Política de utilização de Cookies em Revista Saúda Este website utiliza cookies que asseguram funcionalidades para uma melhor navegação.
Ao continuar a navegar, está a concordar com a utilização de cookies e com os novos termos e condições de privacidade.
Aceitar
14 julho 2020
Texto de Paulo Martins Texto de Paulo Martins

O delegado vintage

​​​​Aires Raposo representou a ANF nos Açores durante 21 anos.

Tags
Disponibilidade é a palavra-chave. Tão espontaneamente emerge na conversa com quatro pessoas sobre Aires Raposo que não pode ser coincidência. «Se precisamos dele, está lá», afiança João Pedro Freitas, que de colega passou a amigo no terreno comum da preocupação com os problemas dos farmacêuticos. «É solidário. Nunca se nega a qualquer colaboração que seja necessária, mesmo de colegas de outras ilhas», diz a actual presidente da Delegação Regional dos Açores da Ordem dos Farmacêuticos, Margarida Martins. Duarte Santos, membro da Direcção da ANF e director da Farmácia Portuguesa, sabe a que porta bater, quando precisa de apoio: à do «delegado histórico» da ANF, como lhe chama, que àquele traço de personalidade associa «atenção, simpatia e profissionalismo».

O próprio Aires Raposo deixa a promessa, na carta de despedida enviada em Abril passado à Direcção da ANF, após 21 anos de representação da entidade no arquipélago: «Permanecerei incondicionalmente disponível». É assim, porque sempre foi assim, como confidencia à Farmácia Portuguesa. Assumiu «uma missão que não era eterna».  Cumpriu-a com tamanha perseverança e inabalável cuidado que se tornou o delegado “vintage” da associação nos Açores. 

Faltou-lhe «coragem» para renovar a equipa, mas é com orgulho que vê avançarem novos protagonistas. Acredita que a profissão só tem a ganhar com jovens como os que, nos conselhos nacionais em Lisboa, faziam apresentações por computador, uma «animação espectacular», que o deleitava. Aí começou a perceber que chegara a hora de passar o testemunho. Que não de virar costas: «Ainda estou no activo, apesar de sexagenário», avisa. «Tudo o que fiz foi por disponibilidade própria. Faz parte da minha forma de estar e de ser na vida», afirma. A vocação para a actividade associativa visa apenas «ajudar e manter-me ocupado».

Fosse a disponibilidade a sua única virtude e já seria um excelente cartão de visita. Nascido em 1956 em Ponta Delgada, José Aires Vasconcelos Raposo licenciou-se pela Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa em 1982 – obteve, mais tarde, uma pós-graduação em Gestão de Farmácia pela Lusófona. Entre 1983 e 2011, foi responsável pelo laboratório do então Hospital Concelhio da Ribeira Grande. Com farmácia na freguesia das Capelas, em Ponta Delgada, desde 1984, é director-técnico do Laboratório de Análises Clínicas Dr. Aires Raposo & Dra. Teresinha Raposo, cuja propriedade partilha com a esposa e onde hoje passa mais tempo, enquanto o filho se encarrega da farmácia. 

Dedicado ao universo farmacêutico – ser mandatário da candidatura de Vítor Fraga à Câmara local, em 2017, não foi incursão na política, mas tão-só um gesto de amizade para com um «companheiro de luta profissional», que embora engenheiro esteve ligado à distribuição de medicamentos – presidiu à Delegação Regional dos Açores da Ordem de 1993 a 1996, três anos antes de se tornar delegado da ANF. O terceirense João Pedro Freitas, rosto da Ordem no mandato precedente e de novo entre 1996 e 2016, conheceu-o nestas andanças. O facto de terem sido na mesma ocasião, em 2018, distinguidos pela Ordem com a Medalha de Honra demonstra o prestígio de que usufruem. Margarida Martins nota que ambos alinham quase todos os anos, «independentemente das responsabilidades associativas», na procissão do Senhor Santo Cristo, dando a cara pelos farmacêuticos. Aires Raposo confirma: «Durante anos, íamos só nós». Três horas e meia a percorrer as ruas de Ponta Delgada, numa das mais marcantes expressões da cultura insular, que ultrapassa largamente a dimensão religiosa.

2012: na procissão do Senhor Santo Cristo, com João Pedro Freitas

Percebe-se que construíram uma cumplicidade maior do que a distância entre São Miguel e a Terceira. Diz Freitas do parceiro, evocando os tempos em que vestiam as camisolas da Ordem e da ANF, respectivamente: «Tornámo-nos amigos, porque tínhamos de discutir estratégias e eu tenho nele a máxima confiança». As diferentes vocações das entidades converteram-se em mais-valia, que a ligação de Aires à farmácia comunitária consolidou. «Extremamente organizado e muito ético na relação com os colegas, era como se fosse o meu representante em São Miguel», afirma o dono de um laboratório de análises clínicas na Praia da Vitória, reconhecendo que o amigo «tinha uma capacidade de encaixe que eu fui obrigado a ter» na relação com o mundo da política. 

Talvez capacidade de encaixe se traduza por «procura da convergência de opiniões», marca que Aires Raposo, na óptica de Duarte Santos, deixou na estrutura associativa da ANF. 


Aula sobre Imunohematologia a alunos do 12.º ano, em 2002

Habituou-se a admirar o colega, que transmitia à Direcção os problemas da região «de forma sempre construtiva», pela sua «postura irrepreensível, entrega invulgar e cultura invejável». Para organizar nos Açores um evento do Grupo Farmacêutico da União Europeia, cuja presidência acaba de assumir, não podia deixar de contar com ele e com Margarida Martins. A pandemia adiou a iniciativa para 2021, mas manteve-se intacto o interesse na colaboração de ambos. E, claro, o objectivo central: demonstrar a bastonários e dirigentes de associações farmacêuticas dos países-membros da organização, que nela vão participar, a qualidade do trabalho das farmácias da região, que não ficam a dever nada às de países mais desenvolvidos, porque «a insularidade não é uma dificuldade; é uma oportunidade». Aires Raposo, salienta Duarte Santos, simboliza essa atitude. «Tem feito imenso pelos Açores e pelas farmácias açorianas». 

«Farmacêutico de referência a nível regional e nacional, não só pelos cargos que exerceu, mas também pelo exemplo do que construiu» – eis como Margarida Martins caracteriza Aires Raposo, destacando o seu «rigor e profissionalismo» e a «palavra amiga» que dele sempre ouviu, sendo de uma geração mais jovem. 


Com Odette Ferreira, em 1996, em Vila Franca do Campo

Mariana Mouro, actual responsável na Direcção da ANF pela estrutura associativa, conheceu-o há cerca de um ano, quando foi eleita. «Disse-lhe que vou continuar a contar com ele», revela, chamando a atenção para o «extraordinário trabalho» realizado, sobretudo na relação com as entidades públicas. Bom exemplo da sua influência – «percebe-se a afinidade que tem com as pessoas» – é o facto de o fluxograma de intervenção farmacêutica sobre os cuidados a observar na fase de contenção da COVID-​​19, produzido pelo CEDIME, ter sido adoptado pela Direcção Regional de Saúde dos Açores como recomendação, logo a 3 de Março. «Ele faz com que o espírito associativo e a entrega à missão da farmácia pareçam fáceis. É uma pessoa inspiradora», considera Mariana Mouro. 

O presidente da ANF salienta a «serenidade» de Aires Raposo. «O mar que nos separa, para ele sempre foi um factor de união. Consegue sempre ver as coisas com profundidade, indiferente à espuma dos dias», conclui Paulo Cleto Duarte.
Notícias relacionadas