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10 dezembro 2018
Texto de Irina Fernandes Texto de Irina Fernandes Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes

O vinho nasce da pedra

​​A ilha do Pico é património da UNESCO desde 2004.

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No horizonte, nuvens esguias dançam à volta da montanha do Pico. O dia está cinzento e só as aves marinhas se fazem ouvir. No Lajido da Criação Velha, a paisagem é labiríntica. Muros de pedras negras, empilhados meticulosamente, dão forma a currais. Aqui, todos os anos, acontece o inesperado: do chão de pedra basáltica nascem folhas de videira.
 

 Montanha do Pico, o ponto mais alto de Portugal
 
 A história das vinhas da ilha do Pico remonta a 1427, quando os primeiros povoadores chegaram ao arquipélago dos Açores. Frei Pedro Gigante, pároco da primeira comunidade, é identificado como mentor do cultivo das primeiras videiras, no final do séc. XV.
 

 Farmacêutica Susana Vasconcelos
 
Farmacêutica há 11 anos na Farmácia Picoense, em São Roque do Pico, Susana Vasconcelos sorri ao falar dos vinhos da ilha, ou não fosse ela açoriana. «A frescura da acidez aliada ao sal que o mar traz, e a estas uvas únicas tornam o vinho altamente gastronómico. Principalmente acompanhando pratos de mar». 
 
Em 2004, a UNESCO identificou a paisagem da Cultura da Vinha do Pico como Património da Humanidade. A certificação é um reconhecimento à beleza e riqueza geológica do lugar, e ao trabalho árduo do povo picoense que desafiou a infertilidade dos solos.
 
(…)
…Ali, nas chãs de beira-mar, 
quase nem existia amostra
de terra
(…)
 
descrevia o escritor açoriano Dias de Melo, no romance "Pedras Negras", em 1964.
 
Logo às primeiras colheitas, o verdelho do Pico ganhou fama internacional, nomeadamente em Inglaterra e no Vaticano. Na Rússia há referências históricas a ter sido degustado na mesa dos czares. A riqueza vitivinícola da ilha estende-se também aos licores, como os de funcho ou os de tangerina.
 
Já em 1926, o escritor português Raul Brandão mostrava-se rendido ao vinho do Pico, dedicando-lhe elogios no livro “As Ilhas Desconhecidas”:
 
(…)
…A vinha tem fama no mundo.
O vinho branco do Pico, feito
de verdelho e criado na lava,
é um líquido com um pique
amargo, cor de âmbar
e que parece fogo.
(…)
 

 Do Moinho do Frade avista-se a ilha do Faial e os ilhéus da Madalena​

 

Ainda no Lajido da Criação Velha, Susana Vasconcelos sobe ao Moinho do Frade. Da varanda avista-se os currais de vinha, a Montanha do Pico, a Norte; a ilha do Faial e ainda os ilhéus da Madalena, a Oeste. «É um lugar muito simbólico aqui na ilha», solta enternecida enquanto aprecia a vista. Natural da ilha das Flores, Susana é o rosto de uma geração que, embora tivesse estudado ou vivido no continente, escolheu fazer vida na ilha. «Aqui há mais tranquilidade. E as pessoas são muito simpáticas», elogia a profissional licenciada pela Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.
 

 A ilha do Pico tem perímetro costeiro de 126 km​

 

Com uma área emersa de 447 km2, a ilha do Pico tem um perímetro costeiro de 126 km e alcança altitude máxima no Piquinho (2.351 m), na Montanha do Pico. Encontra-se dividida em 17 freguesias agrupadas em três concelhos: Madalena, Lajes do Pico e São Roque do Pico.
 
A poucos metros dos currais de vinha fica um lugar «imperdível» para quem gosta de estar junto ao mar. Talhadas na pedra natural, as rola-pipas trazem curiosos ao local a qualquer hora do dia. «É incrível como estas marcas ainda perduram na rocha, não é?», lança a farmacêutica referindo-se às rampas criadas para facilitar o transporte das pipas de vinho para a ilha do Faial.
 
A cada movimento dado, de carro ou a pé, Susana dá a conhecer os recantos da ilha como se ali passeasse pela primeira vez. «Sei que já disse isto, mas a ilha é muito bonita».
 
Várias catástrofes naturais (erupções vulcânicas, sismos e ciclones) marcaram profundamente a vida dos picarotos. Destruído o sustento da terra, muitos homens emigraram para os Estados Unidos da América.
 
A meio do séc. XIX, a caça à baleia intensificou-se. «A vila das Lajes do Pico foi e sempre será terra baleeira». Com o passar dos anos, a caça à baleia tornou-se símbolo de identidade da comunidade, que ainda hoje acarinha os heróis que, no passado, capturaram grandes cetáceos.
 
(…)
…Não se consegue explicar porquê,
mas é dos ilhéus que saem os
melhores caçadores de baleias
(…),
 
elogiava o escritor Herman Melville, na obra “Moby Dick”, em 1851.
 
Todos os anos, em Agosto, a Semana dos Baleeiros faz homenagem a este património. Faz-se regatas de botes baleeiros e cerimónias religiosas em honra de Nossa Senhora de Lourdes.
 
Baleias-de-bossas e cachalotes eram sujeitos a processos de transformação para extracção do óleo. Já em 1955 a indústria exportava óleos, farinhas e âmbar, secreção biliar da baleia.
 

 Bote baleeiro, no Museu da Indústria Baleeira
 
Para Susana Vasconcelos, o Museu dos Baleeiros – onde a evolução histórica é reconstituída – «é um museu único em Portugal e um dos poucos da Europa com tamanho acervo».
 
Os mais curiosos sobre a caça à baleia não devem perder uma visita à vila de São Roque do Pico, detentora da marca Capital do Turismo Rural, desde 2013. Aqui fica o Museu da Indústria Baleeira. «Neste museu é possível conhecer toda a história relacionada com o arrastar e desmanchar da baleia», explica a farmacêutica, que ali reside.
 

 Arte baleeira, no Museu dos Baleeiros
 
Sentada num banco no jardim da sede do Serviço Florestal do Pico, Susana volta a exibir o mesmo sorriso puro. E lembra que a «ilha cinzenta», de Raul Brandão, é terra de muitos encantos. Da Montanha do Pico à observação de baleias e golfinhos, sem esquecer as paisagens que misturam verde, o azul do mar e o negro das rochas.
 
«Numas próximas férias lembrem-se de que vale muito a pena visitar os Açores e, principalmente, a nossa ilha do Pico!».

 
 

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