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14 maio 2021
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa Fotografia de José Pedro Tomaz Fotografia de José Pedro Tomaz

População protegida

​​Em Alverca da Beira, a Farmácia da Misericórdia cuida dos utentes.​​

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Alverca da Beira está sem consultas médicas desde Janeiro. Quando a pandemia mais ameaçou Portugal, o médico foi deslocado para o centro de saúde de Pinhel. Fechado em casa, o povo desta aldeia serrana nem teve oportunidade de protestar contra o encerramento da extensão do centro de saúde, onde duas vezes por semana tinha acesso a consultas de Medicina Geral e Familiar.

O último Censos, de 2011, contabilizava 463 habitantes na freguesia. Hoje já devem ser menos. Nasce pouca gente. A maioria dos residentes são idosos há muito regressados da emigração ou que nunca conheceram outro sítio para viver, nem outra terra para cavar.

Agora, só têm médico a 20 quilómetros de distância, o que para idosos sem carro nem carta de condução representa um problema. Mas ficou uma rede, mais unida do que nunca, de que fazem parte vizinhos, a junta de freguesia, o centro de dia da Santa Casa da Misericórdia de Alverca da Beira e a farmácia.

Quando acabaram as consultas, estas instituições uniram-se para resolver o problema às pessoas, em especial os doentes crónicos, que precisam de receitas médicas para dar continuidade aos tratamentos. As prescrições andam agora de mão em mão, num complexo processo logístico baseado em telefonemas e boas vontades. «A farmácia contacta a junta de freguesia, que contacta o centro de saúde de Pinhel e, passados oito ou dez dias, chegam as receitas à junta de freguesia», desabafa Joaquim Pinto da Costa. O técnico de diagnóstico e terapêutica da Farmácia da Misericórdia apresenta-se como «um rapazinho de 74 anos». Partilha o nome e a paixão clubística, mas também a ironia e o inconformismo do presidente do Futebol Clube do Porto. «Vivemos todos os dias este problema das receitas, mas também reclamamos todos os dias», garante.

​​Como já não tem médico, o povo recorre à farmácia para esclarecer todas as dúvidas de saúde

A verdade é que o povo continua a ter acesso aos medicamentos. Se já antes estava reconhecido, agora que não tem outro serviço de saúde valoriza ainda mais a farmácia e desdobra-se em palavras de reconhecimento.

O historiador local Inácio Correia, que fotografa a Natureza e diz poesia no Facebook da Câmara Municipal de Pinhel, destaca «o bem servir, de forma abnegada».


Inácio Correia destaca «o bem servir, de forma abnegada» dos dois profissionais de saúde que mantêm a farmácia aberta

De facto, a equipa da farmácia é composta por… duas pessoas. A farmacêutica Joana Ferreira e o técnico Pinto da Costa conseguem, sozinhos, manter o serviço. Ganharam raízes à terra, mas também a confiança da população. Em Saúde Pública, estes laços são estratégicos. Nos últimos meses, muitos utentes, sobretudo idosos, apareceram na farmácia cheios de dúvidas sobre a eficácia e de medos quanto à segurança das vacinas contra a COVID-19. «Alguns até arranjaram desculpas para não irem ao centro de saúde», conta a directora-técnica. A credibilidade da dupla de profissionais de saúde da Farmácia da Misericórdia permitiu resolver o problema. «Já temos boa parte da população vacinada. As pessoas confiam bastante em nós», reconhece Joana Ferreira.


«O atendimento ao público» é o que distingue a Farmácia da Misericórdia, garante Conceição Braceiro. Conhece o serviço por dentro e por fora, foi ela quem durante 40 anos assegurou a limpeza

Numa terra pequenina, o aconselhamento em saúde só é possível com cuidado e simpatia. «O atendimento ao público» é o que distingue a Farmácia da Misericórdia, garante Conceição Braceiro. Conhece o serviço por dentro e por fora, foi ela quem durante 40 anos assegurou a limpeza. Agora, que está reformada, continua a achar que «faz muita falta, porque temos muitas pessoas idosas e não há transporte para ir a lado nenhum».

É o caso de Maria Torres, 77 anos.


Aos 74 anos, Pinto da Costa ainda faz mais de 300 quilómetros por mês a visitar doentes​

A pandemia obrigou-a a fechar-se em casa. «Estar fechada faz-me muito mal às pernas e ao sistema nervoso. Pensa-se mais na vida!», desabafa a mulher, que vive sozinha. Joaquim Pinto da Costa leva-lhe a casa os medicamentos, mas também as palavras de esperança que a ajudam a sobreviver ao isolamento. «Às vezes estou sem paciência e ele diz-me: “Tenha calma”. Só isso, ajuda.

​​«Já temos boa parte da população vacinada. As pessoas confiam bastante em nós», congratula-se a farmacêutica Joana Ferreira

Ajuda ao ânimo a gente ser atendida com dignidade, educação e boa vontade», afirma a septuagenária, reconhecida. A Farmácia da Misericórdia está autorizada a fazer dispensa de medicamentos ao domicílio nos concelhos de Pinhel, Trancoso, Celorico da Beira e Guarda. José Pinto da Costa mete-se à estrada quase todos os dias, outras vezes vai a farmacêutica. Andam 300 a 400 quilómetros por mês, mas não se cansam, sentem-se recompensados pelas pessoas. «Não tenho palavras para descrever como ficam gratas, o que nos dizem», diz o técnico de diagnóstico e terapêutica.

As visitas ao domicílio não servem só para levar medicamentos. Os profissionais da farmácia ouvem as necessidades das pessoas, marcam consultas e exames, orientam os idosos no sistema de saúde. Quando é preciso, fazem eles próprios os contactos até conseguirem apoio médico ao domicílio. «Ajudamos a fazer tudo e mais um pouquinho, sempre ao dispor do doente. É a nossa forma de estar na vida», declara Pinto da Costa. Já podia estar a gozar da reforma, mas continua a dedicar-se à farmácia por sentido de missão. «Felizmente, não podemos dizer que a nossa população está desprotegida, não está!», garante o profissional de saúde no activo, aos 74 anos.​
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