Texto de Tatiana Guimarães | Responsável pela consulta de cardiologia na gravidez e pós-parto, Hospital CUF Descobertas e cardiologista, Hospital CUF Torres Vedras e Clínica CUF Mafra
A gravidez pode ser considerada uma prova de esforço natural, com o objetivo de suprir as necessidades da mãe e do feto em desenvolvimento. Tendo em conta as alterações que ocorrem no corpo da mulher, como o aumento do volume de sangue e da frequência cardíaca, e a redução da pressão arterial, a gravidez pode apresentar desafios. O parto é o momento em que, tanto a mãe como o feto, se encontram mais vulneráveis, a que acresce a ansiedade, a dor, as contrações uterinas e, ainda, a hemorragia associada.
O período do pós-parto, designado puerpério ou ‘4º trimestre’, compreende as primeiras 12 semanas depois do parto e, apesar de muitas vezes menosprezado, requer acompanhamento e vigilância apertada. Esta vigilância torna-se crucial, uma vez que mais de 70% das mortes maternas ocorre no pós-parto, sobretudo nas primeiras seis semanas, que representa 40% de casos registados. O risco desta fase advém das inúmeras alterações fisiológicas que o corpo da mulher sofre enquanto regressa ao normal, a par das alterações da gravidez.
Mulheres com doenças cardíacas diagnosticadas previamente podem registar complicações, desde logo pela descompensação destas patologias, mas também podem surgir outras doenças relacionadas com as artérias do coração. A mais frequente é dissecção: quando a parede interna da artéria rompe, um episódio potencialmente fatal. A miocardiopatia periparto é uma forma de insuficiência cardíaca que, ainda que rara, pode registar-se no último mês da gestação e até cinco meses depois do parto, constituindo um elevado risco de vida.
Hipertensão arterial, pré-eclâmpsia e tromboembolismo venoso podem igualmente surgir nas primeiras semanas após o parto. Por este motivo, recomenda-se às mulheres que tenham sido mães recentes não menosprezarem sintomas como dor no peito, falta de ar, pernas inchadas, palpitações e pressão arterial elevada. Na presença destes sinais, é fundamental procurar ajuda médica rapidamente.
Recomendam-se cuidados redobrados a mulheres que tenham sofrido eventos adversos durante a gravidez ou no período pós-parto, como as referidas hipertensão e pré-eclâmpsia, mas também diabetes gestacional ou parto pré-termo. Estas têm maior risco, a longo prazo, de desenvolver doenças cardiovasculares, devendo por isso ser acompanhadas regularmente, por um profissional de cardiologia diferenciado.
Todos os momentos de contacto da mulher com as várias especialidades médicas constituem oportunidades para avaliação do risco cardiovascular, com medição da tensão arterial e um estudo analítico regular, especialmente nos primeiros meses após o nascimento de um filho. Caso sejam detetadas alterações, é fundamental a referenciação para a consulta de cardiologia.