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6 setembro 2021
Texto de Carlos Enes Texto de Carlos Enes Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

«Pessoas não podem ser pombos-correio entre profissionais de saúde»

​​​​​Presidente da ANF defende partilha de informação entre médicos e farmácias.​

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Como foi começar o mandato com a decisão do Estado, tomada de um dia para o outro, de comparticipar testes nas farmácias?
As farmácias foram – e bem ​– chamadas a participar, porque estão muito bem posicionadas para dar a resposta de que o país precisa. A questão foi sermos confrontados com a necessidade de prepararmos uma resposta de um dia para o outro. Na área da Saúde há um défice de planeamento, sobretudo de planeamento integrado. Continuamos a ser demasiado centralizadores no Estado. Temos normas, mas falta-nos pragmatismo e humildade para reconhecer o papel de todos na sociedade.

Não era suposto avisar, com um mínimo de tempo, as associações de farmácias, dizer-lhes «preparem-se para isto, vejam lá o que podem fazer para correr bem»?
Esse pedido, quando muito, chega a posteriori. Foi exactamente o que aconteceu nesta circunstância. Saiu a Resolução do Conselho de Ministros e depois, aí sim, fomos contactados, a dizer «precisamos da vossa ajuda na mobilização das farmácias». Como é óbvio, essa mobilização seria muito mais fácil se as farmácias sentissem que foram chamadas a contribuir para a solução, que as ferramentas para operacionalizar a solução foram construídas em conjunto.


«Farmácias continuam a dar respostas que os centros de saúde não conseguem dar durante a pandemia», lembra Ema Paulino

A testagem está a ser um grande stress sobre as equipas?
Sem dúvida. É preciso termos consciência de que, com a pandemia, muitas farmácias continuam a dar respostas que os centros de saúde não conseguem dar, por diversas circunstâncias. Por exemplo, porque muito do corpo de enfermagem está deslocalizado para os centros de vacinação. As farmácias estão a dar muito apoio às pessoas com outras patologias.

Em concreto?
A agilizar consultas, a renovar a terapêutica, a monitorizar parâmetros de saúde. Por outro lado, nesta altura do ano as equipas têm muitas pessoas de férias. O peso dos testes, mais do que a técnica de recolha, que com a experiência pode ser agilizada, decorre das necessidades de registo, de toda a parte administrativa e burocrática. No próprio dia temos de emitir os relatórios, fazer o registo no SINAVE…


«Há utentes que desistem de ser atendidos por verem grupos de pessoas à porta das farmácias, à espera do resultado dos testes»

São horas de trabalho invisível para o público.
Tudo isto coloca muita pressão sobre as farmácias, que continuam com a preocupação de prestar um serviço de qualidade à população. A actividade normal de uma farmácia nunca pode ficar comprometida. Temos colegas que nos relatam que muitos utentes, como vêem grupos de pessoas à porta a aguardar os resultados dos seus testes, julgam que há uma grande espera no atendimento e desistem. Os testes têm um impacto na qualidade de serviço percepcionada pela população.

Está a dizer-me que os testes não são um bom negócio para as farmácias?
O valor que é alocado pelo Estado não permite à maioria das farmácias fazer reforços de equipas, contratar outros farmacêuticos ou enfermeiros. A maioria das farmácias está a usar os quadros próprios, comprometendo os outros serviços.

E a venda de autotestes? Já aparecem pessoas na Internet a dizer que é um grande negócio, com a pandemia é que as farmácias estão bem.
É necessário dizer que os autotestes têm preços muito baixos. E que as farmácias têm uma margem controlada. Nós chegamos a ganhar poucos cêntimos por cada autoteste que dispensamos, com todo o aconselhamento que é necessário para que a pessoa faça uma boa colheita em casa, saiba interpretar o resultado e o que fazer a seguir. Fazendo as contas, se contabilizarmos o tempo despendido, a dispensa de autotestes representa um prejuízo para as farmácias.

