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16 junho 2016
Texto de Pedro Veiga Texto de Pedro Veiga Fotografia de Alexandre Almeida Fotografia de Alexandre Almeida

O mundo novo não tem limites

​​​​​​​​​Big data, Inteligência Artificial, a Internet das Coisas e a explosão dos dispositivos móveis. Estas são as quatro tendências identificadas por Philip Evans quando olha para o desenvolvimento recente das tecnologias da informação. O resultado é um mundo em que a fronteira entre o real e o virtual é cada vez mais ténue.

Nascemos, certidão, base de dados. Crescemos, cartão do cidadão, base de dados. Seguimos para o infantário, para a escola, para a universidade, três vezes base de dados. Abrimos conta no banco, utilizamos o Serviço Nacional de Saúde, criamos um endereço de e-mail, compramos casa, carro, uma viagem de férias e, a todas essas decisões, somamos outra: sim, eu autorizo que registem os meus dados numa base de dados.

A nossa informação pessoal anda por aí, dispersa por um conjunto incomensurável de servidores, zero e uns misturados com uns e zeros de um zilião de bases de dados de objectos e serviços, a uma potência que seria inimaginável há pouco mais de duas décadas. «A análise de big data é a primeira de quatro tendências que estão a mudar a estrutura e a forma de trabalhar das empresas», explicou Philip Evans, vice-presidente do Boston Consulting Group (BCG), durante a sua participação no painel «Inovar na Relação com o Consumidor», no 12.º Congresso das Farmácias.

«A partir de 2007, o volume de informação no mundo expandiu, ao mesmo tempo que o volume de informação analógica foi diminuindo por causa da substituição que   o crescimento do digital impôs», contextualizou Evans, «mas, mais importante, é que metade dessa informação estava em computadores, o que quer dizer que está na Internet, o que quer dizer que pode ser combinada». Subitamente, múltiplas bases de dados podem ser tratadas como um único maná de informação. A partir daí, torna-se possível identificar padrões de comportamento e consumo – informação preciosa para a sociedade e a economia global do século XXI.

A segunda tendência que Evans identificou prende-se com o salto qualitativo no domínio da inteligência artificial. Durante décadas, os computadores evoluíram a duas velocidades: foram ficando cada vez melhores num conjunto de tarefas, como a aritmética, mas continuavam a falhar miseravelmente face a outro tipo de problemas, como o reconhecimento facial, «coisas que até uma criança de três anos consegue fazer», de acordo com o consultor do BCG.

O avanço recente, revelou Evans, surgiu na sequência de «um concurso da Universidade de Stanford para tentar desenvolver um software de reconhecimento de objectos em fotografias». Uma equipa da Universidade de Toronto venceu com uma nova abordagem: as neurais networks que, em versão simplificada, são uma tentativa de replicar de forma artificial o funcionamento do cérebro humano. E os benefícios desse pulo tecnológico já andam por aí, seja de cada vez que o Facebook consegue reconhecer que estão cinco pessoas na fotografia que acabou de publicar na sua cronologia ou quando pergunta à Siri qual é a farmácia de serviço mais perto do local onde se encontra.

Outra das mudanças recentes identificadas por Philip Evans é o crescimento da chamada Internet das coisas, ou seja, «o fenómeno a partir do qual podemos usar sensores e dispositivos de modo a dar à tecnologia a capacidade de estar consciente do seu ambiente e de partilhar informação numa rede». Objectos que, até há pouco tempo, existiam apenas no tempo e no espaço, desligados do mundo virtual, passam a estar online e a reagir às circunstâncias. Faltam-lhe iogurtes e legumes em casa? O seu frigorífico avisa-o e até encomenda por si junto do seu supermercado de preferência.  Está a regressar do emprego num dia frio e chuvoso de Inverno? O seu aquecimento central adivinha e liga-se sozinho para que a sua casa esteja à temperatura ideal quando chegar.  A oferta tecnológica neste domínio é cada vez maior, fruto da «queda de 75% no preço médio dos sensores», como explicou o consultor do BCG. 

​​No fim da lista de grandes tendências recentes das tecnologias da informação vem a disseminação dos dispositivos móveis. «Apanhou todos de surpresa!», comentou Philip Evans. «Chegaram a todo o lado mais depressa que qualquer outra tecnologia na História», ao ponto de haver já mais telemóveis que pessoas no mundo, 40% dos quais são smartphones. E por que é que isto é importante? Porque «isso significa que podemos fazer chegar a informação a uma pessoa através desse dispositivo, mas também implica que esse dispositivo pode ser, em si mesmo, um sensor». Mais que quatro mudanças independentes, Evans descreve-as como «quatro tendências que se potenciam mutuamente» e que abrem um mundo de possibilidades: «há 15 anos, querias conhecimento ias à biblioteca e tinhas lá um profissional que te ajudava na pesquisa; há cinco, usavas o teu PC e ias ao Google; hoje a resposta está no teu bolso ou no teu pulso. A informação deixou de ser um reino isolado aonde nos deslocamos quando queremos aprender   alguma coisa e depois regressamos ao mundo real. A informação é o mundo real!», concluiu Evans.

Mas como é que esta convergência entre real e virtual pode afectar o universo dos cuidados de saúde?  De mil e uma formas, explicou o consultor da BCG, para quem o caminho passa pelo desenvolvimento «de padrões de uniformização​ e qualidade dos dados clínicos de modo a permitir a sua interoperabilidade». Evans defende que avançamos em direcção ao nível seguinte da medicina baseada na evidência, «em que o paciente será mais proactivo e informado, e onde a prática clínica será guiada não pela autoridade do médico, mas sim pela informação que extraímos das estatísticas». O vice-presidente do Boston Consulting Group defende que isso permitirá que o sistema de saúde passe a «focar-se no bem-estar do paciente e não na doença» e que, para tal, «a provisão de cuidados de saúde deve encontrar novos canais para chegar aos utentes, canais mais baratos, que associaríamos ao comércio a retalho, ao invés das fortificações do hospital tradicional». Para quê ir a «instalações físicas dispendiosas» fazer exames, perguntou Philip Evans, se, através dos dispositivos móveis, «o paciente pode gerar ele próprio essa informação?»

Haverá também mudanças nos instrumentos de diagnóstico. Philip Evans antevê a democratização do mapeamento  do  genoma   humano: «apanhas uma constipação, vais ao médico e a primeira coisa  que  ele  vai fazer é mapear o teu genoma». Actualmente, isso ainda tem um custo de 750 dólares, mas «quando custar 99 dólares, é muito possível que deixe de ser o tipo de coisa que é feita num hospital ou numa clínica para passar a ser feita numa farmácia». E que farmácia será essa? Talvez uma que utilize a tecnologia Beacon para saber que um cliente fiel está neste momento em frente ao expositor dos suplementos alimentares e que, por isso, merece automaticamente um desconto. Ou, porventura, uma farmácia em que apontar o telemóvel a um medicamento permita, através da realidade aumentada, informar o utente se há alternativas mais baratas ou adequadas em stock. Ou, quiçá, um espaço em que a dispensa de medicamentos é feita em embalagens inteligentes que avisam o utente sempre que ele ou ela se esqueça de tomar o comprimido.

«O que está a acontecer é que todos os milagres da experiência e do comportamento online estão a manifestar-se no mundo real e (...) [os farmacêuticos], que são proprietários de um espaço de retalho real, vão, cada vez mais, ser capazes de proporcionar nesse espaço físico uma experiência similar ao online», concluiu Philip Evans. É um admirável mundo novo, pleno de oportunidades e riscos. Quem vai querer ficar para trás?​

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