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1 junho 2023
Texto de Irina Fernandes Texto de Irina Fernandes Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes Vídeo de Rodrigo Coutinho Vídeo de Rodrigo Coutinho

Ouro sobre azul

​​Lagos é fruto da paixão entre o mar e a terra. Conheça a cidade, outrora capital do Reino do Algarve.​

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11h59. O sol aquece a pele. As águas da ribeira de Bensafrim reluzem, vaidosas. No chão, de calçada portuguesa, um espadarte e uma raia, “bordados” em pedra cinza, roubam as atenções de quem passa. Evocam o bem mais precioso da terra: o mar. «Antigamente, a água chegava até esta rua!», recorda José Moreira Barata, 74 anos. O farmacêutico e proprietário da Farmácia Moreira Barata, localizada em Odiáxere, uma das quatro freguesias de Lagos, conhece, como poucos, a origem, as conquistas e o património histórico-cultural da cidade algarvia. É um exímio historiador.


Cidade berço dos Descobrimentos foi daqui que partiram as caravelas portuguesas em busca de Mundo novo


Localizada na Praça Gil Eanes, a estátua de El-Rei D. Sebastião perpetua a memória do monarca que elevou a vila a cidade, em 1573

Explica que Lagos foi fundada cerca de 2.000 anos a.C., «altura em que ganhou a denominação de Lacógriga». No século XV, a sua localização geográfica levou o Infante D. Henrique a reconhecer-lhe potencial marítimo, tendo daqui partido as caravelas à descoberta do Mundo Novo e, numa delas, o navegador Gil Eanes - aqui nascido -, viria a dobrar, em 1434, o Cabo Bojador. Mais tarde, a 27 de janeiro de 1573, El Rei D. Sebastião ordenou a elevação de Lagos a cidade, que se tornou também capital do Reino do Algarve. Todos os sentidos apelam ao mar, mas Lagos, a celebrar 450 anos da efeméride, pede uma imersão no passado.


Acessível pelo interior do Museu de Lagos, a Igreja de Santo António exibe-se em talha dourada. Foi construída em 1707

«Esta é uma cidade com muita história!», assevera José Moreira Barata, que conduz a visita ao Museu de Lagos. A etapa é obrigatória para quem quer conhecer as origens e a cultura do concelho. Os vários núcleos e espaços museológicos contam com um espólio composto por edifícios e peças de arqueologia, mineralogia, arte sacra, pintura, numismática e etnografia. No núcleo Dr. José Formosinho, fundador e patrono do projeto, é possível ver-se a estátua de São Gonçalo de Lagos, padroeiro dos lacobrigenses, e o cofre que guarda a chave da cidade, profundamente danificada no terramoto e sequente maremoto de 1755, catástrofe evocada em painel próprio. A Igreja de Santo António, parte integrante e acessível através do museu, forrada a talha dourada barroca, constitui exemplo único no Algarve. «Tinha de vos trazer aqui! Sou grande apreciador de arte sacra», assume o farmacêutico, enquanto admira as telas que representam os milagres de Santo António, datadas do século XVIII.

Fora de portas o sol continua quente, mas não é preciso caminhar muito para manter viva a memória de feitos de pouca glória. Um terreiro, perto da Porta da Vila (antiga porta Norte, no início da rua General Alberto da Silveira), foi palco, em 1444, do primeiro mercado de pessoas escravizadas, trazidas de África no retorno das caravelas. Através da Rota da Escravatura, o museu municipal recupera a presença dos escravos na cidade, homenageia o seu sofrimento e mantém acesa a recordação de um período negro da História de Portugal.
 
O Castelo dos Governadores, também conhecido como Castelo de Lagos, junto à ria, e as suas diferentes portas de entrada, com destaque à junto da capela de São Gonçalo; o Forte da Ponta da Bandeira, temporariamente encerrado; as estátuas de Gil Eanes e de El Rei D. Sebastião somam-se aos símbolos patrimoniais que orgulham os lacobrigenses.