Que novos serviços vão ficar e ser pedidos às farmácias depois da pandemia que nos aconteceu?
Serviços que apoiem a população numa melhor utilização do medicamento. Nós fazemos, enquanto sociedade, um grande investimento por ano em medicamentos e temos de garantir que esse investimento se está a traduzir em resultados.

O Estado investe 1.300 milhões de euros por ano, só no ambulatório, porque nos hospitais é mais, e não quer saber o resultado na saúde das pessoas em concreto…
O serviço farmacêutico, no seu âmago, tem a ver com a efectividade e a segurança das terapêuticas. Aquilo que temos visto, a nível internacional, é o reconhecimento de serviços farmacêuticos que, por exemplo, apoiam o início de uma terapêutica, ou apoiam quem tem mais dificuldade em ser persistente na terapêutica. O serviço de primeira dispensa, por exemplo, já é remunerado no Reino Unido e na Noruega.

A pessoa sai do hospital e vai directa à sua farmácia para perceber bem o seu novo esquema terapêutico…
E a farmácia faz um acompanhamento formal, para verificar se a pessoa está a aderir à terapêutica ou a sentir alguma dificuldade. No momento da dispensa, nós passamos a informação que achamos relevante para aquela pessoa em particular, sobre os efeitos adversos mais comuns. Mas só depois de iniciada a terapêutica sabemos como o medicamento vai actuar naquela pessoa, ou como ela o vai integrar no seu dia-a-dia. Vale a pena reflectir em conjunto, para vermos como retirar o maior benefício daquela terapêutica. Foram feitos estudos económicos independentes no Reino Unido e na Noruega que demonstraram a relação custo-efectividade deste serviço. Isto quer dizer que aquilo que o Governo está a pagar, para as farmácias fazerem este serviço, é recuperado em excesso pela diminuição de hospitalizações e consultas médicas desnecessárias, relacionadas com a não adesão à terapêutica. Há benefício económico para o sistema, clínico para aquela pessoa e profissional para o farmacêutico, que tem oportunidade de aplicar os seus conhecimentos. E é uma forma de recuperar alguma estabilidade económica para a farmácia, muito degradada nos últimos anos pela redução do preço e das margens dos medicamentos.

A recuperação da Economia da farmácia tem de passar pelos serviços?
Também passa pelos serviços. Claro que temos de salvaguardar a remuneração associada à dispensa do medicamento, que é a componente essencial. Sem acesso ao medicamento nem sequer podemos trabalhar a efectividade e a segurança. Todos sabemos que as farmácias desenvolvem uma série de serviços e actividades de apoio à população que dificilmente são contabilizados e valorizados. A remuneração pela dispensa de medicamentos é decisiva para assegurar a permanência de farmácias nos locais onde estão. 

Quanto tempo mais poderão as farmácias continuar a dispensar os medicamentos hospitalares, muitas vezes ao domicílio, sem cobrar um único cêntimo ao Estado?
Eu diria que tem muito a ver com a escala que nós queremos dar a este serviço. É exactamente o que vemos nos testes: se fossem só três ou quatro pessoas por dia, eu diria que todas as farmácias teriam essa capacidade de fazer testes, mas não é essa a procura que nós vemos. Nós vemos que quando uma farmácia entra no sistema de comparticipação...

Cada farmácia testa mais de 100 pessoas por dia, então em Lisboa...
E as chamadas permanentes, passamos a ser uma central telefónica! Passa-se a mesma coisa em relação aos medicamentos hospitalares. A partir de uma determinada escala deixa completamente de ser possível prestar o serviço sem remuneração. O Governo e os centros hospitalares têm de tomar uma decisão. Isto é um projecto que se quer sustentável e escalável para todas as pessoas para as quais uma dispensa de proximidade faz sentido. Ou não? Se nós quisermos proporcionar este serviço de forma equitativa e em todo o território, tem de ser um serviço remunerado. E é necessário afirmá-lo e dizer que não tem a ver com nenhuma má vontade, mas com uma incapacidade das farmácias de escalarem este serviço para todas as pessoas que dele necessitam. E da nossa parte não é ético.

