Aos 50 anos, em 2023, lançou o livro “Não Há Vidas Perfeitas”. É um balanço de vida?
Sim, das coisas boas e das coisas más. Nesta idade temos experiência e frescura, energia e capacidade de perceber que nos falta fazer muito. Embora tenhamos noção de que a finitude está ao virar da esquina, ainda podemos alcançar muitos sonhos. Não sei é se me restam anos suficientes para caber tudo o que quero fazer. Passo esta atitude aos meus filhos [três raparigas e um rapaz]. Digo-lhes que podem ser e fazer tudo o que quiserem.
Como se imagina daqui a cinco anos?
Ainda não avó, mas já penso nisso: tenho saudades de bebés. Quero continuar a fazer o que me traz felicidade: criar personagens no cinema, no teatro ou na televisão. Daqui a cinco anos é curto, porque penso 40 anos para a frente. Tenho tantos projetos! Voltar um bocadinho às minhas raízes alentejanas, produzir azeite. E estudar para desenvolver vários projetos que tenho em mente. Quando me meto numa coisa gosto de dominar o assunto. Não é ter para dizer que tenho, faço questão em fazer parte de todo o processo. Quero ver os meus filhos crescer, assistir às suas formações académicas e profissionais.
Fernanda não pensa na reforma. «Nunca vou parar»
Pensa na reforma?
Nunca vou parar. Sou a antítese das pessoas que passam a vida a pensar na reforma. Trabalhar é o que me faz feliz, enérgica e com vontade de fazer sempre mais. Não fazer nada, nada pro- move não é bom para o corpo nem para a mente.
Como foi a sua infância?
Cheia de amor e atenção. Tive uma vida de estudante normal, foi uma fase muito feliz, sobretudo no liceu. Tão boa que alguns dos colegas ainda são dos meus melhores amigos e reunimo-nos várias vezes ao ano. Fui uma adolescente rebelde q.b., era eu que instituía as balizas até onde podia ir.
A atriz revela a infância feliz, sobretudo na adolescência, durante o liceu
Já sonhava ser modelo ou atriz?
Comecei a minha vida profissional como modelo por acaso. Aos 20 anos, quando estava em Barcelona a trabalhar nesta área, fui convidada para o casting de um filme, por uma realizadora que me descobriu, também por acaso. Como acho que tudo é possível, confiei na realizadora, Mar Targarona. Se tivesse duvidado da minha capacidade, tinha-me retraído e perdido a oportunidade de descobrir a paixão da minha vida.
Quais foram os momentos mais importantes na sua carreira?
De todos os projetos em que participo, acabo sempre por ter a sensação de que o último foi o melhor.
O facto de ter tido uma infância com dificuldades económicas levou-a a ser muito lutadora, até para dar aos seus pais o que eles não conseguiram.
Tenho a certeza de que isso foi o motor. Desde muito nova queria ser independente. Comprei um apartamento muito cedo. Fazia lá jantares com amigas, depois arrumava tudo e ia dormir a casa dos meus pais porque nunca gostei de estar sozinha. Depois comprei outra casa e pensei inicialmente que os meus pais pudessem viver comigo, mas desisti. A casa era tão húmida e gelada que, no inverno, quando entrava tinha de vestir mais um casaco.
A seguir construiu uma casa de aço. Porquê?
Quando decido uma coisa tem de acontecer imediatamente. Não gosto quando as pessoas protelam. O prazo de construção era de três anos, então vi numa revista que era possível fazer mais depressa com esta tecnologia. Tenho um lado de empreendedora, gosto de transformar e não tenho receio de fazer coisas que fogem ao que a sociedade estipula como normal. Por exemplo, ninguém iria investir na sua casa numa coisa que comercialmente poderia não ter um valor correspondente.
O seu sonho era ter cinco raparigas.
Estava longe de imaginar que iria ter tantos filhos e tão próximos. Ao primeiro filho fiquei muito contente. Quando tive a segunda pensei: "OK, já está bem". Mas depois a vida mandou vir a Maria Luísa e a Maria Caetana, e ainda bem.
«Ser mãe é a minha responsabilidade maior. O amor dos meus pais fez com que eu seja uma mãe muito presente»
Além do valor que dá ao trabalho, os filhos são a sua prioridade?
Decidi ser mãe, e essa é a minha responsabilidade maior. Eles estão cá e nós temos de fazer com que sejam seres humanos bonitos, cidadãos úteis. E, muito importante, felizes. O amor dos meus pais fez com que eu consiga ser uma mãe nesse enquadramento e muito presente. Sempre me policiei muito para não perder a infância e a vivência deles.
Considera-se uma otimista, mas nos últimos tempos tem mais alguns dias cinzentos do que antes. Isso coincidiu com o suicídio do Pedro Lima...
Foi um momento que me fez despertar. Essa realidade aconteceu com uma pessoa que me era muito próxima. E percebi que [a depressão] pode ser facilmente mascarada. As maiores ferramentas de um ator são os seus afetos. Muitas pessoas perguntam: como é que se faz para chorar? cortam cebola? põem umas gotas? Eu respondo: «sofremos». Tem de ser verdade. Se não for verdade não chega às pessoas. E por isso vamos a zonas onde os humanos normais não se propõem a chegar. Leva-nos a zonas densas, complexas e perigosas.
E é difícil desligar?
Não há um botão off para desligar as emoções no final do dia. Há personagens que ficam coladas a nós durante anos. A verdade é que eu passei a sentir na minha vida mais dias cinzentos, mais dias de depressão, sem perceber porquê. Foi um acumular de acontecimentos: a morte do Pedro, as desilusões e os contratempos da vida, que nos levam para essas zonas, e já não temos a leveza da juventude, quando temos a vida inteira pela frente. Passei a estar mais atenta a esse lado [à saúde mental].
O que faz para se cuidar nessa área?
Ainda não estou a fazer terapia, nunca fiz. Tenho andado a protelar, erradamente. Mas chegou o momento em que tenho de iniciar esse caminho.
Faz alguma coisa para ter equilíbrio emocional?
Todos os dias tento encontrar coisas boas para fazer. Tenho a certeza de que ficar parada é o pior. Ler, cozinhar, plantar, construir, pintar, o que for. Estar com pessoas. Às vezes optava por ficar na minha concha, mas isso não é bom. Não ajuda a resolver e ainda nos puxa para o sítio de onde queremos fugir. Depois de ter feito o meu percurso mais denso, a minha "travessia do deserto", cada vez mais quero voltar à minha vida solar.
Tenho a sorte de ir à farmácia para comprar suplementos, cremes, champôs, e não medicamentos
Do ponto de vista físico, como se cuida?
Procuro uma alimentação inteligente, mas sem censuras. Como tudo o que me apetece, com muita regra. Adoro cozinhar para as pessoas que amo. É um tempo para mim, mas também de carinho, de dedicação. Gosto de fazer coisas clássicas e, tirando as comidas gourmet, proponho-me fazer de tudo. E gosto muito de caminhar quilómetros, nos bosques ou nas praias. Para mim é exercício. Como vou acompanhada, é uma forma de estar com as pessoas.
Tem a sua farmácia?
Tenho perto de casa uma farmácia onde vou há uns 25 anos. Os funcionários são como amigos. Tenho a sorte de ir lá para comprar coisas que não são medicamentos: suplementos vitamínicos, cremes, champôs.