de máquinas como tornos e fresas (usadas para executar tarefas de perfuração e fresagem), a 28 de maio de 2019 sofreu um acidente de trabalho, o qual viria a mudar-lhe a vida.
A operar com uma fresadora, «devido a problemas de software e inconsistências da máquina», foi «puxado para a área de trabalho», daí resultando a amputação do membro superior direito.
Sentado no chão da fábrica e gravemente ferido, Miguel Pacheco deu provas, logo ali, de que aquele acidente não lhe haveria de ceifar a alma e os sonhos. «Fiz o meu próprio torniquete. Com a camisola de um colega meu, estanquei a hemorragia», conta, frisando que «só queria sobreviver, como é óbvio!».
Ainda nos Países Baixos, enfrentou um mês de internamento e três operações «devido às infeções que iam surgindo. O acidente mudou muita coisa na minha vida. Acima de tudo, fez-me renascer!».
Miguel transformou a tragédia em vitória. No quarto do hospital, superou-se a cada hora que passava, focando-se em cumprir um só objetivo: reerguer-se. «O Miguel tem uma capacidade de adaptação extraordinária. Após o acidente, foi uma pessoa muito lutadora e persistente, nomeadamente nas pequenas coisas. Quis barbear-se e lavar os dentes, quando ainda estava internado no hospital. Mais tarde, também quis ser ele a mudar a fralda ao nosso filho…», elogia a mulher, Ângela Martins, 31 anos, técnica superior de diagnóstico e terapêutica de cardiopneumologia, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
Focado na recuperação, iniciou sessões de fisioterapia dentro de água, «Para mim, estar na piscina era uma adrenalina espetacular. Nunca tive medo», garante o jovem atleta, Ainda nos Países Baixos.
No dia em que teve alta, apesar de o médico que o operou o aconselhar a «deixar o corpo recuperar», Miguel, que até então não praticava desporto com regularidade e apenas costumava andar de bicicleta aos fins de semana, fintou a medicina. «Assim que desci do carro, fui andar. Fiquei muito satisfeito ao ver que era capaz e constatar que o acidente não me tinha levado tudo», explica.
Aos 30 anos, Miguel Pacheco é campeão nacional de paraciclismo em estrada e pista
A singela conquista daquele dia viria a ser, na verdade, a primeira de muitas vitórias ao guidão de uma bicicleta.
De regresso a Portugal, confrontado com o fecho de piscinas advindo do contexto pandémico que então se vivia no país, recusou-se a ficar em casa e a manter uma vida sedentária.
A bicicleta passou a ser a sua fiel companheira e, no início de 2021, o paraciclismo tornou-se uma motivação para levar a vida em frente.
Sem demoras, ainda a adaptar-se a uma nova forma de viver, Miguel Pacheco revelou-se um atleta talentoso.«Hoje dedico-me a tempo inteiro à atividade desportiva. Já faço parte da equipa da Academia EFAPEL de Ciclismo, na vertente de paraciclismo», conta, visivelmente orgulho.
Os feitos desportivos não tardaram a chegar. É detentor do título de campeão nacional de paraciclismo CRI (Contra-Relógio Individual) em 2022. «Ao andar de bicicleta, quero mostrar às pessoas que as coisas más podem acontecer, mas é sempre possível construir algo de positivo», vinca o atleta.
Ainda no mesmo ano, conquistou o primeiro lugar (medalha de ouro) na final da Taça de Portugal e o terceiro lugar (medalha de bronze) em Prova de Fundo.
A par do paraciclismo de estrada, Miguel assumiu um outro desafio desportivo: o paraciclismo de pista, onde também já alcançou resultados de êxito. Em novembro, garantiu o segundo lugar na final da Taça de Portugal de pista.
Medalhado em competições de norte a sul do país, Miguel Pacheco sonha em conquistar novos feitos desportivos
«Consegui adaptar-me bem à bicicleta e à prótese, a qual me ajuda a ter mais estabilidade. E, é claro, perdi o medo que tinha e já consigo passar as curvas mais inclinadas!», revela, a rir-se.
Embora assuma que o uso da prótese não é fácil, Miguel ambiciona chegar mais longe na modalidade. «Quero progredir no mundo do paraciclismo de estrada e de pista, e chegar a patamares superiores».
Não tem dúvida de que aceitar a nova condição física desde cedo, e manter uma atitude positiva, foi decisivo para singrar como atleta e homem. «Tive de aceitar quem sou, como sou e continuar».
Em casa ou na rua, é autónomo. «Consigo vestir-me, alimentar-me, também faço tarefas domésticas, e conduzo», descreve. «Faço tudo, mas no meu tempo». É com humor que, agora, faz frente às tare fas do dia a dia que se revelam mais desafiantes. «Ao início, quando não conseguia fazer algo, irritava-me muito, ficava nervoso e descarregava na minha família. Presentemente, começo-me a rir. E volto a fazer de novo».
Entre as medalhas de ouro e de prata que, aqui e ali, vai conquistando de norte a sul do país, Miguel tem na família, a esposa e o filho, Vasco,
de 15 meses, as suas duas mais belas conquistas pós-acidente. «Queria casar e ser pai. E consegui!», sublinha, com um sorriso apaixonado.
Miguel traz orgulho ao peito. E não é para menos: com resiliência e mestria, sentado na sua bicicleta, fez o que, aos olhos de muitos, seria impensável: deu a volta à… vida.