O seu programa eleitoral fala na transformação digital das farmácias como via de demonstrar ao Estado e às seguradoras o valor da intervenção farmacêutica. Como é que isto se faz?
Há imensos dados clínicos da nossa interacção com a população que não estão a ser recolhidos ou utilizados para melhorar a jornada de saúde da pessoa. Nem a nossa interacção com os outros membros da equipa de saúde. A receita electrónica, por exemplo. É claro que é muito cómoda e agradável. Mas, na realidade, do ponto de vista profissional, não acrescenta muito valor à receita manual. Temos pessoas, principalmente as mais idosas, que chegam à farmácia, depositam o telemóvel no balcão e nos pedem «olhe, veja lá nessas mensagens se ainda tem aí uma metformina». Às vezes, é o cabo dos trabalhos encontrarmos no meio das mensagens qual das receitas tem a metformina. Não faz sentido. O que faria sentido era um acesso através daquela pessoa, ver quais são as linhas de prescrição activas e dispensar.

Eu chego com o meu número de utente do SNS e a farmácia descarrega todas as receitas que estão activas?
Mais do que receitas. Porque é que não mudamos esse paradigma e o médico, em vez de passar receitas, o que faz é activar linhas de prescrição para um determinado período de tempo? Vamos imaginar que o médico só vê necessidade de rever uma pessoa ao final de um ano. Activa uma linha de prescrição durante um ano. A pessoa vai à farmácia e o farmacêutico faz a renovação da terapêutica. Sendo que, sempre que a pessoa aparece para fazer essa renovação, o farmacêutico deve verificar se a dispensa é oportuna ou não, de acordo com a adesão à terapêutica, que também monitoriza. E, nos casos em que faça sentido, da efectividade da terapêutica.

A farmácia avaliaria, caso a caso, dispensar ou não?
De acordo com os parâmetros definidos pelo médico, teríamos alguns sinais de alarme. Por exemplo, se o medicamento é para a hipertensão, faríamos essa medição e encaminharíamos a pessoa para o médico em caso de descontrolo. Deveríamos poder utilizar as linhas de prescrição como um canal de comunicação com o médico prescritor. Para fazer esses alertas, ou simplesmente registar e partilhar essa informação. 

O bastonário dos médicos, em entrevista à Farmácia Portuguesa, sugeriu que as organizações dos médicos e dos farmacêuticos tomassem a iniciativa de propor à tutela essas ferramentas de contacto entre as duas profissões. Está interessada nesta ideia?
Completamente. Eu diria que, mais do que interessados, estamos muito ansiosos que isso possa acontecer, para benefício da população. E vimos, neste contexto pandémico, as dificuldades de acesso das pessoas aos seus centros de saúde para renovação da terapêutica. Foi anunciado na altura o aumento do crédito das farmácias aos utentes…

Oito milhões de euros, naquele crítico mês de Março.
As pessoas só tiveram acesso à terapêutica porque as suas farmácias – de forma independente, porque conhecem as pessoas e as suas terapêuticas – se responsabilizaram. Mas isto não está regulamentado.


«Se o papel do farmacêutico é garantir a efectividade e segurança das terapêuticas, então precisa de partilhar informação com toda a equipa de saúde», afirma a presidente da ANF​

E tem um risco económico.
Claro. E seria muito mais confortável para todos os intervenientes, a começar pelo médico, receber a informação do que fez a farmácia. E se o papel do farmacêutico é garantir a efectividade e a segurança das terapêuticas, também não o consegue fazer sem informação. Nem todas as pessoas nos conseguem transmitir os diagnósticos. Muitas vezes, inferimos diagnósticos com base na terapêutica. Alguns são óbvios, outros são menos óbvios. Numa era tecnológica como a que temos hoje, não faz qualquer sentido, perdoem-me a expressão, usar as pessoas como pombos-correio entre os profissionais de saúde.

