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22 dezembro 2021
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro Vídeo de Hugo Costa Vídeo de Hugo Costa

«O desporto é um medicamento»

​Três doenças autoimunes ensinaram Inês Abrantes a ter maior consciência das necessidades do seu corpo.​

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​Por três vezes a vida confrontou Inês Abrantes com a sua vulnerabilidade, lembrou-lhe que tudo pode mudar de repente e o importante é viver o presente. Ela percebeu a lição e hoje agradece o abrandamento do ritmo imposto pelas inesperadas doenças crónicas que cruzaram a sua vida. «Ter uma doença desperta-nos para o que realmente importa. Hoje sou muito mais consciente de mim própria. À terceira aprendi!», ri a jovem de rosto sardento e olhar tranquilo.

Quem a vê, numa fria manhã de Inverno, a fazer remada no TRX, uma faixa suspensa numa árvore, não imagina que sente dores permanentes, sobretudo nas mãos. Há quatro anos as dores eram tantas que precisava de ajuda para se pentear, tomar banho, se vestir. Nessa altura abandonou os treinos, por vezes nem escrever podia. 



Inês tinha 20 anos quando descobriu a primeira doença: diabetes tipo 1. O desporto era a sua vida, a competição uma paixão. Estava no segundo ano de Gestão do Desporto, era campeã nacional de kickboxing, durante anos fez natação de competição. Abandonou a competição, mas o desporto continua a ser o seu mundo. Como personal trainer e group trainer, dedica-se a incutir em quem a rodeia o gosto pela atividade física. Inês gosta de ajudar as pessoas a serem saudáveis e acredita que o desporto é um «medicamento que não vem numa caixa». Resume o seu propósito numa frase: «Quero mudar vidas através do desporto».

O diagnóstico de diabetes foi um choque. «Foi quase o fim do mundo descobrir que tinha de viver para sempre com uma doença que implicava injetar-me com insulina oito a dez vezes por dia», recorda. Inês nem sonhava que a doença era um caminho que mal começara a trilhar. Exames posteriores detetaram outra doença autoimune: tiroidite de Hashimoto. Dois anos mais tarde, mais ambientada à nova forma de viver, surgiram sintomas estranhos. «Comecei com dores num pé, que se arrastaram para o outro, depois a mão, a outra mão, o maxilar, às tantas tinha dores no corpo todo», descreve.



Artrite reumatoide, concluiu-se mais de um ano depois. Outro tanto foi preciso para alcançar um tratamento eficaz. Inês experimentou várias terapêuticas, viu o corpo inchar sob o efeito da cortisona durante um ano e meio. As injeções de imunossupressores começaram a dar resultados ao fim de dez semanas. Esta terapêutica evita a rejeição de um órgão após um transplante, e também trata algumas doenças autoimunes. 

Nesse entretanto, a doença cavalgou e deixou sequelas. Inês perdeu mobilidade articular nas mãos, tem dificuldade nalguns movimentos, mas desdramatiza: «Também não preciso de fazer o pino!».

Hoje convive de forma tranquila com as três doenças. A rotina inclui injetar insulina, de que depende para viver, com recurso a uma bomba. Toma comprimidos diários para a tiroide e monitoriza a situação a cada três meses. Semanalmente, administra injeções de imunossupressores, em casa. «Agulhas já são a minha “praia”», diz, rindo. Todos os dias, antes de fazer desporto, pica o dedo para medir os níveis de glicose. Se estiverem altos, tenta baixá-los com o próprio treino ou injeta insulina. Se estiverem baixos, consome algo com açúcares rápidos antes de iniciar o treino. Não se deixa abater pelas dores crónicas provocadas pela artrite reumatoide. «Tomo um anti-inflamatório para aliviar e vou trabalhar, fazer a minha vida normal». Sabe que a sua artrite é «severa», mas prefere concentrar-se no que está ao seu alcance para adiar o progresso da doença. «A ideia é morrer o mais velha possível, o mais jovem possível», diz.



Rapidamente decidiu que ia assumir as doenças. Não queria ter de esconder-se na casa de banho de um local público para injetar insulina, por exemplo. As partilhas nas redes sociais criaram em seu redor uma comunidade de pessoas com doenças autoimunes com quem troca informações e experiências. Também percebeu que podia usar a profissão para ajudar pessoas a ultrapassar os problemas de saúde através do exercício físico. Tirou várias formações em desporto, vocacionadas para pessoas com diabetes, cancro e doenças reumatológicas, mas também grávidas e idosos. A parte terapêutica começou a ganhar peso nos treinos que dá, por exemplo ajudando pessoas com lesões ou em recuperação pós-cirúrgica.

A experiência pessoal com a doença gera empatia e confiança: «Sei o que estás a sentir, porque passei por isso e passei sozinha. Eu quero ser a pessoa que gostava de ter tido nessa altura», explica. Lembra com gratidão duas pessoas que apoiou: um rapaz, na sequência da amputação de uma perna motivada por um cancro, e uma rapariga transplantada após uma leucemia. Em ambos sentiu o impacto positivo da prática desportiva. «Foi incrível! Hoje ambos estão ótimos». Mais do que o retorno monetário, a sensação de «poder ajudar» é o que a move, mesmo junto de quem não tem doença.



Em outubro, Inês Abrantes lançou um livro onde relata a experiência própria com as doenças autoimunes. Acredita que a partilha é importante para apoiar quem, de um dia para o outro, se depara com patologias. «Hoje alguém vai descobrir que tem diabetes. Se puder fazer a diferença numa vida, farei». Folheia o livro com entusiasmo, explicando o trabalho que demorou um ano a concluir. Está satisfeita com o resultado: «É um guia prático, útil até para quem não tem doenças».
Aos 27 anos, tem muitos projetos pela frente. Quer constituir família, mas antes está empenhada em fazer crescer as empresas que criou durante a pandemia: a “Team Inês Abrantes”, uma equipa de nove pessoas, nas áreas do exercício físico e da nutrição; a “Ponto no I”, marca de vestuário de fitness desenhado por ela; e a “Monsterinha”, empresa de vestuário casual. Partilha casa há sete anos com o namorado, o ator Isaac Alfaiate, sócio nas duas empresas de roupa, e com dois cães, o Aquiles e a Hypo. Inês adora animais, é vegetariana e voluntária na União Zoófila há quase dez anos.

As doenças físicas estão controladas, a saúde mental estável, e Inês define-se como «uma pessoa saudável». Mantém as consultas de psicoterapia que iniciou na fase mais dura da doença e fala delas «com orgulho e não vergonha». Agradece às doenças a maior consciência que tem das necessidades do seu corpo. «Obrigam-me a não ter pressa, a parar para cuidar de mim, a respeitar os momentos em que preciso de descansar». Também sente que cresceu e aprendeu a valorizar a vida. «O amanhã logo se vê, hoje é que interessa». Mais do que a reagir com otimismo, aprendeu a «não mascarar o que se sente». Assume quando está triste e não inventa desculpas se não tem vontade de ir a um jantar de amigos. «A vida é tão curta, posso não estar cá amanhã com a mesma qualidade de vida, não faz sentido obrigar-me a fazer o que não me apetece. Aprendi a ser verdadeira comigo e com o que sinto».
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