Praias longas e outras pequenas,​ vale a pena visitar as grutas na costa rochosa

«Lagos é uma cidade calma, com dias de sol quase todo o ano e, claro, praias fantásticas!», diz José Moreira Barata. No mote à nova fase do passeio, esconde-se o móbil da sua presença na região. Conta que era aqui que passava férias, «ainda antes de ter cá a minha farmácia». A paixão pelo lugar é antiga. Partilha-a com milhares de portugueses e estrangeiros que todos os anos aqui chegam, atraídos pelas areias douradas e águas límpidas, encaixadas num rendilhado rochoso sem fim. O conjunto valeu à região a fama de “Costa D’Oiro”. «A areia, fininha, tem muito feldspato [um dos grupos mais importantes dos minerais]. A determinadas horas do dia, vê-se um rasto brilhante no chão», revela. O abraço do mar, de um cristalino e tentador azul-turquesa, estende-se pelas praias da Batata, dos Estudantes, do Pinhão, de Dona Ana, do Camilo, dos Pinheiros e pela Praia Grande, promovendo um desassossego no espírito que promete só acalmar com o mergulho perfeito. E os rochedos, em tons de amarelo e vermelho, propiciam recantos veranis para todos os gostos. Ao de José Moreia Barata, aproveita mais a Meia Praia. «É perfeita. Tem uma extensão fantástica, que nos permite escolher entre ficar na confusão, ou num ponto mais sossegado». Antes de optar, há, porém, um detalhe a considerar: «Deve escolher-se uma praia onde não haja vento Norte, para não se levar com areia nas costas». Fica o conselho.

Outra sugestão, e já que estamos aqui perto, é visitar as grutas da Ponta da Piedade. «Imperdíveis», classifica o anfitrião: as águas são cris talinas e as formações rochosas de uma beleza ímpar. «Aluguem o barco na maré baixa, caso contrário não se consegue aceder ao interior das grutas», alerta. A dica, sublinha, é preciosa, porque este é, «sem dúvida, um passeio que vale a pena!». De igual modo valerá uma viagem em alto mar, com o intuito único de avistar golfinhos.

Já em terra, os passadiços de madeira são um modo perfeito de esticar as pernas e recuperar equilíbrio. Em corrida ou caminhada, a experiência será reforçada se acompanhar o nascer do sol ou se a noite estiver a chegar.


As ameijoas à Bulhão Pato são uma das especialidades de mar possíveis de degustar na cidade​​​​

Aportados à mesa, Lagos tem mais mar para oferecer. Mar é precisamente o nome do restaurante de Augusto Furtado, de que José Moreira Barata é cliente há muito. «Aqui só servimos peixe de mar!», afiança o proprietário, de 70 anos. «O cherne é o nosso peixe-rei. E este foi pescado, esta manhã, na costa de Sagres!», informa. «Este é o meu refúgio», revela o farmacêutico, «venho aqui descomprimir». Percebe-se porquê, quando se veem desfilar as ameijoas, originárias dos vieiros do sítio de Vale da Lama, no município. Servidas ao natural ou à Bulhão Pato, «são ligeiramente maiores e deliciosas». Impõe-se repetir a dose. A dúvida, de pouca discussão - diga-se -, passa por saber se acompanham ou não com pão, para ensopar o molho.


Nora dos fundadores da Casa de Doces Regionais Taquelim Gonçalves, D.Maria Luísa tinha 15 anos quando começou a aprender a fazer Dom Rodrigo e doces finos​

Em cima, doces regionais. Irresistíveis são o Dom Rodrigo, feito com fios de ovos, ou os doces finos, à base de amêndoas, com as suas mil formas e cores. Constituem duas das iguarias tradicionais mais apreciadas e que trouxeram notoriedade à Casa de Doces Regionais Taquelim Gonçalves, fundada em 1935. Localizada no centro histórico, a confeitaria produz, diariamente, dezenas destes bolos. Maria Luísa, 79 anos, é nora dos fundadores. Encontramo-la, de garfo numa mão, a picotar um doce fino que molda, na outra, em forma de laranja. «São os pormenores que lhes dão graça», diz, enquanto lhe fixa, no topo, um pezinho de cereja. «Olhe, compro saquinhos de chá de pés de cerejeira na farmácia!», atira. José Moreira Barata ri-se e confirma: «Vendi-lhe muitos, sim!».

Da rua, um clamor. O “zummmmmmm” profundo de um búzio, soprado por um pirata a bordo da caravela Boa Esperança, anuncia o arranque do cortejo histórico do 11.º Festival dos Descobrimentos, um dos mais importantes eventos culturais da cidade. Pela Avenida dos Descobrimentos, desfilam homens, mulheres e crianças vestidos ao rigor da época de El-Rei D. Sebastião. Evocam a visita do monarca à então vila de Lagos. «O festival homenageia os nossos descobridores e marinheiros, que embarcaram nas naus e foram à aventura». Mais um pretexto para visitar a cidade algarvia, feita de uma história de amor entre a terra e o mar.

 

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