O professor Sakellarides, nosso último entrevistado, defendeu o plano individual de cuidados de cada utente como uma necessidade urgente do SNS.
Tem de acontecer! A legislação diz muito claramente que o proprietário ou detentor dos dados é o próprio cidadão. O que faz sentido é que seja ele a decidir com quem quer partilhar a sua informação. E faz sentido que o plano de cuidados de saúde seja partilhado por toda a equipa de saúde, o que inclui a própria pessoa. Precisamos que haja objectivos de saúde comuns. Só é possível concorrermos todos para o mesmo resultado se soubermos o que se pretende. Isso tem de ser partilhado. 

Já existe em Portugal um clima de confiança com os médicos para a renovação da terapêutica ser um serviço farmacêutico?
Penso que as condições estão criadas. Por via da minha participação nos Órgãos Sociais da Ordem dos Farmacêuticos, tive a oportunidade de interagir bastante com a Ordem dos Médicos e de ver a sua abertura. Verifiquei o reconhecimento que os médicos têm do importante contributo que o farmacêutico dá à população. Aqui, a grande questão, como diz, é a confiança. Nós não queremos – e eu acho que cada vez mais a sociedade médica está desperta para esta circunstância – não há nenhuma vontade de invadir território. Há é uma grande vontade de fazermos parte de uma solução que proporcione uma jornada de saúde melhor e mais agradável para a pessoa, sem comprometer a sua segurança. 

O que é a sincronização terapêutica de que fala no seu programa?
A sincronização terapêutica, tal como ela é preconizada, por exemplo, nos EUA, prevê que toda a medicação para o mês ou dois meses seja dispensada de uma única vez. A pessoa só tem de ir à farmácia uma vez, a medicação pode ser preparada com alguma antecedência e o farmacêutico fica com a percepção completa da terapêutica. Se a pessoa quiser, é perfeitamente desejável que continue a ir à farmácia todas as semanas, até mais do que uma vez, mas não pela obrigação de ir buscar medicamentos. Será, por exemplo, para fazer a monitorização da sua pressão arterial ou de um outro parâmetro relevante.

Vantagem para as pessoas?
Deixam se ser obrigadas a ir várias vezes à farmácia, muitas vezes para resolver o mesmo problema. É também uma resposta aos problemas relacionados com a falta de medicamentos, que continuam a afectar as pessoas e as farmácias. O que temos hoje é que a pessoa chega à farmácia e não há o medicamento, depois tem de vir à tarde, etc.. Este serviço também pode melhorar a eficiência operacional das farmácias. Do ponto de vista profissional, permite abordagens mais qualificadas, porque temos a noção da terapêutica completa.

As farmácias podem acrescentar a isso a Preparação Individualizada da Terapêutica (PIM), que algumas já fazem, e é uma grande ajuda, sobretudo para os utentes idosos.
Eu sei, por experiência própria, que a PIM tem um alcance e um resultado absolutamente excepcional, sobretudo para as pessoas mais idosas, que estão sozinhas em casa, que muitas vezes têm dúvidas se já tomaram os medicamentos ou não. Vejo isso na minha farmácia, inclusivamente em pessoas que nos garantiam que tomavam sempre a medicação certinha, mas nós fazíamos as medições de parâmetros e qualquer coisa estava sempre mal. A partir do momento em que começaram a fazer a PIM, de repente os parâmetros normalizavam. Para as pessoas que não necessitam desse tipo de apoio, a sincronização terapêutica também pode ser feita nas embalagens.

