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15 março 2017
Texto de Filipe Mendonça Texto de Filipe Mendonça Fotografia de Júlio Lobo Pimentel Fotografia de Júlio Lobo Pimentel

O farmacêutico da cidadania

​​Foram 91 anos felizes, ​ao serviço de Vouzela e da Farmácia.
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Acorda todos os dias «entre as oito e as nove horas da manhã» e não vai para a cama cedo. De casa à farmácia são 100 metros mal medidos, ligeiramente a subir na rua principal de Vouzela. Telmo Teixeira faz este caminho todos os dias, mas está cansado. «Estou farto daquilo. Tenho lá gente muito competente e que sabe muito mais do que eu. Hoje, já nem uma receita posso dispensar porque não sei». Maria José, uma das duas farmacêuticas a quem Telmo Teixeira confia a farmácia, desmonta as palavras do “Doutor”. «Só a vinda dele à farmácia, todos os dias, já é importante. Quando ele está de férias, a farmácia não é a mesma. As pessoas dizem sempre: ai o que vai ser disto quando o d​r. Telmo morrer?» A morte é coisa estranha para quem adora viver. «Sou muito feliz. Quando me perguntam qual é o segredo da minha longevidade eu digo sempre que não há segredos. Acordo sempre bem-disposto, talvez seja esse o segredo». Talvez por isso, em Vouzela, é difícil encontrar colectividade que não tenha dirigido, ou cargo que tenha deixado por desempenhar. Foi presidente dos Bombeiros e até comandante, presidiu à Associação “Os Vouzelenses”, passou pelo Conselho Fiscal da Santa Casa da Misericórdia, pela Sociedade Musical Vouzelense, foi presidente da Assembleia Municipal, lançou o Externato São Frei Gil, fundou a Gráfica Vouzelense, cedeu o terreno para a construção do Cine-Teatro Municipal de Vouzela e lançou a Cooperativa da Rádio Vouzelense, a menina dos seus olhos.



É quando conta a história da Rádio que os suspiros e os silêncios se atropelam. Os olhos de Telmo  brilham quando fala da 94.6, mas é um brilho que mistura orgulho e preocupação. Já lá vão 28 anos como director da Vouzela FM, quase três décadas de luta. «Está no ar 24 horas por dia. Chega até à Guarda. Tem sido muito difícil aguentar aquela casa, a publicidade está cada vez pior. Tínhamos quatro profissionais, passámos a dois. Despedir é sempre uma coisa dolorosa», confessa. A dor é a de um homem assumidamente de Esquerda, herdeiro da tradição de uma família republicana, anti-regime. «Não sou um revolucionário. Nunca tive coragem para isso», explica enquanto recorda as tertúlias na farmácia da família. Foi lá que aprendeu a gostar da ideia de servir a terra. A farmácia foi o berço da sua cidadania.


A farmácia da liberdade 

Mais de 120 anos no mesmo local. Rua Conselheiro Morais de Carvalho, Vouzela. A 15 de Maio de 2010 fechou as portas e foi instalar-se cinquenta passos acima. A história da Farmácia Teixeira confunde-se com o património da terra e da família. Primeiro o avô, Cesário Teixeira, depois o filho, Eduardo de Souto Teixeira, agora o neto, Telmo, pai de três filhos e com quatro netos. Telmo Teixeira cresceu na Farmácia das tertúlias e dos manipulados. Por lá passaram dezenas de homens de vários quadrantes políticos, gente das ideias que queria discutir o futuro da terra, do país e do mundo. 

As conversas prolongavam-se noite dentro e só eram interrompidas, de quando em quando, pela necessidade de um utente que chegava à procura de ajuda. Telmo lembra-se do ambiente da farmácia. «Eram contra o regime. Um dia, a polícia veio buscar o meu avô e o meu tio e a população levantou-se e não deixou que os levassem presos. Ainda rasgaram um casaco a um polícia», conta orgulhoso, apesar de confessar que o episódio foi causa de pesadelos durante algum tempo. 



Da farmácia das tertúlias sobram as fotografias. Onde ontem os homens discutiam o futuro, hoje opera um robot com capacidade para 30 mil embalagens. Mais do que funcional, é simbólico. Diz muito sobre a cabeça de Telmo Teixeira, um homem da terra, mas com os olhos no mundo. 

Comprou o primeiro carro em 1949, um Vauxhal. Custou-lhe 48 contos, mas não foi com ele que chegou a Coimbra, na companhia do amigo Ribeiro Simões, para a reunião que lançou as sementes da ANF. «Claro que um indivíduo com esta coisa toda tinha de estar no desenvolvimento do associativismo da Farmácia cá em Portugal», sorri. Passaram mais de 40 anos, muitos deles como delegado distrital por Viseu. Sentado no Café Central, na mesa do canto que não troca por outra, o farmacêutico da terra prega o olhar na janela e confessa: «Nunca acreditei que a Associação pudesse crescer assim».

 

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