O Rão Kyao lembra-se da primeira vez em que ficou encantado por uma flauta?
Há um filme daqueles da série do Vasco Santana, com o António Silva... É um filme dessa época, que eu vi há muito tempo, em miúdo. Acho que a Milú e o Curado Ribeiro [actores nesse elenco] vão dar um passeio num carro pelo campo. Saem da cidade... não sei porquê, não me pergunte qual foi a circunstância, mas vão para o campo. Vê-se várias coisas, eles estão a observar, vê-se um bocadinho do Portugal dessa altura, anos 30, sei lá, é fantástico a gente ver. De repente, aparece um rebanho de ovelhas a pastar e está um tipo sentado em cima de uma pedra, a tocar uma flauta de cana. Isso foi um acontecimento para mim! Eu disse: «Este gajo é sábio!». Senti uma sabedoria naquele tipo, o desapego, uma maneira de viver... «Este gajo, realmente... isto é uma coisa muito interessante!».
Uma criança fascinada no cinema.
Sim, era uma criança. Lá está, é este aspecto do bucolismo associado à flauta de bambu, o facto de ser uma cana que se corta, o tipo no meio do campo... Sendo de Lisboa, tenho uma tendência para o campo, para a Natureza. E a flauta de bambu sugere muito o som da Natureza.
Já sentia, em criança, esse apelo de ir para o campo, o fascínio pelos animais?
Penso que desde bastante miúdo gostava do campo e da manifestação da Natureza na sua força, nas suas manifestações várias. Não posso dizer que fosse qualquer coisa muito intensa de que eu possa falar, mas na realidade sempre esteve lá, apesar de eu ser um miúdo de Lisboa.