Hoje em dia, as pessoas gostam de comprar produtos pela Internet e recebê-los em casa. É prático. Isso também pode acontecer com os medicamentos?
Nalguns países o mail order já representa uma fatia importante da dispensa dos medicamentos. Eu diria que vai ter o seu lugar. Em qualquer tipo de cultura. Temos de garantir é que essa inovação não degrada minimamente dois componentes essenciais. Primeiro, a integridade do circuito logístico, temos de garantir a supervisão farmacêutica do princípio ao fim. Até à farmácia, isto é garantido, ao dia de hoje, pelos distribuidores farmacêuticos. Depois, se há uma deslocação da farmácia até à casa das pessoas, independentemente de como o medicamento chega, tem de haver ali uma responsabilidade. Quem é que se responsabiliza por essa last mile, esse último quilómetro, para garantir que o medicamento chega com integridade aos domicílios. E isso é algo que está nas boas práticas de distribuição e nas boas práticas de farmácia. Depois, temos a componente profissional. A acessibilidade ao medicamento é apenas uma das nossas responsabilidades. Outras são garantir a efectividade e a segurança do uso dos medicamentos. Nesta pandemia, desenvolvemos serviços para fazer chegar os medicamentos às pessoas quando elas não conseguiam ir às farmácias. Mas também encontrámos formas de entrar em contacto com as pessoas, no sentido de promover a efectividade e a segurança das terapêuticas. Temos de garantir que esta oportunidade não é perdida. 

Cada vez mais, antes de aderirem a uma terapêutica, ou até de escolherem o profissional de saúde a consultar, as pessoas primeiro perguntam ao "dr. Google". Os farmacêuticos estão preparados para lidar com isso?
Não podemos combater o facto de o "dr. Google" já fazer parte daquela equipa multidisciplinar de que eu falava, o "dr. Google" também já lá está. E nós temos de reconhecer a sua presença. Temos é de estar capacitados para falar com a pessoa de uma forma que possa empoderá-la, no sentido de procurar informação fidedigna e de identificar o que poderá ser um indício de uma informação menos fidedigna. E predispormo-nos sempre a tirar quaisquer dúvidas que surjam nesse processo de pesquisa. O nosso trabalho é direccionar as pessoas para fontes fidedignas de informação e ficarmos disponíveis para esclarecer quaisquer dúvidas. Ultimamente, tenho alertado muito as pessoas para a questão dos algoritmos, para que percebam que aquilo que nos devolve o motor de busca, ou as redes sociais, pode estar muito mais associado ao que eu quero ouvir, do que propriamente aos factos, sem influências. Costumo até dizer: as pessoas que acreditam que a terra é plana, se continuarem a pesquisar nesse sentido, só vão encontrar artigos que dizem que a terra é plana. Acho que esta mensagem é muito importante.

Na era digital, como podem os farmacêuticos posicionar-se enquanto conselheiros em Saúde a que as pessoas recorrem para aumentar os seus conhecimentos?
Acho que as pessoas vão continuar a reconhecer isso, independentemente de estarem cada vez mais capacitadas e empoderadas. Vai sempre haver alguma assimetria de informação. Caso contrário, não precisávamos de mestrados integrados em Ciências Farmacêuticas ou de mestrados integrados em Medicina. Mas isso também parte de nós, responsáveis políticos e profissionais de saúde, nestas duas dimensões, continuarmos a reconhecer e valorizar. É nessa assimetria de informação, nas interacções com as pessoas, que nós detectámos algumas necessidades não percepcionadas pelos próprios. É aí que reside a nossa oportunidade de acrescentar valor à solução de saúde. Se estou, por exemplo, a fazer a dispensa de um medicamento para a hipertensão, pergunto à pessoa «há quanto tempo não mede a sua pressão arterial?». E a pessoa diz-me «se calhar, já não meço há mais de um mês e meio». E eu aproveito a oportunidade: «Então, posso sugerir medirmos a pressão arterial?» Se a pessoa estiver constantemente apenas a receber os seus medicamentos em casa, nós temos de garantir que esta questão não se perde. E como este existem inúmeros exemplos. 

