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2 março 2023
Texto de Nuno Monteiro Pereira (urologista e andrologista) Texto de Nuno Monteiro Pereira (urologista e andrologista)

O que é isso de saúde sexual?

​​​​​A saúde sexual é uma ampla área que abrange uma parte significativa do nosso bem-estar.​

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A saúde sexual é uma ampla área de ação que visa, sobretudo, atingir a ausência de disfunções ou doenças sexuais. Mas não é apenas isso. Visa também o bem-estar físico, emocional, mental e social relacionado com a reprodução e a sexualidade das pessoas. É esta a essência da definição que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tornou pública em 2009.

O termo saúde sexual começou a ser timidamente utilizado no início dos anos 1980 pela OMS/Europa, entendendo-o como uma extensão do conceito geral de saúde às vivências da sexualidade. No entanto, durante anos o termo foi usado quase como sinónimo de combate a infeções sexualmente transmissíveis. Eram os difíceis tempos do início da pandemia do VIH, em que a discriminação e a estigmatização dos doentes rapidamente foi identificada como um dos principais problemas do défice de saúde sexual. Muitas pessoas com características ou práticas sexuais diferentes do comum ― homossexuais, profissionais do sexo, transexuais, intersexuais ― que já antes eram marginalizadas, passaram a ser consideradas a fonte de contágio de uma doença mortal. Como tal, foram ostracizadas e consideradas socialmente inaceitáveis. Isso causou um peso enorme na vida dessas pessoas: privadas de informação e sem acesso a serviços relacionados com as doenças sexuais e a sexualidade, ficavam cada vez mais vulneráveis. O impacto sobre as pessoas VIH-positivas e na sociedade foi enorme. Ao medo da doença e dos doentes, somou-se a falta de informação e a desinformação. A sociedade demorou a aperceber-se da amplitude do problema e só lenta- mente se mobilizou para a sua resolução.

Em meados da década de 1990, o termo saúde sexual ganhou força internacional, nomeadamente após a aprovação pela Federação Internacional de Planeamento Familiar, em 1995, da Carta dos Direitos Sexuais e Reprodutivos. O documento declarava os direitos individuais, e independentes de idade, género, orientação sexual, religião, etnia e estado civil. Direitos que abrangiam o acesso à informação e a serviços de saúde numa abordagem interdisciplinar e não somente médica. Mas esses inovadores conceitos continuaram durante anos a ter como principal referência a contraceção e a saúde reprodutiva. A sexualidade surgia como uma área adjacente, um território vasto, mas obscuro.

No novo século surgiu, finalmente, um ambiente social e político propício à promoção da saúde sexual e ao combate à discriminação das desigualdades, da violência e da coerção, entendidas como evidentes violações dos direitos humanos. Atingir a meta do respeito, da proteção, educação, informação, o acesso aos serviços de saúde e o integral cumprimento dos direitos humanos, passou a ser uma meta a alcançar, e depressa.

Tornou-se então claro que a sexualidade humana inclui uma diversidade de comportamentos e expressões muito mais ampla do que se pensava, e que o reconhecimento dessa realidade só podia contribuir para uma sociedade melhor e mais justa, pese embora o negacionismo crónico e anacrónico de muitas pessoas, mesmo entre a comunidade científica. O principal obstáculo era a evidência de que a sexualidade e as práticas sexuais dizem respeito à vida privada de cada um.

A garantia de privacidade e de confidencialidade é indiscutivelmente importante, em particular na prestação de serviços de saúde. Se essa garantia não existe, as pessoas não utilizam os serviços de que necessitam. O caso especial dos adolescentes é paradigmático: evitam o recurso a ajuda se for necessária uma autorização dos pais. Na população adulta também podem existir comportamentos sexuais que, embora consensuais e não criminais, tendem a ser ocultados de todos, até dos profissionais da saúde, por receio de reações negativas.

Na saúde sexual há, pois, que garantir não só a privacidade e confidencialidade da prestação de ajuda profissional, como também facilitar a informação para as pessoas saberem como proteger a sua saúde, e tomarem decisões informa- das sobre a sua vida sexual e reprodutiva.

Neste campo, Portugal está entre os países mais desenvolvidos, nomeadamente com a disponibilidade da contraceção de emergência; a possibilidade das pessoas viverem de acordo com o género com que se identificam, por lei e de facto, sem estigma, discriminação, exclusão e violência; a impossibilidade de alguém ser obrigado ou induzido a fazer procedimentos médicos extremos, como a esterilização, a terapia hormonal ou as cirurgias de definição ou reatribuição de sexo.
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