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27 janeiro 2016
Texto de Ana Abrunhosa Texto de Ana Abrunhosa Fotografia de Tiago Machado Fotografia de Tiago Machado

Oeste

​​​Peniche é o ponto de partida para um roteiro que percorre a Costa de Prata e o património histórico da região Oeste. A farmacêutica Filipa Freitas convida.

A mais antiga recordação de Filipa é ver o pai partir para as Berlengas num barco semi-rígido que desaparecia nas ondas do Atlântico. «Uma senhora de preto gritava para a minha mãe ‘ai que eles morrem!’ Eu tinha três anos e ficava em pânico». Mas Pedro regressava sempre são e salvo (e com peixe fresco). Filipa Freitas conta agora 31 anos e há quatro que dirige a Farmácia Central, na zona histórica de Peniche. Com ela, descobrimos a Costa de Prata e o património classificado dos mosteiros da Batalha e de Alcobaça.

Durante muitos anos, a principal actividade económica de Peniche foi a pesca. Hoje é o turismo o motor do desenvolvimento local, para o que contribui a realização, desde 2009, de uma das onze etapas do Circuito Mundial de Surf. Peniche é a “capital da onda” e recebe anualmente o campeonato Rip Curl Pro, o evento internacional de surf mais antigo do país. O boom turístico beneficia também o Baleal, península ligada à cidade por um troço de estrada ladeado por praia e demasiado estreito para congregar dois sentidos de trânsito – em períodos de marés mais vigorosas pura e simplesmente submerge nas águas do mar.



Ali perto, distingue-se o Surfers Lodge, com estrutura de betão forrada a madeira. É um hotel de quatro estrelas, que disponibiliza aulas de surf, festas sunset no terraço e a gastronomia do chef Manuel Dias, que em tempos passou pelo estrelado El Buli. Manuel é amigo de infância de Filipa. Na sua carta destacam-se os produtos regionais e frescos. Degustamos uma salada de lulas (com ervas frescas e limão), atum braseado (com sésamo e vegetais) e uma sobremesa de pêssego (com iogurte, limão, bolacha de noz e aveia). Tudo no ponto, sem mácula.

Entre as praias atlânticas e o maciço de Montejunto, a região Oeste forma um ondulado de colinas e vales. É coroada a Norte pela imensa massa calcária das serras de Aire e Candeeiros, e pela mancha verde do pinhal de Leiria e, a Sul, pelo vale do Tejo. A paisagem regista uma diversidade notável.

«Geologicamente, esta costa é muito rica. Temos, por exemplo, o rasto de bombas vulcânicas na Papoa e o granito rosáceo nas Berlengas», esclarece Pedro Freitas, pai de Filipa.

Filipa assumiu o lugar da mãe na direcção técnica da Farmácia Central – «ainda hoje há quem me chame pelo nome dela» – e representa a quarta geração de farmacêuticos da família Freitas. «A população é muito pobre e 65% não tem médico, por isso temos muitos créditos, que as pessoas pagam quando recebem as reformas», explica. Em pleno século XXI, esta jovem farmacêutica acaba por preservar o papel social dos seus antepassados das sociedades rurais, em que se venerava o padre, o médico e o boticário.

A região Oeste atesta o esplendor da História de Portugal e o expoente máximo é o Mosteiro da Batalha, inscrito no Património Mundial da UNESCO. No livro A Abóbada, Alexandre Herculano conta que foi o arquitecto português Afonso Domingues a desenhar a inovadora abóbada de estrela de um só voo (com diâmetro correspondente a três telhados). Como fica cego antes de a edificar, o rei D. João I contrata para terminar a obra um arquitecto irlandês, que altera o projecto. Uma das abóbadas desaba e a outra ainda hoje lá está. Mas, a de quem? Herculano garante que é a abóbada do mestre Domingues – que morre após três dias e três noites de jejum, sentado no centro da Sala do Capítulo. Versão diferente terão os historiadores actuais, mas privamo-nos de a revelar, para não subtrair protagonismo a Herculano.



Já em Alcobaça, conhecemos a mais bonita história de amor da monarquia portuguesa. Um amor proibido que remonta ao séc. XIV e está imortalizado nos túmulos de D. Pedro I e Inês de Castro. A nobre galega por quem o infante se apaixonou foi executada por ordem do rei D. Afonso IV. Mas D. Pedro I reabilitou a memória da sua amada fazendo-a sepultar no Mosteiro de Alcobaça, hoje também Património Mundial da UNESCO.

Regressamos ao hotel que nos acolhe, o MH Peniche. Situado a 300 metros da beira-mar e com acesso directo à praia, é um espaço moderno e minimal, onde não falta um simulador sui generis: uma prancha sobre uma estrutura móvel frente a um ecrã gigante para surfar ondas virtuais.

Seguimos a sugestão de apreciar as iguarias locais na peixaria-restaurante ProFresco. Escolher os peixes e mariscos que pouco depois nos são servidos à mesa é uma experiência singular.

Os percebes do Baleal e o mexilhão de Peniche (ao vapor) merecem pontuação máxima. No fim, reservamos algum tempo para percorrer demoradamente a estrada marginal norte. São inúmeras as vezes que nos sentimos impelidos a encostar o carro para observar as formações rochosas que se precipitam sobre o Atlântico.

Um quadro majestático, único, de extraordinária beleza.

O roteiro termina no Forte de Peniche. Filipa e Pedro contam-nos que no dia 25 de Abril de 1974 o avô Freitas conduziu uma coluna militar até ao Forte de Peniche porque os soldados não sabiam o caminho. Nisto, a lua toma o lugar do sol. E as gaivotas sobrevoam as muralhas.
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