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9 março 2020
Texto de Irina Fernandes Texto de Irina Fernandes Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

O tenista imparável

​​​​​Damásio Caeiro criou uma raquete adaptada. É vice-campeão mundial de ténis de mesa para doentes de Parkinson.

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​O bater da bola na mesa é pujante e ecoa em toda a sala. De raquete na mão, Damásio é felino nos lançamentos. A cada segundo de jogo quer ser rápido e estratégico. 

Tinha 16 anos quando deu os primeiros toques com a raquete numa mesa improvisada, feita a partir de uma prancha de surf. Dali em diante não parou de jogar: o ténis de mesa tornou-se uma paixão de todos os dias.

Há seis anos, Damásio Caeiro foi surpreendido com o diagnóstico de doença de Parkinson. Os tremores no corpo chegaram, mas faziam-se sentir por «pouquíssimo tempo» e, por isso, nem desconfiou do que lá vinha.

Ao saber da doença chorou, mas «não muitas vezes». Questionou o porquê daquele fado. Mas, logo ali, decidiu que só tinha um caminho: dar a volta por cima. «Sou um bicho resiliente», assume. 



Aos 58 anos, Damásio Caeiro não é um atleta comum. É vice-campeão mundial de ténis de mesa para doentes de Parkinson. Um título que conquistou nos Estados Unidos da América (EUA), numa final renhida com o adversário de jogo –alemão – a ganhar por «três bolas de sorte». Casado, o português contou com o apoio do filho, que fez questão de o acompanhar até à cidade de Pleasantville, onde se realizou a prova.

Naquele dia ouviu gente, que «nunca tinha visto na vida», a torcer pela sua vitória: «Gritavam “Portugal, Portugal!". Senti que as pessoas queriam que eu ganhasse».

Dia após dia, faz da superação a principal bandeira. Focado nos bons resultados em jogo, fez da energia positiva a sua maior força e inventou uma raquete adaptada. Em vez de um cabo convencional, o modelo criado tem orifícios para colocar os dedos, fazendo uma fusão entre a mão e a raquete.

Uma ideia que surgiu porque «no início da doença, com as trocas de bolas começava a perder a força na mão e a raquete tendia a cair».


Fez mais de 50 tentativas até conseguir criar uma raquete adaptada

O processo de criação, esse, foi longo. Valeu-lhe a determinação e a persistência. Fez mais de 50 tentativas até chegar à raquete com que joga actualmente. Do desenho no papel aos cortes na madeira, passou tudo pelas suas mãos.

«São as minhas criações, as minhas bebés», diz a rir-se.

Dias antes de partir para os EUA para participar no campeonato do mundo, Damásio deu, mais uma vez, provas da sua capacidade de superação. As dores nas costas e omoplata não lhe davam descanso, mas não se deixou demover.

Desistir não fazia parte dos planos, até porque não queria desapontar a família e os amigos, que o ajudaram a suportar os custos da viagem.

Damásio treina em três associações distintas: Clube Desportivo da Costa do Estoril, Grupo Musical e Desportivo 31 de Janeiro Manique de Baixo, e Grupo Desportivo de Monte Real, em São Domingos de Rana.

A prática regular de ténis de mesa chegou como uma salvação, pois tem ajudado a adiar a evolução da doença de Parkinson. Sem a actividade desportiva, acredita, «já seria um vegetal».

Por ser um desporto muito rápido, o ténis de mesa obriga o jogador a «reagir rapidamente às diferentes situações de jogo» e isso permite a Damásio «manter um certo grau de acutilância».



Os tremores, a rigidez do tronco e dos membros e a lentidão dos movimentos são alguns dos sintomas da doença degenerativa que, em Portugal, afecta cerca de 20 mil pessoas. Uma doença ainda sem cura, resultado da morte das células cerebrais que produzem dopamina, substância responsável, por exemplo, pelo controlo da actividade muscular.

«Tenho fases em que me mexo em câmara lenta, como nos filmes», desabafa o atleta.

Por causa da doença, teve de abandonar o emprego. Nos últimos 15 anos trabalhava como distribuidor de jornais e revistas. Assume-se apreensivo com o futuro «por causa das contas que tem para pagar», mas recusa lamentações e conformismos. Se não se tiver resiliência e força de vontade, acredita, «a qualidade de vida piora».

Nada, porém, o de move. Nada o faz parar. Para lá do ténis de mesa, Damásio Caeiro faz da escrita o seu grande amor. «O meu maior sonho é que os meus livros vejam a luz do dia». Tem dois romances escritos.

A jardinagem é outra actividade a que se dedica. Procura manter-se activo, até porque não é capaz de estar quieto.


Na hora de treinar, Damásio conta com o apoio do amigo João Manuel Ferreira para aperfeiçoar a técnica

«Tenho um quintal e estou a criar um relvado. O meu amigo João [com quem habitualmente treina] diz que eu só lá tenho ervas daninhas [risos]!».

É, e sempre foi, um homem de acção. Tem já traçado um novo objectivo a cumprir em 2020: ganhar a medalha de ouro. Quer voltar a participar no torneiro mundial.

Damásio inventou uma raquete e conquistou o segundo lugar entre os melhores. É atleta vencedor, mas inconformado. Quer mostrar que joga «bastante mais». Quer voltar a superar-se.

 

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