Como espera fazer ver à generalidade das autarquias o valor dos serviços farmacêuticos, como a PIM, a vacinação, os testes e outros? 
É por demais evidente para o poder autárquico que as pessoas valorizam muito a saúde. Se os órgãos autárquicos tiverem soluções de saúde para a população, isso vai ser muito bem acolhido pelos munícipes. Vai haver, por parte dos municípios, uma vontade crescente de proporcionar soluções que melhorem a qualidade de vida das pessoas. O que nós queremos fazer é trabalhar com a Estrutura Associativa da ANF para identificar localmente necessidades específicas, que até podem variar muito de região para região. Nós temos farmácias nos grandes centros urbanos, mas temos muitas outras que servem 800, 1.000 pessoas, muito abaixo do limiar legal para instalação de uma farmácia. 

São farmácias em risco de fechar, ou pelo menos na iminência de pedirem transferência para conseguirem ser viáveis.
Numa perspectiva de coesão territorial, nós achamos absolutamente fundamental que as farmácias, principalmente as mais pequenas, sejam valorizadas pelas autarquias, ou mesmo pelas juntas de freguesia. É necessário que estes órgãos de poder local tenham consciência do que podem e devem fazer para manter as farmácias, com viabilidade do ponto de vista económico, naquelas povoações onde a população tem vindo a cair. Porque há claramente o risco de que a sua farmácia não seja viável. Portanto, os órgãos locais são dos principais interessados em manter as farmácias abertas, para apoiar a população em sítios onde, muitas vezes, nem sequer tem outros locais onde recorrer.

E o Programa Abem? Tem como crescer, para chegar a todas as pessoas que dele precisam?
Penso claramente alargar os protocolos a municípios que ainda não tenham aderido ao programa e identificar novas necessidades, para além da questão da comparticipação dos medicamentos. Como é que se pode aproveitar esta rede, esta vontade de ter um impacto positivo nos indicadores de saúde das pessoas, para lá da acessibilidade ao medicamento? Que outro tipo de serviços podemos associar? Já temos tido alguns exemplos, de algumas autarquias que apoiam a PIM. Independentemente da Dignitude e do Programa Abem, que nós também apoiamos e queremos ver crescer, temos outra linha de actuação, que é sensibilizar o poder político para a necessidade de rever o próprio sistema de comparticipação dos medicamentos. Nós temos das maiores despesas out-of-pocket, ou seja, directamente do bolso das pessoas, entre os países da OCDE. O Governo tem de olhar para a manta de retalhos que é o sistema de comparticipações e ver onde se podem fazer ajustes, para que a população não sofra na acessibilidade ao medicamento por uma questão económica.


«No final do meu mandato, gostaria que mais farmacêuticos estivessem a trabalhar nas farmácias comunitárias» 

Está a começar o seu mandato. O que é que, daqui a três anos, quer que as farmácias ofereçam de novo e significativo às pessoas?
Gostaria que mais farmacêuticos estivessem a trabalhar nas farmácias comunitárias, com elevada satisfação profissional. Se nós, daqui a três anos, tivermos farmácias com mais recursos humanos capacitados, isso é um excelente indicador de que a população beneficia dos serviços de que claramente necessita. E para a sustentabilidade das farmácias, no modelo que nós queremos para a farmácia em Portugal, que é dos melhores modelos de farmácia do mundo. Eu já visitei farmácias em muitos países – e há que dizê-lo. Somos um sector que sempre pugnou por ser, ele próprio, o grande motor do seu desenvolvimento e do investimento nas suas infra-estruturas e equipas, mesmo em alturas de adversidade. É com muito orgulho que tomo agora esta responsabilidade, que foi construída por todos. Desejando que, daqui a três anos, tenhamos farmácias mais capacitadas a prestar mais e melhores serviços à população, em integração com os outros profissionais de saúde, as estruturas do SNS e as outras estruturas privadas que operam na esfera da saúde em Portugal.

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