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29 maio 2024
Texto de Teresa Oliveira (WL Partners) Texto de Teresa Oliveira (WL Partners) Fotografia de Ricardo Castelo Fotografia de Ricardo Castelo Vídeo de André Abreu Vídeo de André Abreu

O superpoder do amor

​​​​​​​Uma doença rara paralisou-lhe o corpo, mas o amor pelo filho levou Frederico a redobrar esforços na recuperação.​

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Aos 34 anos, com um filho de quatro meses, Frederico Pereira viu-se deitado numa cama de hospital, progressivamente paralisado. Estava a enfrentar, sem saber, uma doença com um nome complexo e consequências devastadoras. «Resumidamente, estava enterrado até ao pescoço», recorda. «Fazia alguns movimentos com as mãos, mas não tinha força sequer para pressionar o botão da campainha para chamar a enfermeira».

Os sinais da doença chegaram através de excessiva sensibilidade nas mãos, boca muito fresca, «como se estivesse constantemente a lavar os dentes», dormência e progressiva perda de força nas pernas. No fim de semana antes de ser internado, fez uma viagem e «parecia bêbado» ao sair do carro, sem conseguir equilibrar-se. No dia seguinte, foi diagnosticado com a síndrome de Guillain-Barré. O médico explicou-lhe que teria de ir imediatamente para o hospital, já que os sintomas iriam agravar-se e podia sofrer uma paragem respiratória. Frederico ainda perguntou se podia despedir-se do filho, mas o médico foi claro. «A situação era muito grave e não podia perder tempo com despedidas ou o que fosse», explica Frederico. Ao entrar nas urgências do Hospital Vila Franca de Xira, apenas o confortavam as indicações de que os sintomas eram reversíveis e o internamento duraria «cinco, seis ou sete dias».


Frederico junto da cadeira de rodas que o irmão, Ricardo, construiu e acabou por não ser necessária

Sentiu melhoras mal iniciou a medicação e, apesar das dificuldades, conseguia andar e fazer fisioterapia. Três dias depois, deu-se uma reviravolta no estado clínico. «Acordei dormente e paralisado da cintura para baixo. Foi assustador, porque não conseguia enviar sinais para as pernas e os pés mexerem. No dia seguinte, acordei paralisado até ao pescoço. A situação foi piorando, até que me bloqueou metade do rosto». O olho do lado imobilizado não fechava, o que resultou em visão dupla. Só se sentia confortável a olhar para o teto, porque «branco com branco dava branco». Também tinha muita dificuldade em comer. Uma complicação nos pulmões impedia-o de beber água. Durante o dia, as técnicas de relaxamento da namorada, licenciada em psicologia, ajudavam. As noites eram mais difíceis, mas com um smartphone e auriculares conseguia ouvir música ou meditação guiada, que acionava através do comando de voz. No entanto, a «sensação de ter choques elétricos constantes nas mãos, e a dormência nas pernas e nos pés, como se estivesse constantemente a usar meias de compressão», não o deixavam descontrair. 



Um segundo ciclo de medicação deu bons resultados. «Já tinha uma sensação menos má. Estava paralisado, é um facto, mas não me sentia doente», explica. Recomeçou a fazer fisioterapia. Ao fim de 20 dias, ainda sem movimentos e com menos 20 quilos, finalmente regressou a casa, para junto do filho. Emociona-se quando recorda o encontro. «A primeira reação foi positiva, mas ao longo das horas percebi que havia alguma falta de empatia comigo. Olhava para mim, mas já não sorria, já não tinha reação, até porque eu também não tinha». O bebé sentiu o impacto de estar 20 dias sem ver o pai, ainda por cima fisicamente transformado pela perda de peso e a paralisia. «Eu era quase um irmão dele, um bebé que estava ali ao lado». Habituado a ser um pai muito participante, sentia-se «completamente inútil. Foi a fase mais dolorosa do processo todo». E o motor da sua recuperação.


Ricardo mobilizou 140 pessoas para comprar a mota que permite transportar o irmão, Frederico, no terreno que compraram

Ainda o esperava mais um solavanco no percurso: depois de uma semana em casa, em que alcançou pequenos, mas significativos progressos, voltou a acordar sem qualquer movimento. Percebeu-se então que não tinha a síndrome de Guillain-Barré, mas outra doença autoimune rara, a polineuropatia desmielinizante inflamatória crónica. Iniciou uma medicação com corticoides, «a melhor coisa» que já tomou, e seguiu à risca o conselho de que, naquela fase, quanto mais fisioterapia, mais recuperação. O fisioterapeuta, por coincidência seu amigo, não o deixava descansar. «Foi sempre muito mais exigente do que era previsto. Fez-me sofrer muito durante todo o processo, mas também foi a pessoa mais importante na recuperação», conta Frederico. Ele próprio, note-se, era ainda mais exigente: de manhã, fazia fisioterapia no hospital; durante toda a tarde, continuava a "trabalhar", muitas vezes com a ajuda do irmão, Ricardo. «Se conseguia mexer um dedo, era esse dedo que ia mexer o dia todo até me cansar», relembra.

A mota foi "batizada" de VITOria, numa alusão ao diminutivo de Frederico: Vitó

Não havia uma estimativa para o tempo de recuperação. No caso da marcha, por exemplo, seria entre seis meses e três anos para chegar a 80%. Qualquer progressão, por pequena que fosse, tinha impacto no estado psicológico. «Tudo o que mexia era uma grande vitória e motivava-me bastante». Num dia, que não esquecerá, conseguiu arrancar uma gargalhada ao filho e, finalmente, sentir que ele se ria para o pai como acontecia antes do internamento. Acredita que foi uma componente importante da recuperação: apenas em seis semanas recomeçou a correr. «Foi uma coisa espetacular», diz entusiasmado. Apesar de saber que é um exemplo para outras pessoas, não se esquece de que estavam reunidas as condições certas. «Tinha um bebé, não precisava de mais motivação», e contava com uma "aldeia" composta por família e amigos. O irmão, sempre ao seu lado, até inventou uma mochila para o levar às costas com mais segurança para o primeiro andar onde vive, uma cadeira de rodas todo-o-terreno (TT) que não chegou a ser precisa e mobilizou 140 pessoas para comprar uma mota, também TT, para passear com ele num terreno que ambos tinham comprado.


Ricardo, à esquerda na foto, tem uma empresa de reciclagem de objetos. O mais recente é um balouço para o sobrinho

A última barreira foi voltar a fazer bodyboard, uma componente importante na sua vida antes da doença. Apesar das conquistas, ficou com sequelas físicas e psicológicas. O prognóstico é que não recupere a 100% e, como a doença é crónica, terá dias melhores e outros piores. A componente psicológica passou a ter um grande impacto físico. «Se estiver ansioso com alguma coisa, aparecem uns formigueiros, umas dormências», descreve. De tudo o que ainda não consegue fazer, o que mais lhe custa é a incapacidade de manter pesos nas mãos, apesar de os conseguir levantar. «E isso acontece muito na situação de colo. Todas as outras não me preocupam, se não conseguir fazer ou se só conseguir mais tarde. Só me preocupa o colo, mas acredito que, com trabalho e com tempo, pode ser que um dia consiga». Frederico já demonstrou que o amor de pai é um superpoder.

 

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